Não há dia da campanha de André Ventura em que o líder e candidato do Chega não invoque a “Divina Providência”, os “céus”, as “estrelas”, o misticismo de Afonso Henriques ou de Francisco Sá Carneiro para justificar a “força” que o move e o “milagre” que conseguiu o Chega. Ao nono dia de campanha, no entanto, não foi divina a ajuda que empurrou André Ventura; a ajuda foi terrestre e num terreno em que Ventura nem precisou de mexer um músculo.
A prestação de Marcelo Rebelo de Sousa no debate a seis — Ventura não entrou por razões de agenda — foi celebrada entusiasticamente no núcleo duro que acompanha o candidato do Chega nesta volta a Portugal. A primeira metade da campanha tinha vivido muito à custa das críticas à esquerda e das reações epidérmicas da esquerda a Ventura. Nos últimos dias, o alvo foi mudando progressivamente, passando a centrar-se em Marcelo Rebelo de Sousa (pela colagem ao PS) e em Rui Rio (parte da “direita travesti” que se mistura com a esquerda).
Esta segunda-feira, depois de Marcelo ter dito que só daria posse a um Governo PSD/Chega, Ventura recebeu nas mãos o dois em um. E aproveitou para tentar alargar o abraço de urso que quer dar aos setores da direita que, com maior ou menor timidez, não gostam de Marcelo Rebelo de Sousa nem de Rui Rio.
“Foi o melhor que nos podia ter acontecido”, comentou com o Observador uma fonte da comitiva restrita de André Ventura à margem de uma ação de campanha. “O Marcelo entalou-se a ele à direita e entalou o Rui Rio, que agora não tem como justificar o apoio do PSD a um Presidente que já disse que vai criar obstáculos ao PSD no Governo. Foi pôr a bola na linha para deixar o André chutar à baliza. Inacreditável”, divertia-se a mesma fonte.
André Ventura chutou à baliza, festejou para as câmaras e ainda deu a volta olímpica, primeiro em Viana do Castelo, depois em Leça da Palmeira, no primeiro comício político drive-in da história das campanhas políticas. Desde chamar “cobarde” e “traidor” a Marcelo até desafiar Rui Rio a demarcar-se do Presidente-candidato e apoiar a sua candidatura, valeu tudo para grelhar a direita que Ventura diz ser “do sistema e que se alimenta do sistema”.
“Não podemos esquecer aqueles que nos traíram. O que aconteceu hoje foi particularmente grave. Só há uma candidatura de direita nestas eleições e essa força somos nós. Rui Rio tem de vir dizer hoje [o que pensa] e se for preciso ligo-lhe aqui à frente de todos. Não há segundas oportunidades. Hoje, Rui Rio não pode ficar em casa. Sou único candidato que junta o Chega e o PSD numa única força conjunta”, permitiu-se dizer o líder do Chega, ainda em Viana do Castelo.
Nada que não repetisse, muitas horas mais tarde, em Leça da Palmeira. Com duas das referências históricas mais caras à direita portuguesa: o 25 de Novembro e o legado de Francisco Sá Carneiro.
Sem palmas mas com mas com muitas buzinadelas, Ventura avançou para o ato I: “A noite de dia 24 tem de ser nossa, deste exército popular que se levantou para salvar Portugal. A noite de 24 de janeiro será o nosso 25 de novembro, feito agora no século XXI.”
Ato II: “Quero ser o herdeiro daquele enorme projeto de transformação que teve pelo nome de Francisco Sá Carneiro. Onde quer que esteja, se me estiver a ouvir, ele sabe que aquilo que quero para Portugal e que desejo para este país é entregar como ele toda a minha vida a Portugal.”
Depois dos ataques à esquerda, que a campanha do candidato do Chega entende como fator que fragmentou ainda mais aquele espaço político, Ventura continua a OPA ao eleitorado de direita. Em Vila Real, prometeu “apanhar o PSD”. Em Guimarães, “a reconquista” do “orgulho de ser português”. Em Braga, “liderança do Estado”. Agora, em Leça da Palmeira, “um novo 25 de Novembro” e “dar a vida por Portugal” tal como Sá Carneiro.
Ventura sabe que para crescer e ter um resultado relevante — nestas, mas sobretudo em futuras eleições — tem de viver para lá do voto antissistema e de protesto. O “exército popular”, apesar de impressionante para o tempo de vida do partido, é ainda curto para as ambições do líder. Nos últimos dias, desgastar Marcelo tem sido um meio para atingir Rui Rio. Na cabeça e nos discursos de Ventura, isto é só o início.
Nem só de Ventura se fez o dia de campanha eleitoral do líder do Chega. José Lourenço, líder da distrital do Chega/Porto e um dos mais influentes da máquina do partido, roubou, por alguns momentos, os holofotes do comício drive-in. E de que maneira.
Foi a primeira vez em nove dias de estrada, aliás, que um líder distrital discursou largos minutos (os anteriores têm dito apenas palavras de circunstância) e depois de Rui Paulo Sousa, diretor de campanha e mandatário nacional de André Ventura.
José Lourenço aproveitou cada minuto. Já depois de ter comparado André Ventura a Humberto Delgado, um “homem sem medo”, e de ter criticado Marcelo Rebelo de Sousa, o líder da distrital do Chega/Porto não esqueceu Ana Gomes e Paulo Pedroso.” Sou pai, tenho dois filhos e não os entregava a Paulo Pedroso. Só se estivesse por perto!”, gritou. Dadas as circunstâncias não houve palmas. Mas não faltaram buzinadelas de apoio.