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On the Set of "Raiders of the Lost Ark"
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Deve haver números disto: as hordas de miúdos de todo o mundo que não terão ido para Arqueologia por causa do Professor Jones. O boost que não terá havido durante décadas nas matrículas.

Corbis via Getty Images

Deve haver números disto: as hordas de miúdos de todo o mundo que não terão ido para Arqueologia por causa do Professor Jones. O boost que não terá havido durante décadas nas matrículas.

Corbis via Getty Images

Mr. Jones & me. Ou: como é que nós, arqueólogos heróis e putos maravilhados, já temos 40 anos?

Encontrou a Arca da Aliança e o Santo Graal, deu sex appeal à arqueologia, salvou o cinema de aventuras e a carreira de Spielberg. Aos 40 anos, Indiana Jones parte para a sua última aventura.

Como é que estas coisas acontecem não sei explicar. Juraria que não tinha sido há tanto tempo assim. Que ainda há pouco viemos de filme debaixo do braço, do clube de vídeo Charlot até casa, e logo estávamos a fugir a esferas rolantes de dimensões bíblicas, a cortar a conversa com espadachins exibicionistas, a ver esguichar sangue dos olhos a bárbaros nazis que, como Lucifer, queriam o poder de Deus (esta última parte não foi bonita, mas, convenhamos, está no topo da inesquecibilidade, termo que acabamos de inventar, mas que é dos mais elegantes erros gramaticais que temos praticado). E agora dizem-nos temos 40 anos, Indy e eu. Como pode ser?

Mais estranho é que ele era já então professor universitário e eu, eu não fora propriamente quem trouxera para casa o filme – tinha o meu pai entre a mão e o VHS. Pior: eu era uma criança nos anos 80 e ele um adulto nos anos 30. Entretanto, o mistério adensa-se. Vou à internet verificar: Harrison Ford tem 78 anos. 78. Impossível. Alguém está a tentar avariar-nos a cabeça. Estamos no “Matrix”, no Deus maligno de Descartes. Nada faz sentido. Ou viveremos em sentidos diferentes, uns do princípio para o fim, outros do fim para o princípio, e nos encontremos a meio?

O evangelho segundo São Spielberg e o outro Lucas

Perdoem-me o uso da primeira pessoa, mas tenho quase a certeza de que também havia um videoclube Charlot na sua cidade. E que, independentemente de que idade tivesse então, não passou incólume pelos “Salteadores da Arca Perdida”, que era daquelas raras coisas para “todas as idades”. Estreou a 12 de junho de 1981 e, desde então, o cinema nunca mais foi o mesmo – nem as fedoras, aquele chapéu de feltro com que já todos tentámos dormitar, levemente colocado sobre os olhos, nunca com um décimo da pinta.

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Steven Spielberg queria fazer um filme à James Bond e George Lucas disse que tinha uma ideia melhor. Ambos queriam reviver os anos de ouro dos serials e da pulp e acabaram a fazer ligeiramente melhor do que isso: a criar um dos maiores heróis da história do cinema (alguns discutirão que é mesmo o maior). Lucas estava no topo do mundo depois de “American Graffiti” e do sucesso galáctico de “Guerra das Estrelas”, Spielberg numa encruzilhada: os êxitos fabulosos de “Tubarão” e “Encontros Imediatos de Terceiro Grau” ainda tinham feito os estúdios fechar os olhos às derrapagens no tempo e no orçamento, mas o fracasso de “1941” empurrara para a ponta da prancha o mais dourado dos meninos-galinhas de ouro da nova Hollywood.

On the Set of "Raiders of the Lost Ark"

Ford e Steven Spielberg no set de "Os Salteadores da Arca Perdida"

Corbis via Getty Images

Deu no que deu: Spielberg tinha 20 milhões de dólares e 87 dias para fazer Indiana Jones – nem mais um dia nem um cêntimo. Lucas produziu, deu-lhe a equipa técnica de “Guerra das Estrelas”, filmou até algumas sequências adicionais. 12 dias antes do prazo e dentro do orçamento, estava terminada a rodagem de um dos filmes mais rentáveis de todos os tempos. E Spielberg nunca mais falhou um prazo.

O discreto charme da arqueologia

Deve haver números disto: as hordas de miúdos de todo o mundo que não terão ido para Arqueologia por causa do Professor Jones. O boost que não terá havido durante décadas nas matrículas. Que sonharam com perseguições a cavalo, sidecar e avião, investigações à Arca da Aliança e ao Santo Graal, uma vida louca, entre as pirâmides do Egipto e o Museu Britânico, e acabaram a polir cacos de vasos e a encaixotá-los porque o Metro precisa de passar.

Eu sonhei com o assunto – que miúdo dos anos 80 não sonhou? E, do quintal de casa a qualquer mata de piquenique, não houve tarde numa certa época que não passasse por esgravatar a terra em busca de indícios da presença de civilizações antigas – e não acabasse ao terceiro achamento de uma tampa de Fanta. Indiana Jones era outro tipo de herói. O herói sem super-poderes nem tecnologia, armas incríveis ou super-carros. Tinha um chicote, sentido de humor e livros. Sim, graças a Indiana, Spielberg e Lucas, um académico passou a poder salvar o mundo. Um geek da História tornou-se cool. Perdão, graças a Harrison Ford (sim, que isto esteve para ser com o Tom Selleck).

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O descanso de Indy, em pleno set de "Os Salteadores da Arca Perdida"

Corbis via Getty Images

Revolucionário? Nem um pouco, mas nunca foi essa a intenção. É ver “As Minas de Salomão”. Ou o Harry Steele de Charlon Heston n’ “O Segredo dos Incas”, em 1954, o detetive Adrien Dufourquet de Jean-Paul Belmondo n’ “O Homem do Rio”, dez anos depois, ou até, ainda na década de 40, uma das preferidas de Spielberg em matéria de cinema, o Humphrey Bogart d’ “O Tesouro de Sierra Madre”, do ilustre senhor Huston. Indiana Jones era uma soma disto tudo, mas a mistura tinha produzido alguns efeitos secundários notáveis: uma brilhante mescla de idealismo e ironia; o prazer do entretenimento puro, mas, debaixo dele, temas eternos e universais. Indiana Jones era/é superficial e culto. Uma leitura da Bíblia, enquanto descemos a montanha-russa.

A arte do escapismo

Indiana Jones é, na verdade, a epítome de um género muito particular: “o filme de aventuras”, a mistura entre o cinema como primeiro o conhecemos – arte plástica, escrita com a luz e a câmara, a grande tela onde contemplamos, abismados, o rosto das estrelas – e algo que veio um pouco depois: o jogo de computador, a realidade virtual, a colocação do espectador já não como mera testemunha passiva da ação, mas agente, protagonista, pessoa a quem queremos arrancar sustos, gargalhadas, voltas no estômago. Não é bem para ser visto; é para ser vivido, conduzido, galopado. Não por acaso foi pioneiro na transposição para os parques de diversões temáticas e os videojogos. E se é uma delícia olhar, hoje, para a força do poder de sugestão: aqueles quadrados desarticulados movendo-se no Attari, afinal, tanto podiam ser Indiana Jones como um batráquio coxo, um filhote do Alien, um beduíno mal decalcado dos Kalkitos, um erro de programação. Mas a caixa dizia Indiana Jones, nós víamos Indiana Jones.

Foi um tempo especial. Naqueles anos, Spielberg e alguns bons sucedâneos garantiam-nos o impossível em cada filme. Durante uma sessão na sala de cinema ou dentro da despretensiosa caixa do VHS que trazíamos, por 24 horas, dos Charlots deste mundo, tínhamos a legítima expectativa de encontrar sempre uma imagem nunca vista, um mundo nunca pisado, uma criatura saída dum eterno rio das histórias que não sabíamos bem onde nascia. Vieram os “E.T.s” e os “Caça-Fantasmas”, o fecho da trilogia “Star Wars” (a única que interessa) e os volumes dois e três de Indiana Jones.

“O Templo Perdido”, que, curiosamente, era uma prequela e nem reparámos, levava a saga para terrenos mais gore, com corações arrancados do peito a sangue frio e miolos de macaco para sobremesa. “A Grande Cruzada” trazia-nos de volta para solo bíblico e na luta contra os nazis, Sean Connery e River Phoenix, com informações preciosas sobre o passado de Indy, o Graal, a aterradora imagem da vida abandonando o vilão, e um herói assumidamente crente, cristão e – pensem lá no desfecho do filme – imortal. Em 1989, quando terminaram esses loucos anos de clubes de vídeo, Perestroika e chumaços nos ombros, terminava também a segunda década de ouro do cinema de aventuras, construída pelas únicas três trilogias do género que interessam: “Guerra das Estrelas”, “Regresso ao Futuro” e, justamente, “Indiana Jones” – e parasitada, em volta, por um sem-número de imitações e sucedâneos baratos. Até hoje.

Indiana Jones

Com Sean Connery em "A Última Cruzada", em 1989

Getty Images

A registar, há ainda uma série de televisão no início dos anos 90: “Indiana Jones: As Crónicas da Juventude”, com Sean Patrick Flanery a dar corpo ao jovem Indy (mais Corey Carrier à versão criança e George Hall ao Indy idoso (sim, porque o herói agora quarentão já foi velhote – não perguntem – e até perdeu uma vista). Acabou cancelada após duas temporadas e 28 episódios, por ser muito cara e pouco rentável, mas era assunto bem mais digno do que o infeliz achaque tardio de “O Reino da Caveira de Cristal”.

Que desfecho tiveram as personagens? Spielberg seguiu o seu caminho como nome maior do cinema dito “de massas”. Lucas vendeu tudo à Disney e confirmou que podia não ser o melhor dos realizadores da geração dos movie brats, mas era certamente o mais rico. Harrison Ford ascendeu ao estatuto intocável de ser, não o herói preferido de uma geração, mas os três preferidos: Indiana Jones, Han Solo e Rick Deckard. Quanto a Indy… “it belongs in a museum”. O lugar dele é num museu. Porque uns o acharão uma antiguidade; e outros o sabem obra de arte.

A tan taran tããã dos 40

Esteve para começar há dois anos, mas surgiram uns atrasos e, depois, O Atraso (ver: pandemia). E assim, por coincidência, começaram esta semana, no Reino Unido, em dias de aniversário, as filmagens do quinto “Indiana Jones”. Por ora, não tem título nem storyline conhecidos. Sabe-se que tem Mads Mikkelsen, Phoebe Waller-Bridge e Harrison Ford, naquela que é anunciada como a sua última encarnação do papel (mas já se sabe o que valem em Hollywood estes anúncios). Sabe-se também que Spielberg estará muito presente, mas apenas enquanto produtor, já que passou a cadeira da realização a James Mangold.

Não é, propriamente, a passagem de testemunho mais evidente. Mangold não é nem um peso-pesado, nem uma jovem promessa. É um cinquentão crescido que anda nisto há muito ano com resultados desiguais, tão capaz de um “Copland” ou de um “Logan” como de um “Knight and Day” (aquele filme em que a Cameron Diaz e o Tom Cruise iam para os “Açores” beber água de coco entre árvores dele e palmeiras). Mas John Williams também continua a bordo, e mesmo que não continuasse, é claro que a Disney pagou os direitos do “tan taran tããã / tan taran…” e que bastará isso para nos devolver aos anos 80, ao clube de vídeo Charlot ou à Fanfarra Operária (substituir pelo seu cinema de infância) e, nisto, garantir, desde logo, uma enorme margem de sonho e tolerância.

Filming at Bamburgh castle

Uma foto da rodagem da quinta aventura, no castelo Bamburgh em Northumberland, no passado dia 10 de junho

PA Images via Getty Images

De qualquer modo, diríamos que os erros de meia-idade que Indy tinha para cometer já os cometeu naquela crise precoce, quando misturou a sua própria lenda com um mau telefilme de “Ficheiros Secretos” e uma péssima tentativa de passar por jovem, injectando na testa Shia LaBeouf, esse ex-proto-pseudo-sucessor de Ford.

Veremos no verão de 2022, altura para que está apontada a estreia do novo tomo.

Nessa altura, terei já 41. Indy também (na verdade, entre nós, o mais velho sou eu, por uns meses – nunca tinha reparado). Mas continuaremos em busca de tesouros. Céticos e idealistas, como a vida quer.

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