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Paris, a cidade em busca de uma luz de oportunidade à sombra de várias crises: assim serão os Jogos de 2024

Há uma visão pré e pós abertura, há uma visão pré e pós Jogos. Ponto comum? A vontade de aproveitar este movimento olímpico como trampolim para recentrar Paris em termos sociais, económicos e globais.

Enviado especial do Observador em Paris, França

Em condições normais, não devia ter nada que enganar. Seja no metro, no comboio ou qualquer transporte que possa existir, se quero ir do ponto A para o ponto F sigo por B, C, D e E até chegar ao destino. Esta é uma regra, a regra. Por estes dias em Paris, tudo é exceção. É quase como se a Constituição do país ou os Estatutos de um clube fossem alterados de forma sistemática com uma cadência diária, sem aprovação do Parlamento ou de uma Assembleia Geral. Há estações fechadas, outras que de quando em vez têm as suas paragens, um sem número de condicionamentos que têm como principal motivo a cerimónia de abertura dos Jogos. Até nas ruas se sente isso, quase como se tivesse sido enviada uma mensagem para tudo e todos a dizer “Se não vai ao Sena esta noite, fique só em casa”. Estes deviam ser só Jogos mas há demasiado em jogo.

Colocando agora tudo em perspetiva, só mesmo os mais otimistas e ambiciosos poderiam responder “Sim” à pergunta “Manteria a cerimónia de abertura como ela foi inicialmente pensada?”. Um motivo simples: se o momento que inaugura de forma oficial os Jogos fosse no Stade de France, por exemplo, toda a operação iria estar concentrada aí. Menos preocupações, menos cortes, menos perturbações, outra forma de dispor todo o dispositivo policial até se o número de efetivos fosse igual. Mas não, Paris quis pensar em grande e não vai abdicar dessa ideia. Agora, para a semana e até ao fim das provas. Existe quase uma necessidade nacional de recentrar a capital francesa do mapa do mundo pelas melhores razões, com aquela cara cosmopolita que agora só existe à custa de maquilhagem de uma série de problemas que são transversais.

Tomemos como primeiro ponto de reflexão a parte política. Olhando para os resultados das últimas eleições, com vitória do RN de Marine Le Pen na primeira volta e triunfo da coligação de esquerda na segunda volta com o RN na terceira posição, não se pode dizer que seja propriamente um tema de grande conversa agora em Paris. Aliás, nem teria razões para isso. Sim, nas conversas que vamos tendo ou apanhando lamenta-se o atual estado congelado do país, quase como se os Jogos carregassem num botão capaz de parar o tempo, mas ninguém fala da queda do RN (apesar do crescimento face ao último sufrágio). Porquê? O RN nunca chegou a entrar propriamente em Paris, uma das poucas vilas do reino que passa ao lado do fenómeno. Esse resultado entronca em parte naquilo que se sente na antecâmara dos Jogos. Onde muitos temem crise, há quem olhe para este mês como uma oportunidade de concretizar o pensamento da líder Anne Hidalgo.

Paris será sempre uma cidade cosmopolita mas que perdeu o glamour que a distinguia das demais. Enfrente demasiados riscos e problemas. A seguranças, com ou sem Jogos, é um deles. Os casos de racismo. Um maior crescimento de bairros tendencialmente perigosos. Aquilo que se verá nos próximos dias será uma tentativa de puxar a Disney para o centro de Paris e pintar tudo de cor de rosa. Os Jogos irão definir o tipo de tinta para isso. Se tudo correr bem, existe uma oportunidade para voltar a dinamizar a economia, para recentrar os temas mais importantes, no limite para gerar uma nova era social capaz de superar problemas e voltar a um passado não muito distante de integração bem sucedida. Se correr mal, o cinzento corre o risco de se tornar uma cor mais escura. Sem perspetivas. Sem futuro. Refém da segurança sem um porto seguro à vista.

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Uma imagem que define aquilo que se sente no centro de Paris antes da cerimónia: ruas desertas como na pandemia, mais de 50.000 efetivos policiais de todas as forças (e vários de diferentes países)

Nathan Laine

Essa é uma questão percetível: não há preço para uma cerimónia sem incidentes de grande dimensão. Aliás, os efetivos policiais chegaram de vários países (no hotel onde nos encontramos está hospedada uma força especial de Alicante, por exemplo, daquele tipo de efetivos que na Aldeia Olímpica passavam por atletas sem qualquer problema) tendo como principal foco imediato a cerimónia de abertura. No entanto, tudo terá uma fatura no final e alguém terá de pagar. É uma operação gigante, com mais de 10.500 atletas de 200 países espalhados por dezenas de locais e eventos, mas é uma operação que quer fugir ao lado mau de Tóquio.

No Japão, nos Jogos mais atípicos de sempre sem público e em bolha, o custo final terá superado em 240% o inicial. Há estudos que mostram que, desde Roma-1960, a média de “deslize” é de 172%. Em Tóquio, todas essas margens foram superadas, mesmo tendo em conta que há impactos a breve e médio prazo naquilo que é a economia local das cidades. Paris quer ser diferente e talvez seja por isso que não se fala tanto de números nestes dias a não ser a nível de impacto económico, entre os sete e os 11 mil milhões de euros. Paris tem uma missão. “A” missão. Os Jogos também eles estão ameaçados perante indicadores como a queda de interesse entre as novas gerações em relação ao evento. Tal como aconteceu em 1924, na edição que serviu como um trampolim para a consolidação do movimento olímpico, a história está montada para ser rescrita.

“Serão os primeiros Jogos Olímpicos que refletem na plenitude aquela que é a visão da Agenda 2020 do Comité Olímpico Internacional [COI], com especial enfoque na premissa de que são os Jogos que se devem adaptar à cidade e não o contrário. Em consequência disso, estamos a maximizar o uso de infraestruturas existentes em Paris e nas outras cidades. Além disso, estes Jogos não só serão os mais sustentáveis até agora no plano ambiental mas também económico”, salientou Cristophe Dubi, diretor executivo dos Jogos, numa entrevista ao El País. Até em pequenos pormenores se nota isso. No primeiro dia em Paris, aquele que todos tiram para trabalhar a parte mais logística, em vez das habituais mochilas que há em todos os Jogos foi dada apenas uma garrafa de água com os símbolos de Paris-2024 para ser reutilizada e enchida nas centenas de pontos disponíveis. Há coisas antigas que ainda continuam, como aquelas 100 ou 200 folhas com as equipas nos jogos das modalidades coletivas que já ninguém liga, mas esse esforço é visível.

Muitos duvidam que esta possa ser realmente a primeira edição em que os Jogos se financiam a si mesmos. De acordo com números de 2022, 96% das receitas de Olímpicos e Paralímpicos vinham do setor privado entre COI, venda de bilhetes, concessão de licenças e apoios e de empresas que estão associadas ao evento (depois há 200 milhões na categoria “Outros” que parecem funcionar na base do “logo se vê”). Os 4% em falta, na teoria, seriam estatais mas apenas consignados aos Jogos Paralímpicos, com tudo aquilo que ficará a nível de infraestruturas. Tudo está montado para fazer do Orçamento de Paris um exemplo de luz mas também existem algumas sombras que só no final penderão ou não nos pratos da balança. Pelo menos a Aldeia Olímpica já é uma vitória: os 82 edifícios e 3.000 apartamentos entre demais infraestruturas de apoio em Saint Denis custaram 1,4 mil milhões mas ficarão como legado para famílias e estudantes. Foi uma “nova cidade” que nasceu na cidade e que só espera o melhor enquadramento dentro da cidade.

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Paris enfrenta um desafio muito maior do que a organização dos Jogos num ano que os responsáveis acreditam ser o primeiro em que a competição se financia a si própria

dpa/picture alliance via Getty I

Há uma outra parte nesse âmbito que serve de espelho ao que poderemos ver em Paris-2024 ao longo destas três semanas. Da Torre Eiffel a Versailles, dos Inválidos ao Grand Palais, vários recintos foram construídos numa base provisória de monta-desmonta com a particularidade de estarem colocados juntos a alguns dos principais ex libris da cidade, numa imagem que irá percorrer mundo pelas melhores razões. É a tal Disney montada no centro da cidade que maquilha problemas que motivaram muitas críticas, nomeadamente a forma como foi feita a “limpeza” de sem abrigo e das suas tendas por baixos das pontes ao longo da Sena. Em vez de procurar uma solução, varreu-se o problema para baixo do tapete. Mas atenção, ele continua lá. A caminho do nosso hotel em Gentilly, encontramos algumas dessas tendas. Percebe-se o problema. “A seguir a isto? Vamos voltar para lá, não queremos estar aqui”, contam. Essa é das linhas que falham no Orçamento.

Em termos de perceção, o apoio dos franceses à organização dos Jogos Olímpicos foi caindo nas derradeiras semanas, passando de quase 80% para apenas 60%. Grande preocupação? A segurança, claro está. 68% vai mostrando preocupação com o que possa acontecer nos transportes púbicos, 65% responde que teria medo se fosse ao evento, apenas 40% queria a cerimónia como ela está projetada no rio Sena, preferindo que a mesma tivesse um desenho mais curto a nível de pompa e circunstância ou que ficasse restrita a um estádio (que no fundo são os planos alternativos em caso de alerta máximo, que agora não existe). No entanto, todos esses números refletem também o cenário que se vê nas principais artérias da cidade, bloqueadas, cortadas e com um sem número de regras. Quem conseguiu, foi embora; quem não foi, chateia-se. Quem não?

Há uma frase da escritora italiana Andrea Marcolongo, uma das pessoas que vive nessas zonas condicionadas onde se vai comprar o pão e só se pode voltar a casa mostrando um QR Code específico para moradores, que resume tudo o que se passa. “Não quero parecer muito parisiense e queixar-me mas parece que a cidade se transformou num teatro para um grande espectáculo esquecendo-se de convidar os cidadãos. Sinto-me como se tivesse chegado uma produção da lua”, contou ao El País no início da semana. Por mais que todos os dias tenham saído notícias que davam conta de detenções por suspeitas de preparação de ataques, aquilo que todos querem é que a cerimónia de abertura passe. Os atletas, os responsáveis, os parisienses, os turistas. Para a história ficará um momento história melhor ou menos conseguido mas aqui já se olha é para o futuro. O futuro a partir deste sábado. O futuro até 11 de agosto. O futuro que começa no dia 12 de agosto.

O veredicto da Sports Illustrated, a realidade nacional e uma nota a ter em conta

Portugal chega a estes Jogos ciente de que Paris é o palco perfeito para fazer história. Pela proximidade que existe em termos geográficos, pela enorme comunidade nacional na cidade e no país, pelo momento que uns quantos atletas atravessam. Fazer história com a primeira medalha de ouro na Europa (é verdade, os cinco campeões olímpicos fizeram a festa em Los Angeles, Seul, Atlanta, Pequim e Tóquio), fazer história com pelo menos tantas medalhas como na última edição no Japão. Quer isso dizer que é tudo matemática? Para a Sports Illustrated, com ajuda da Inteligência Artificial, sim. Tão matemático que Portugal sairia de França com quatro medalhas entre o ouro de Fernando Pimenta na canoagem, as pratas de João Ribeiro/Messias Baptista na canoagem e de Iúri Leitão no ciclismo de pista e o bronze de Pedro Pablo Pichardo no atletismo. Opinião pessoal à luz de todos os factos? Podem ser mais, podem ser menos, serão sobretudo “diferentes”.

Missão de Portugal conta com 73 atletas em 15 modalidades e terá Fernando Pimenta e Ana Cabecinha como porta-estandartes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Um exemplo prático. Pedro Pablo Pichardo bateu o recorde nacional com o primeiro salto acima dos 18 metros por Portugal no Campeonato da Europa mas acabou por ficar com a prata perante o voo de Jordan Díaz, outro cubano naturalizado espanhol que está cada vez mais sedimentado como certeza. Além dele, há ainda mais oposição de cubanos e do sempre presente Hugues Fabrice Zango, do Burquina Faso. Há, em paralelo, um outro dado: as “picardias” entre todos. Isso vai servir como um estímulo extra para Pichardo, que redobra a aposta em tornar-se o primeiro bicampeão olímpico do país depois de dois anos a fio em que não teve oposição e outros mais condicionados por problemas com o clube e lesões. Com outra certeza: a par das finais dos 100 e 200 metros e dos 400 metros barreiras femininos, a decisão do triplo salto masculino será uma das mais aguardadas em Paris. E se “puxarem” uns pelos outros, pode dar recorde mundial.

Depois, a canoagem. Um pouco à semelhança do que aconteceu nas últimas edições, é ali que se concentram atenções nacionais não só em Fernando Pimenta, com o desafio de poder ser o primeiro campeão olímpico fora do atletismo e/ou o primeiro português a ganhar medalhas em três edições diferentes dos Jogos, mas também na dupla de K2 500 com João Ribeiro e Messias Baptista, que se sagraram campeões mundiais em Duisburgo no ano passado. Agora não correm por fora como acontecia, o que é “mau”, mas têm a vantagem de somarem mais um ano de trabalho para afinar uma química capaz de voltar o K2 nacional no pódio após a prata de Emanuel Silva e Fernando Pimenta em Londres, naquela que foi a melhor prova de 2012.

Por fim, Iúri Leitão. Se não tivesse sido campeão mundial de omnium provavelmente não figuraria na lista da Sports Illustrated mas, em termos internos, com ou sem esse título, havia esperança numa medalha. É aqui que entronca uma série de atletas portugueses entre os 73 presentes em 15 modalidades diferentes, com a particularidade de lutarem por um total de 67 medalhas – e, olhando nesta perspetiva, a questão de ser a delegação mais pequena desde Sidney acaba por ser diluída, com essa nuance de não haver qualquer equipa coletiva em Paris. Há Gustavo Ribeiro no skate. Há Catarina Costa, Patrícia Sampaio e Jorge Fonseca no judo (apesar dos sorteios menos simpáticos). Há Maria Inês Barros no tiro. Há a própria Angélica André nas águas abertas. Num dia bom, o sonho do pódio não fica assim tão longe. Num dia normal ou menos conseguido, será complicado. Em edições anteriores, era fácil apontar para medalhas na lógica do 1-2, 2-3 ou 3-4. Aqui é tudo mais aberto, entre nenhuma ou uma até cinco, que seria um recorde em Jogos Olímpicos.

De resto, todos os olhos estão colocados sobretudo em Simone Biles, ainda vista entre a paragem em Tóquio a meio das provas que multiplicou a imagem de força que tem enquanto atleta e os Mundiais de Antuérpia onde “limpou” tudo. Há Carlitos Alcaraz, Rafa Nadal de regresso à Meca do ténis que se confunde com a sua história como é Roland Garros, Novak Djokovic. Há Katie Ledecky, há Caeleb Dressel. Há Noah Lyles, há Eliud Kipchoge. Figuras não faltam mas os Jogos são sobretudo palco para heróis. Heróis que ganham provas e medalhas. Heróis que não o deixam de ser quando têm como objetivo superar os seus limites. É aqui que entronca Diogo Ribeiro, o prodígio da natação. Após ter sido campeão do mundo, o mais fácil é apontar o nadador de 19 anos às medalhas. Não é linear sequer que chegue à final. Aliás, Portugal só foi a uma final da modalidade com Yokochi em Los Angeles-1984. Por isso, e na última nota que fica de Paris, é bom ter em conta que há uma diferença entre ter uma prestação má ou os outros serem simplesmente melhores…

 
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