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O psicadelismo aprendeu a dançar o samba e deu-nos Tagua Tagua

Tagua Tagua é nome rock'n'roll de Felipe Puperi, que revela “Tanto”, o novo álbum que sucede a “Inteiro Metade” (e que passou em 2021 por Portugal). Pretexto para uma conversa com o músico brasileiro.

Felipe Puperi sentia-se algo confuso, inebriado entre a euforia e a melancolia. Sentia-se até vivo demais, canta em “Tanto”, faixa que virou título de álbum e modo de abraçar a vida. Mas até chegar a este ponto, como nos conta em entrevista por Zoom, teve que passar pelo paradoxo de ser inteiro e, simultaneamente, metade, também título de álbum, desta feita do seu anterior.

As dicotomias são evidentes na obra deste filho do rock psicadélico de Rio Grande do Sul, que em adolescente ouvia bandas clássicas como os The Doors e Led Zeppelin, até se ter fascinado pelos Mutantes: “Foi aí que virei a chave para uma coisa mais brasileira, porque o rock dos Mutantes era psicadélico e frito e depois ainda se misturava com Caetano Veloso e Jorge Ben Jor. Eles souberam fazer isso bem”. Seguiu-se Tim Maia, “uma das minhas maiores inspirações”, que fez a ponte com a soul americana, com Marvin Gaye e Al Green a tornarem-se ídolos. “Ainda hoje adoro ouvi-los”.

As composições de Felipe, que encontrou o seu alter-ego musical durante uma viagem a São Vicente de Tagua Tagua, no Chile, em 2016, misturam todas estas influências. Os primeiros EPs Tombamento Inevitável (2017) e Pedaço Vivo (2018) apresentavam-no mais ligado ao indie rock, sonoridade aprimorada na canção “Peixe Voador” (2019), que com os temperos tropicalistas certos ganhou um lugar na banda sonora do jogo FIFA 2020 e nos parágrafos das principais publicações musicais americanas.

[ouça o álbum “Tanto” através do Spotify:]

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Depois veio Inteiro Metade (2020) e tudo se misturou ainda mais, gerando a tal confusão que falávamos no início. “Era um lugar de descoberta para mim, daquilo que eu queria fazer. Era uma experimentação total”. Só temos a agradecer que Felipe se tenha embrulhado nesse borogodó de soul, funk, psicadelismo e tropicalismo, embrulhando-nos a nós com ele.

“Tanto” é “sobre se apaixonar por se apaixonar”

Assim, foi com entusiasmo que vimos anunciada a chegada de Tanto, o novo álbum de Tagua Tagua que, prosseguindo neste campo das dicotomias, representa simultaneamente uma continuação e rutura com “Inteiro Metade”.

Continuação no sentido em que a soul, o funk e o modo lânguido de cantar que lhe conhecemos em 2021, estão presentes neste seu novo trabalho. Rutura pelo facto de Inteiro Metade, ao contrário do seu sucessor, ser um disco que alterna entre diferentes estados de espírito: “Estava numa fase em que tinha acabado um relacionamento longo e acho que isso acabou por pautar várias coisas no estilo do álbum. É eufórico, porque é sobre uma vida nova, mas também vai caindo em questões nostálgicas e na saudade, não só da pessoa, mas da vida que se foi e não é mais”.

“Tanto é sobre essa sensação de estar encantado, de imaginar encontros, de sentir borboletas no estômago. É sobre ir vivendo várias situações e se permitir a sentir as coisas. É sobre se apaixonar por se apaixonar”

“Tanto”, por seu lado, tem uma maior linearidade: “Por mais que as músicas mudem, uma pessoa escuta este álbum e percebe que tem o mesmo caminho”. De facto, nas primeiras audições demos por nós algo diluídos no éter: será que estamos na sensualíssima “Me Leva” ou já chegámos aos versos de “Colors” em que Felipe repete, com aquela paixão sofrida de Charles Bradley (na intenção, não no modo), “eu só quis que você voltasse”?

Tudo no disco contribui para este ambiente onírico, de imagens abstratas que se vão embrenhando umas nas outas – desde a voz distorcida às guitarras psicadélicas, passando por arranjos de cordas pontuais e refrões arrastados ao jeito dream pop – como se Tagua Tagua nos quisesse diluir o raciocínio e as emoções, colocando-nos num patamar puramente sensorial e de deslumbre. “Tanto é sobre essa sensação de estar encantado, de imaginar encontros, de sentir borboletas no estômago. É sobre ir vivendo várias situações e se permitir a sentir as coisas. É sobre se apaixonar por se apaixonar”.

Linear, mas não tanto

Ao aplanar as arestas de Inteiro Metade, Felipe acabou por aplanar também a sua veia tropicalista, aproximando-se do seu lado estético mais americanizado. “Se eu fosse parar para pensar estrategicamente, acho que isso se calhar não era uma coisa boa. É mais atrativo para o mercado internacional um artista que traz uma sonoridade que remete para a cultura local dele. Mas eu não pensei nisso e fui indo no meu feeling e nas coisas que estava a gostar de fazer”.

[“Pra Trás”:]

O feeling levou-o até à editora norte-americana Wonderwheel Recordings, responsável pela edição de Tanto nos Estados Unidos, Europa e Brasil. E sejamos francos: por muito que o álbum respire a sensualidade de um Marvin Gaye ou vá buscar as mandalas alucinogénias de uns Tame Impala, ele continua a ter o Brasil nos detalhes. “Para mim, é difícil americanizar a sonoridade, porque o português é diferente da língua inglesa. Em português parece que está tudo mais solto e sambado na música”.

Ou seja, as divisões rítmicas, o tempo fraco feito tempo forte e a métrica da língua vão inevitavelmente denunciar as origens de Tagua Tagua e posicioná-lo de uma forma descomprometida e solta no “jeito do Brasil fazer as coisas”. A cada nova audição de “Tanto”, vamo-nos enredando mais e mais nisso.

[“Colors”:]

De repente, a linearidade e a monotonia formal que daí possa advir já não é tão óbvia assim: há uma sincopada na guitarra em “Te Dizer” que nos dá uma quebrada no corpo, um cheirinho de disco a lembrar Lady Zu em “Brisa” ou as cordas de entrada de “Pra Trás” a trazer a aura “Racional” de Tim Maia para o universo de Tagua Tagua. Ouvindo o disco, uma e outra vez, as linhas de Tanto vão-se tornando menos esbatidas e de algo que parecia monocromático, azul de uma ponta à outra, conseguimos extrair breves, mas garridos raios de luz.

Um outsider da nova geração

As letras reforçam este estado etéreo e de redundância, como se estivéssemos sempre às voltas do mesmo episódio, da mesma paixão. Vou deslizando / até te encontrar / escorregando em todo o lugar / vou deslizando até te achar / pra te olhar até cansar, ouve-se em “Starbucks”, um bom resumo daquilo que Felipe vai cantando e contando ao longo do disco.

[“Tanto”:]

Mas nem tudo é sobre ele, garante, embora haja passagens claramente autobiográficas, como esta de “OODH”: Foi tão intenso tão real / perdi a sanidade / foi num instante quase lá / foi minha metade. “Há algumas coisas que são lembranças e experiências minhas, mas outras são imaginadas ou histórias de pessoas à minha volta”.

Em Tanto, o sentimento é mais importante do que o facto concreto. O que levita em torno da canção é mais forte do que a canção em si. Uma característica que encontra paralelo com forma de Felipe compor. “Eu vejo-me como um outsider, porque não me vejo a fazer exatamente o tipo de música que tem acontecido muito no Brasil ultimamente, que é uma coisa mais ligada à MPB e ao lado cancioneiro. Claro que as canções têm uma grande importância, porque se não tiver uma boa canção, fica difícil fazer uma grande música. Mas a produção é uma parte muito importante para o meu trabalho”.

Por muito que o álbum respire a sensualidade de um Marvin Gaye ou vá buscar as mandalas alucinogénias de uns Tame Impala, ele continua a ter o Brasil nos detalhes. “Para mim, é difícil americanizar a sonoridade, porque o português é diferente da língua inglesa. Em português parece que está tudo mais solto e sambado na música”.

Tão importante que é o próprio a assumir a produção no seu disco. É esta ferramenta que põe Tagua Tagua e quem o escuta a viajar. “Gosto de encontrar um lugar diferente para uma canção e perceber como é que ela pode ir para outro universo. Gosto que ela te transporte com tudo o que está a acontecer nela”.

No clima do minimalismo

Na viagem de Tanto, houve uma paragem na montanha, perto de Belo Horizonte, na qual Felipe se refugiou numa casa de madeira com outros dois músicos e um produtor amigo. As canções já estavam escritas, mas ele quis deixá-las em aberto para que coisas novas pudessem florescer.

Foi assim que surgiu a faixa “Tanto”, a única que Tagua Tagua não tinha levado consigo para a montanha. E daí, o nome do disco. “Quando eu vi que esta música era tanto, pensei, ‘este disco é tanto’. O tanto de sentir, o tanto de amor, o tanto que é descobrir as coisas, abrir-se para os sentimentos, o tanto que são os encontros, o tanto que é o vazio”.

Tal como canta em "Tanto", sem sair do lugar, Felipe encontrou um lugar. Aonde vai dar esse lugar, cremos que nem ele mesmo sabe, mas isso é o que o inquieta menos

E o tanto tempo que foi para o apresentar também. O disco que agora vê a luz do dia, conta-nos Felipe, já está pronto desde março do ano passado, altura em que o músico ainda andava em digressão com Inteiro Metade (culpa da pandemia que empurrou os concertos de 2020 para a frente). “Tive que esquecer um pouco este disco novo para conseguir estar no clima do disco que ainda estava acontecendo”.

Quem o viu na digressão de 2021 em Portugal e ouve agora o novo disco, percebe que os climas são bem diferentes. Para a digressão de Tanto, que andará nos próximos três meses pelo Brasil, Tagua Tagua só estará com mais três músicos em palco. “Vai ser mais minimalista do que os concertos de Inteiro Metade. Estou a gostar da onda de estarmos quatro músicos a tocar. Temos uma sinergia muito grande e eu acho bom ficarmos cada vez mais neste lugar, a partir do qual o show vai crescer quando estivermos muito alinhados.”

Tal como canta em “Tanto”, sem sair do lugar, Felipe encontrou um lugar. Aonde vai dar esse lugar, cremos que nem ele mesmo sabe, mas isso é o que o inquieta menos. Ele só quer seguir a intuição e essa diz-lhe, entre outras coisas, que Portugal é lugar obrigatório de paragem no verão. “A tour no Brasil acaba em julho e aí então espero que aconteça Portugal”. Tem mesmo que acontecer, reafirma, até porque na primeira passagem pelo país, em 2019, Felipe ficou quase um mês a viver em Lisboa. “Criei um vínculo muito grande com Portugal”. Desta vez ele só espera poder cantar para uma plateia sem máscaras. “Quero muito as pessoas em pé”.

 
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