podcast |pòdecáste|
(palavra inglesa, de [i]Pod , marca registada norte-americana + [broad]cast, transmissão)
nome masculino
Ficheiro áudio ou multimédia, divulgado com periodicidade regular e com conteúdo semelhante ao de um programa de rádio, que pode ser descarregado da Internet e lido no computador ou em dispositivo próprio.
In Dicionário Priberam
Em 2014, o jornalista Andy Bowers, então produtor executivo dos podcasts da Slate, publicou um artigo na revista online americana para assinalar os dez anos do género, e praticamente elencou todos os defeitos dos podcasts narrativos.
Tendem a ser longos; raramente se tornam virais; e, se tiverem sucesso, podem alcançar algumas centenas de milhares de downloads — nunca centenas de milhões, como acontece todos os dias com vídeos de gatinhos ou, acrescentamos nós agora, que entretanto o TikTok já foi criado, de danças e coreografias.
[Ouça aqui o trailer da nova série em podcast “O Sargento na Cela 7”
“O podcasting é a história de sucesso menos sexy da internet, a tartaruga numa corrida sem fim contra novas ondas de lebres”, escreveu o jornalista premiado e pioneiro dos podcasts, para depois concluir que, “na verdade, tendo em conta as métricas online comuns, o podcasting não deveria funcionar”.
Sem surpresa, nos parágrafos seguintes vem o “mas”: apesar de tudo isto, “ou em alguns casos por causa disto mesmo”, ressalva Bowers, o que não faltam são podcasts narrativos de sucesso, alavancados essencialmente porque, mesmo que sejam uma minoria, os ouvintes de podcasts ouvem mesmo muitos podcasts — e a verdade é que vários são mesmo descarregados aos milhões.
Há mais: os podcasts são como clubes, e os que ouvem os mesmos conteúdos tendem a ter tópicos de conversa intermináveis, e são extremamente viciantes. “Os ouvintes voltam semana após semana, mês após mês, ano após ano, quando gostam de um determinado conteúdo”, garantiu o jornalista, que meses mais tarde foi um dos fundadores da Panoply Media, a empresa que começou por produzir podcasts narrativos para o Grupo Slate e que em apenas dois anos já tinha mais de uma centena de programas feitos, não apenas para a Slate mas para meios como New York Magazine, Time, Wall Street Journal, Politico, Vanity Fair, Sports Illustrated e Huffington Post.
A começar por “This American Life”, que deu os primeiros passos em 1995, ainda como programa de rádio, e que em 2020 ganhou o primeiro Pulitzer alguma vez atribuído a um podcast, e continuando rumo a “Serial”, dos mesmos produtores, que em 2014 se tornou um fenómeno à escala global, o que não faltam ao longo destes quase 20 anos de história, são podcasts narrativos de sucesso.
Em comum, todos têm uma história forte e bem contada, “apenas” com recurso a som, ao longo de vários episódios, disponibilizados online, nos sites de origem e nas entretanto criadas “plataformas de podcast”.
“Serial”, da jornalista Sarah Koenig, tornou célebre o caso de Adnan Syed, o estudante de 17 anos que foi condenado a prisão perpétua pelo homicídio da ex-namorada, Hae Min Lee, de 18 anos, em Baltimore, em 1999. Ao longo de 12 episódios, o podcast dissecou a investigação e a defesa do jovem muçulmano, levantando uma série de dúvidas que culminaram, logo em 2015, com a reabertura do processo, a anulação da sentença e a marcação de um novo julgamento — que depois viria a ser indeferido por instâncias superiores, apenas para, em 2022, já com 41 anos, Adnan vir finalmente a ser libertado, após 23 anos na prisão.
Não foram divulgados dados sobre o último episódio do podcast, disponibilizado excecionalmente no dia 11 de outubro de 2022, horas depois de todas as acusações contra Syed serem retiradas — e quase oito anos após o fim da série. O que se sabe é que, só no primeiro ano em que foi disponibilizado, “Serial” foi descarregado mais de 100 milhões de vezes em todo o mundo, tornou-se viral e bateu todos os recordes, dando origem a dois novos fenómenos: o “binge-listening” e os podcasts de “true crime”.
Mas apesar de ser, de longe, um dos temas mais ouvidos em todo o mundo, no universo dos podcasts narrativos há mais do que histórias verídicas de crime.
Líderes, casas abandonadas e canções. Quando o material é bom, tudo pode ser uma história de sucesso
“Wind of Change”, disponibilizado em maio de 2020, por exemplo, é a história da investigação de Patrick Radden Keefe, jornalista da New Yorker, sobre a origem da balada com o mesmo nome dos alemães Scorpions — que, spoiler alert, pode ou não ter sido escrita pela CIA, para ajudar na luta do ocidente contra o comunismo.
“The Prince”, da jornalista Sue-Lin Wong, do Economist, recua às origens de Xi Jinping para, em oito episódios, revelar a história da “pessoa mais poderosa do mundo” e reconstituir o seu caminho “turbulento” rumo à liderança chinesa.
E “Bag Man”, disponibilizado em 2018, recua 45 anos para contar a história de Spiro Agnew, o vice-Presidente dos Estados Unidos que no início dos anos 1970, em pleno escândalo Watergate, foi investigado por suspeita de conspiração criminosa, suborno, extorsão e fraude fiscal. Da autoria de Rachel Maddow, pivô da MSNBC, o podcast teve tanto sucesso que entretanto já deu origem a um livro e está a ser adaptado ao cinema, com Ben Stiller como realizador.
Estes são apenas três exemplos de entre milhares de podcasts narrativos desenvolvidos desde que num dia de fevereiro de 2005 o especialista em tecnologia e futurista britânico Ben Hammersley cunhou a palavra num artigo no Guardian — “Mas o que vamos chamar-lhe? Audioblogging? Podcasting? GuerillaMedia?”, questionava o autor, dando como certa a “revolução sonora”, que só faltava mesmo nomear.
Há outros, também com muito sucesso e com temas muito diferentes — quando a história é boa e está bem contada, tudo pode ser um podcast de sucesso —, nomeadamente noutras línguas, que não o universal inglês.
No Brasil, o terceiro país que mais consome o género (depois de Suécia e Irlanda, segundo um estudo de 2022), os podcasts narrativos têm já uma audiência de 30 milhões de pessoas e uma série de produtoras especializadas.
Depois de “Praia dos Ossos”, narrado por Branca Vianna, ter recuperado a história do homicídio da socialite Ângela Diniz no penúltimo dia de 1976, às mãos do então namorado, Doca Street — e ter sido um dos conteúdos mais ouvidos da Apple Podcasts em 2020 —; dois anos depois, “A Mulher da Casa Abandonada”, produzido pelo jornalista Chico Felitti para a Folha de São Paulo quebrou todos os recordes, tornou-se viral e, em poucas semanas, chegou aos 7 milhões de downloads, só no Brasil.
A história de “Mari”, a mulher misteriosa que vivia sozinha numa mansão decrépita num dos bairros mais seletos de São Paulo e que afinal era foragida da justiça americana também chegou aos tops de podcasts em Portugal, onde, de acordo com um estudo recente da Reuters, 41,5% dos portugueses com acesso à Internet dizem ter ouvido pelo menos um podcast no mês anterior.
Ainda assim, ficou bem longe dos lugares cimeiros. De acordo com o Spotify, os portugueses ouvem cada vez mais podcasts, mas no top dos 10 mais ouvidos ao longo de 2022 não há um único podcast narrativo — “Extremamente Desagradável”, da Rádio Renascença, ocupa o primeiro lugar, seguido por “ask.tm”, de Pedro Teixeira da Mota, e de “Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer”, da SIC Notícias.
“O Sargento na Cela 7”, uma série para ouvir em seis episódios
A ausência é fácil de explicar: até agora nunca se produziram no país podcasts do género, histórias em áudio com uma forte componente narrativa, que funde jornalismo, investigação e entretenimento — contadas em português.
“O Sargento na Cela 7”, com narração do ator Pêpê Rapazote e banda sonora original de Noiserv, vem colmatar essa lacuna. É uma série para ouvir em seis episódios sobre António Lobato, o piloto da Força Aérea Portuguesa que, em maio de 1963, durante uma missão na Guiné Bissau, foi capturado pelo PAIGC e levado para uma prisão na vizinha Guiné Conacri.
Ao todo, António Lobato esteve preso durante sete anos e meio, em condições miseráveis, numa cadeia de que tentou escapar várias vezes — foi o militar português que mais tempo passou em cativeiro como prisioneiro de guerra.
No fim, acabou por ser resgatado por uma das mais secretas e obscuras operações alguma vez levadas a cabo pelo governo português — e que o Estado Novo negou sempre.
Para além de várias entrevistas de horas com o próprio António Lobato, hoje com 84 anos, para fazer “O Sargento na Cela 7” foi preciso estudar a fundo o período em que tudo aconteceu, pesquisar nos arquivos militares, ler as obras publicadas sobre a operação que o libertou e conversar com especialistas e autores, num processo de investigação e produção que se prolongou durante vários meses. E foi preciso também chegar à fala com outros intervenientes da história, como alguns dos homens que estiveram presos com o piloto na Guiné Conacri, militares que participaram na sua operação de resgate e seus descendentes e, claro, com Maria dos Anjos, a mulher com quem António Lobato casou oito meses antes de ter sido feito prisioneiro, e que ao longo dos sete meses e meio de cativeiro fez de tudo para o trazer para casa.
O primeiro de uma série de podcasts narrativos que o Observador tem em desenvolvimento, “O Sargento na Cela 7” é lançado no próximo dia 14 de março.
“O Sargento na Cela 7” é uma série com seis episódios para ouvir no site do Observador, na Rádio Observador e também nas habituais plataformas de podcast e no Youtube. Todas as terças-feiras é disponibilizado um novo episódio. O guião e as entrevistas são de João Santos Duarte e Tânia Pereirinha. A sonorização e pós-produção áudio são de Diogo Casinha.
Os Podcast Plus do Observador têm o apoio da Honda Automóveis.