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Partilha o dia de aniversário com o pai, com quem não mantém qualquer relação. Nos anos 90 era não era raro encontrá-lo à luta com o irmão, Kimbal, no chão da empresa que os dois criaram. Nos negócios, para levar uma ideia avante pode chegar ao ponto de propor, literalmente, um braço-de-ferro. Por outro lado, no campo amoroso, é um “tonto” com tendência para se apaixonar por mulheres “tóxicas”. Acredita que “as férias matam” e nos locais de trabalho por si geridos não há horários ou lugar para dúvidas.
A vida de Elon Musk, relatada em 681 páginas escritas por Walter Isaacson, autor da biografia de Steve Jobs, chegou às livrarias esta terça-feira, dia 12 de setembro. O Observador leu os mais de 90 capítulos da biografia, a segunda feita a título oficial, e conta-lhe os principais factos que descobriu sobre o homem mais rico do mundo – que nem sequer gosta de ser chamado multimilionário.
Pré-publicação. Do bullying na escola à compra do Twitter, a vida de Elon Musk em livro
A relação conturbada com a família
Os pais, Maye e Errol, pensaram em chamar-lhe Nice, em homenagem à cidade francesa onde foi concebido durante a lua de mel, mas optaram por Elon, o segundo nome do seu avô materno. Elon Reeve Musk nasceu a 28 de junho de 1971 em Pretória, na África do Sul. A infância, que não foi fácil, ficou marcada pelo bullying sofrido na escola e pela relação conturbada com o pai.
Quando tinha oito anos os pais divorciaram-se e aos dez decidiu ir viver com o pai, algo de que se arrepende. “O meu pai estava sozinho, muito sozinho e achei que devia fazer-lhe companhia. Ele usou artimanhas psicológicas comigo”. Os anos em casa do pai acabaram por ser “muito maus”, com Elon a admitir que “não sabia até que ponto ele era horrível”.
[Já saiu o último episódio da série em podcast “Um Espião no Kremlin”, a história escondida de como Putin montou uma teia de poder e guerra que pode escutar aqui. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui, o quarto episódio aqui e o quinto aqui ]
Com a chegada à idade adulta, e já longe da África do Sul, a relação complicada com o pai manteve-se. Os dois partilham o dia de aniversário, por isso, em 2016, ano em que um fez 45 anos e o outro 70, tentaram reconciliar-se. Elon e o irmão, Kimbal, chegaram a visitar o país onde nasceram e viram o pai pela primeira vez em 14 anos. Porém, as tentativas para reparar a relação com o progenitor terminaram assim que os irmãos descobriram que tinha engravidado Jana, mulher que criou como enteada e que à época tinha 30 anos.
Hoje, nem Elon nem Kimbal falam com o pai. Desde sempre que os irmãos mantiveram uma relação de proximidade, que os levou a fundar uma empresa nos anos 90: a Zip2, que vendia software aos jornais para que pudessem criar diretórios de cidades. No trabalho, discutiam e acabavam, várias vezes, em confronto físico no chão do escritório. “Amo, amo, amo profundamente o meu irmão, mas era difícil trabalhar com ele”, admite Kimbal. Certa vez, durante um dos vários desentendimentos que tiveram, Kimbal mordeu a mão do irmão e arrancou-lhe um pedaço de carne. Elon teve de ir às urgências para ser suturado e levar a vacina do tétano. “Enquanto crescíamos, na África do Sul, era normal andarmos à pancada. Fazia parte da cultura”, relembra, em declarações a Walter Isaacson.
Anos mais tarde, em 2018, quando Elon passava por um dos maiores períodos de “caos” da sua vida , Kimbal interrompeu a lua de mel para estar junto do irmão e passou a trabalhar quase a tempo inteiro na Tesla. Isso fez com que o seu negócio de restauração começasse a enfrentar dificuldades financeiras. Kimbal pediu dinheiro emprestado a Elon, que inicialmente concordou, mas mudou de ideias depois de falar com o seu gestor de finanças. “Tive que lutar fisicamente com ele para que investisse cinco milhões [de dólares]”, conta Kimbal, que afirma que depois desse confronto ficou “demasiado furioso” e deixou de falar com o irmão. Estiveram zangados durante seis semanas, antes de Kimbal, que tinha saudades de Elon, tomar a iniciativa de fazer as pazes.
O “tonto do amor”
Elon Musk tem uma tendência para se apaixonar por “pessoas que são muito nocivas para ele”. As palavras são de Kimbal, que descreve as mulheres que atraem o irmão como “lindas”, mas com um “lado muito negro”. O próprio irmão, diz, “sabe que são tóxicas”. O empresário, dono da Tesla e da SpaceX, diz que tem relações que, por vezes, não são saudáveis porque é “um tonto nas questões do amor”. “Sou tonto muitas vezes, mas em particular nas questões do amor.”
A primeira mulher com quem Musk casou não era adorada pela família do empresário. Kimbal, por exemplo, não gostava dela e tentou convencer o irmão a não seguir com o casamento, mas não teve sucesso. Foi com Justine que Musk teve os seus primeiros seis (de onze) filhos. Nevada (que morreu com dez semanas de síndrome da morte súbita do lactente), os gémeos Griffin e Xavier e os trigémeos Kai, Saxon e Damian. Na relação existiam “momentos de contentamento total, absoluto”. Contudo, abundavam as discussões com insultos como “se fosses minha empregada despedia-te”. “Ele é teimoso e poderoso como um urso. Pode ser brincalhão e divertido e estar na palhaçada, mas não deixamos de lidar com um urso”, nota Justine. Para ela, a “vontade férrea e a distância emocional que o tornam difícil como marido” podem “ser as razões para o seu sucesso na gestão empresarial”.
Pouco após o fim do primeiro casamento, Musk começou a namorar com a atriz britânica Talulah Riley. Ficaram noivos duas semanas depois de se conhecerem, mas só se casaram dois anos mais tarde, em 2010. A atriz sabia que o casamento não seria fácil e foi avisada: “Estar comigo pode ser complicado. Vai ser um caminho difícil”, disse-lhe Elon. Talulah recorda-o como uma pessoa que “pode ser muito fria, mas [que] sente as coisas de um modo muito puro, com uma profundidade que a maior parte das pessoas não percebe”. Ao contrário de Justine, conseguiu conquistar a sogra, Maye, que tinha pena da forma como o filho a tratava. “Ela convidava-me para jantar e Elon não aparecia porque ficava a trabalhar até mais tarde. Talulah amava-o muito mas, compreensivamente, cansou-se de ser tratada daquela maneira”, lembra a mãe. Ao casamento de 2010 seguiu-se um divórcio em 2012. Mas voltariam a trocar alianças no ano seguinte. O segundo, e último, divórcio do casal acontece em 2016.
Elon Musk reconhece que “a quantidade de tempo” que dedicava ao trabalho “era tão extrema que tornava difícil manter qualquer relação”. “A SpaceX e a Tesla eram difíceis a nível individual. Gerir as duas ao mesmo tempo era quase impossível. Assim, era trabalho constante”, afirma. Foi, em grande parte, o excesso de trabalho que levou ao término dos dois casamentos que teve com a atriz britânica.
Se não tinha simpatizado com Justine, Kimbal gostou ainda menos da mulher com quem o irmão começou a sair em abril de 2017. A atriz Amber Heard, ex-mulher de Johnny Depp, é descrita como “muito tóxica”, “um pesadelo”, “o Joker em Batman” e alguém cujo “único objetivo ou propósito era o caos” e que “prospera ao desestabilizar tudo”. A relação de Musk e Heard ficou marcada por noites inteiras de discussões, com o multimilionário a descrevê-la como “brutal”. Numa viagem ao Rio de Janeiro, por exemplo, os dois desentenderam-se e a atriz trancou-se no quarto a gritar e a dizer que tinha medo de ser atacada e que o namorado lhe tinha tirado o passaporte. “Ela é uma atriz realmente boa, por isso diz coisas e as pessoas ficam: ‘Uau, talvez esteja a dizer a verdade’, mas não está. O modo como cria a sua própria realidade faz-me lembrar o meu pai”, afirma Kimbal, que se encontrava no Brasil aquando da discussão.
Em 2018, o dono da Tesla começou uma relação com a artista canadiana Grimes, que é descrita como uma “errante tecelã de sons”, que surge na vida de Musk após o fim da relação com Amber Heard. A cantora e produtora tem uma “curiosidade intelectual aventureira” e interessa-se por muitas das ideias que fascinam Musk, como o basilisco de Roko, uma teoria que propõe que a IA pode ficar fora de controlo e torturar qualquer humano que não a ajude a conquistar o poder. A relação começou com uma troca de mensagens no Twitter, quando Musk percebeu que um videoclipe de Grimes tinha uma referência ao basilisco de Roko.
O que começou como uma relação amorosa, marcada pelo drama e atenção mediática, passou a companheirismo e coparentalidade – têm três filhos em comum, X, Y e Techno Mechanics, ou Tau, na forma mais curta. Musk é viciado em drama e Grimes é descrita como um “íman para drama”. “Ele sente-se atraído pelo caos maléfico”, reconhece Grimes sobre a relação agitada com Musk. Ao longo do livro, a canadiana está presente em vários dos momentos relevantes dos últimos cinco anos da vida de Musk. Ao fim desse tempo, diz que já aprendeu a viver com as várias personalidades do sul-africano e que nem todas são boas. “O modo do demónio provoca muito caos”, conta Grimes, “mas também faz as coisas acontecerem”.
No livro, também é referida uma “namorada ocasional” de Musk, a atriz australiana, Natasha Basset. Foi com ela que esteve em Lanai, no Havai, na ilha privada do fundador da Oracle, Larry Ellison, numas mini-férias em abril de 2022, onde esteve com os pensamentos ocupados pela decisão de avançar para o Twitter.
O círculo de confiança de Musk
Descrito como alguém que não gosta de partilhar o poder, Musk abre, no entanto, exceções. Gwynne Shotwell é a mais evidente. Foi a sétima funcionária da SpaceX, empresa onde chegou em 2002 e da qual viria a tornar-se mais tarde presidente e chief operating officer. O marido tem síndrome de Asperger, perturbação do espectro do autismo de que o sul-africano também sofre. Por isso, consegue mais facilmente compreender determinadas atitudes do patrão. “As pessoas como Elon que têm síndrome de Asperger não percebem as pistas sociais e não pensam de modo natural no impacto que as suas palavras têm nas outras pessoas”, afirma. Por isso, garante que “Elon não é cretino”, embora diga “muitas coisas muito cretinas”.
Ao longo do livro, são também frequentes as declarações de Shivon Zilis, a principal responsável da Neuralink. Faz parte do círculo de confiança do empresário e não só: com ela, Musk teve gémeos através de fertilização in vitro. Zilis não esconde a admiração por Musk e resume que ter filhos com o homem que é, na verdade, seu patrão, foi uma questão prática. Musk diz com frequência que “as pessoas inteligentes devem ter filhos”. Zilis ouviu o comentário durante anos e aceitou a sugestão de que Musk fosse doador de esperma. Acreditava que o empresário teria apenas um papel de padrinho na vida dos gémeos, mas Musk decidiu estar bastante presente na vida das crianças.
“As férias matam”
Elon já estava casado com Justine há cerca de oito meses quando foram de lua de mel. Estávamos em setembro de 2000. Aproveitando a sua ausência, Max Levchin — um dos fundadores da empresa Confinity que disponibilizava o serviço de pagamentos diretos PayPal (que se fundiu com a empresa X.com de Musk) — começou a orquestrar um plano para destitui-lo do cargo de diretor-geral da PayPal. Ao pressentir que algo se passava, Musk acabou a lua de mel mais cedo para tentar evitar o golpe que descreveu como “hediondo”. Não conseguiu. Acabou por ser destituído e disse que ia “tirar uma licença sabática durante três ou quatro meses”.
Foi após deixar o cargo de diretor-geral que tirou a primeira e única semana inteira de férias que teve na vida. Na companhia da mulher e do irmão viajou para o Rio de Janeiro e para a África do Sul. Em janeiro de 2001, já de regresso a casa, em Palo Alto, na Califórnia, começou a sentir-se mal. Tinha tonturas, zumbidos nos ouvidos e arrepios frequentes. Foi diagnosticado pelos médicos com malária falciparum e esteve 10 dias nos cuidados intensivos. Só recuperou totalmente ao fim de cinco meses. É esta experiência que o leva a dizer que “as férias matam”. “E, também, a África do Sul. Aquele sítio ainda está a tentar destruir-me”.
Sobre a saída da PayPal, admite que no início ficou “muito zangado” e que lhe passaram “pensamentos homicidas” pela cabeça. “No entanto, acabei por perceber que foi bom terem-se virado contra mim. Se isso não tivesse acontecido, ainda estaria a trabalhar como um escravo da PayPal”, reconhece. Para logo a seguir atirar, com uma gargalhada: “É claro que, se tivesse ficado, a PayPal seria uma empresa de muitos triliões de dólares”.
O estilo de decisão “teimoso, imprudente” e as longas horas de trabalho
Após sair da PayPal, Musk decidiu que queria lançar uma empresa de foguetões. Após duas rondas de negociações falhadas na Rússia — onde sempre que tentava negociar, o preço pedido aumentava — chegou à conclusão de que teria de construir o seu próprio foguetão, juntamente com a sua equipa. Os amigos obrigaram-no a ver um vídeo de foguetões a explodir, mas isso não o demoveu.
Na biografia, Musk é descrito como alguém que gosta do risco. A sua determinação aumenta em proporção com os riscos. “O resultado mais provável é perder todo o meu dinheiro. Mas qual é a alternativa? Não haver qualquer avanço na exploração espacial? Temos de tentar, caso contrário ficaremos presos na Terra para sempre”. Foi assim que decidiu avançar com a criação da SpaceX, empresa para a qual contratou, em primeiro lugar, o engenheiro Tom Mueller. O testemunho de Mueller é um dos que demonstra que Elon gosta de colocar prazos limitados (e por vezes irrealistas) aos trabalhadores. Ainda assim, aprendeu a “nunca lhe dizer que não”. “O melhor é dizer que vamos tentar e mais tarde, se não for possível, explicar-lhe porquê”. “Desenvolvemos os foguetões mais baratos e fabulosos da história e sentíamo-nos muito bem com isso, embora o pai [Musk] nem sempre estivesse satisfeito connosco” porque a “maioria” dos prazos não eram cumpridos.
Seja na SpaceX, na Tesla ou mais recentemente no Twitter, Musk deixa sempre transparecer um estilo de decisão muito particular, descrito pelo autor da biografia como “arrojado, teimoso, imprudente, visionário e orientado pelos primeiros princípios da física, mas por vezes surpreendentemente flexível”. Espera dos seus funcionários o mesmo nível de foco que tem, mesmo que isso implique não dormir ou até passar a viver na linha de montagem, como já fez na Tesla, ou nos escritórios do Twitter. Como fã de História, diz que os soldados se comportavam sempre com maior tenacidade quando Napoleão estava ao lado deles no campo de batalha. Também não é o patrão mais empático do mundo: não há horários e é frequente ficar irritado por ver locais de trabalho vazios.
“Não queria deixar o dinheiro no banco.” A decisão de comprar o Twitter
A compra do Twitter é um dos pontos centrais da parte final da biografia de Musk e também um negócio que abalou as relações a nível familiar, particularmente com os filhos mais velhos. A saga da rede social tem direito a vários capítulos, mas é o reconhecimento de que até Musk acha que o negócio é uma fonte de agitação que surpreende.
Musk admite que o “modo de guerra” faz parte das suas “formatações padrão”. Por exemplo, quando em 2021 se tornou no homem mais rico do mundo, admitiu que não estava feliz. Tinha dinheiro no bolso, a SpaceX estava a progredir e a Tesla estava fora de perigo.
“Eu não queria deixar o dinheiro no banco, por isso perguntei-me qual o produto de que gostava e foi uma decisão simples. Gostava do Twitter”, contou a Walter Isaacson. Elon Musk sempre foi um ávido utilizador da rede, e faz dezenas de publicações por dia, mesmo que lhe possam trazer dores de cabeça. “É um bom lugar para cavarmos a nossa sepultura. Assim que nos metemos nele, não paramos de nos enterrar”, terá dito num jantar de família, quando se falou sobre a rede social. O avanço para a oferta foi, ao bom estilo de Elon Musk, feito por impulso, após uma noite passada em claro a jogar “Elden Ring”.
Em conversa com o amigo Navaid Farooq, ainda antes de o negócio estar concluído, admitiu que achava que a reestruturação do Twitter demoraria “pelo menos cinco anos”. “Teria de me livrar de uma grande parte dos funcionários. Eles não trabalham muito e nem sequer aparecem.”
Nos avanços e recuos do negócio, que só ficou concluído no final de outubro, queixou-se de várias coisas: de que estava a pagar demasiado pela empresa, de que havia demasiados trabalhadores para o tipo de negócio e de que tinha acesso a pouca informação. A primeira visita ao quartel-general do Twitter enquanto dono da empresa é caracterizada no livro como “uma cena de abertura agoirenta”. O choque de culturas – as t-shirts com a inscrição “stay woke”, as casas de banho com sinalização de diversidade de géneros, a oferta de refeições ou os cinco tipos de águas diferentes, num escritório praticamente vazio devido ao teletrabalho – era um presságio de tempos atribulados.
A fúria por ser chamado multimilionário
O dono da SpaceX não gosta de ser chamado de multimilionário, apesar de ocupar um dos lugares cimeiros da lista dos mais ricos do mundo. No outono de 2021, quando passou a ocupar o primeiro lugar, não estava feliz. “Quando deixamos de estar em modo de sobreviver ou morrer, não é fácil ter motivação todos os dias”, contou numa mensagem de texto enviada ao biógrafo.
A aversão à ideia de ser multimilionário tem subjacente uma questão sentimental: Jenna, a filha transgénero, decidiu afastar-se do pai. Critica em praça pública os comportamentos de Musk e os comentários que tece à comunidade LGBTQIA+ e ao “vírus da cultura woke”, como diz o sul-africano. Terá sido em jeito de resposta à filha, que é anticapitalista, que decidiu vender as casas de milhões de dólares que tinha. A residência principal de Musk é uma casa modesta, de dois quartos, arrendada à SpaceX e próxima do espaço de construção dos foguetões da SpaceX, no Texas.
A rivalidade pouco escondida com Jeff Bezos
Musk tem rivalidades com vários nomes fortes do mundo da tecnologia. Uma das mais conhecidas é com Jeff Bezos, o fundador da Amazon e da empresa de exploração espacial Blue Origin. Musk descreve Bezos como “um diletante cuja falta de foco na engenharia” era um dos motivos para a Blue Origin ter feito menos progressos que a SpaceX. O empresário também não esconde o “desdém pelo seu luxuoso estilo de vida”.
Já Musk é tido pelo seu biógrafo como alguém “amaldiçoado” por uma mentalidade de conspiração que o fazia acreditar que a maioria das notícias negativas a seu respeito se devia a planos secretos ou a interesses corruptos dos proprietários das organizações noticiosas. Os caminhos iam dar novamente a Jeff Bezos, que em setembro de 2013 comprou o jornal Washington Post. Em 2021, Musk recusou-se a responder a perguntas de um jornalista, respondendo apenas ao email com um “dê cumprimentos meus ao seu marionetista.”
Mas, em alguns momentos, a relação também pode ser cordial, como aconteceu quando Bezos deu os parabéns a Musk pelo sucesso na missão tripulada da SpaceX, a Inspiration 4. “Mais um passo para um futuro onde o espaço está acessível a todos nós”, escreveu o fundador da Amazon. A resposta de Musk foi curta: “Obrigado.”
Congratulations to @ElonMusk and the @SpaceX team on their successful Inspiration4 launch last night. Another step towards a future where space is accessible to all of us.
— Jeff Bezos (@JeffBezos) September 16, 2021
Musk critica a “hipocrisia” de Bill Gates
Walter Isaacson relata no livro um encontro entre Musk e Bill Gates, o fundador da Microsoft. É assumido que Musk é fã do sistema operativo Windows e da estratégia nem sempre fácil que Gates aplicou na Microsoft.
Além de já terem ambos ocupado o estatuto de pessoa mais rica do mundo, Musk e Gates têm características semelhantes: Isaacson enumera as “mentes analíticas” de ambos, a “capacidade de concentração absoluta e uma segurança intelectual que raia a arrogância”. Mas há uma diferença: Gates tem assistentes pessoais, enquanto Musk demitiu a secretária para “ter controlo total do seu tempo”.
Embora haja alguma admiração, também há choques entre os dois, nomeadamente em temas como as baterias ou a importância de ir a Marte. Gates tentou convencer Musk a tornar-se um filantropo e, numa visita a uma das fábricas da Tesla, foi confrontado com uma questão incómoda.
Gates teve uma posição curta no capital da Tesla, uma prática usada por alguns investidores, em que se tenta ganhar dinheiro com a desvalorização das ações. Gates acreditava que as ações da Tesla iam perder valor, devido aos desafios da mobilidade elétrica. O tiro saiu-lhe pela culatra e, na altura do encontro, o patrão da Microsoft já tinha perdido 1,5 mil milhões de dólares.
Musk descobriu, ficou furioso e confrontou Gates, conta o livro. Mesmo com as desculpas do fundador da Microsoft, o incómodo nunca desapareceu. Para Musk, é “pura hipocrisia” que alguém que fala tanto sobre alterações climáticas apostasse na queda de uma empresa ligada à sustentabilidade.
Apesar do conflito, Gates reconhece mérito e até defende Musk. “Podem pensar o que quiserem do comportamento de Elon, mas não há ninguém no nosso tempo que tenha feito mais para ultrapassar os limites da ciência e da inovação do que ele”, terá dito numa festa.
O papel da Starlink na guerra da Ucrânia
Ainda antes de o livro ser publicado, o Financial Times avançou um ponto polémico: a biografia de Elon Musk incluía mensagens trocadas entre o patrão da SpaceX e Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia e responsável pela pasta do digital. A Starlink, que permite ter serviços de conectividade, tem tido um papel relevante na estratégia da Ucrânia – uma “boa ação” que custa milhões de dólares à SpaceX, a empresa a que pertence o serviço.
É citada uma mensagem de Fedorov para Musk. “Fomos nós que construímos os drones submarinos, podem destruir qualquer cruzador ou submarino. Não partilhei esta informação com ninguém. Só quero que o senhor – a pessoa que está a mudar o mundo através da tecnologia – o saiba”, é possível ler.
A mensagem terá feito soar alarmes na cabeça de Musk, por natureza um homem ansioso e preocupado com conflitos militares de larga escala. Aos olhos do sul-africano, Kiev estaria a “ir demasiado longe e a provocar uma derrota estratégica”. Decidiu não só discutir o tema com oficiais militares norte-americanos, como o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jack Sullivan, ou o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Mark Milley, como também com o embaixador russo.
Fica claro que Elon Musk pensa que o papel dos serviços da empresa na Ucrânia já saiu de rota. “Não era suposto a Starlink estar envolvida em guerras. O objetivo [do serviço] é que as pessoas possam ver Netflix e descontrair e estar online para estudar e para fazer coisas boas e pacíficas, não ataques com drones.”
Ao longo dos capítulos do livro dedicados ao nascimento da Starlink, Elon Musk é pragmático: o serviço nasceu apenas como uma forma de conseguir financiar a quantia astronómica que é necessária para alcançar o seu grande sonho: colonizar Marte. “As receitas da internet são cerca de um bilião de dólares por ano. Se conseguirmos fornecer internet a 3%, são 30 mil milhões de dólares, mais do que o orçamento da NASA”, disse Musk.
As peripécias em festas de aniversário e os braços-de-ferro
Apesar de nas redes sociais dar a entender que gosta de festas e de fazer longas viagens para ir a festivais de música, nas entrelinhas fica a ideia de que Musk não é o “party animal” que se imagina. No Halloween de 2022, esteve apenas dez minutos na festa da modelo Heidi Klum, onde foi vestido de defensor do diabo, com uma armadura vermelha. Noutras ocasiões, em festas familiares ou no lançamento de um disco de Kanye West, afastava-se para ter reuniões em videochamada das suas várias empresas. Ou, como é referido frequentemente ao longo do livro, afastava-se apenas para jogar no iPhone – é viciado num jogo de estratégia chamado Polytopia, que instou os amigos mais próximos a jogar. No jogo, há seis tribos e a ideia é que o vencedor consiga construir um império.
Curiosamente, a atriz Talulah Riley, com quem casou duas vezes, gostava de organizar festas temáticas. Em 2011, quando o marido fez 40 anos, alugou, juntamente com 30 amigos, carruagens no comboio Expresso do Oriente de Paris para Veneza. Dois anos depois, a festa teve lugar numa réplica de um castelo em Tarrytown, em Nova Iorque, e o tema era steampunk japonês. Uma demonstração de luta de sumo foi um dos pontos altos da festa, que deixou mazelas físicas em Musk. O multimilionário foi convidado a subir ao ringue pelo campeão da categoria de 170 quilos (que não é identificado). “Atirei-me com toda a força a ele para tentar um golpe de judo, porque pensei que estava a facilitar. Decidi ver se conseguia atirar aquele tipo ao chão e consegui, mas também dei cabo de um disco cervical”. Foi a partir daí que começou a ter crises de dores nas costas e no pescoço, que, em casos extremos, o levavam a deitar-se no chão com um saco de gelo na nuca durante reuniões da SpaceX e da Tesla. Foi também essa lesão que o levou a submeter-se a três cirurgias.
Se na vida pessoal as ‘peripécias’ relacionam-se principalmente com festas, no mundo do trabalho têm que ver com o seu modo de liderar e a forma como quer sempre levar as suas ideias avante. Mesmo que para isso tenha de ganhar um braço-de-ferro. Foi o próprio que sugeriu a Max Levchin que medissem forças para resolver um conflito: qual deveria ser o principal sistema operativo utilizado na PayPal? Musk queria Windows, Levchin optava por Unix. Maior do que o oponente, Musk venceu rapidamente a disputa e, de seguida, a sua equipa passou um ano a reescrever o código Unix que Levchin tinha escrito para a empresa.