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MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

Portugal dá boas condições de trabalho aos cientistas?

Em Portugal há condições para os cientistas trabalharem? Que papel devem ter empresas, universidades e centros de investigação? Dúvidas, anseios e angústias num ensaio de Ricardo Morgado.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

“Não sei como pareço aos olhos do mundo, mas eu mesmo vejo-me como um pobre rapaz que brincava na praia e se divertia em encontrar uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita do que de costume, enquanto o grande oceano da verdade se estendia totalmente inexplorado diante de mim.” Muitos são os investigadores que se reveem nesta afirmação de Isaac Newton. Se é verdade que, por um lado, a ciência se faz de muitas pedras que se encontram e de muitas conchas que se descobrem, por outro lado o que há por desvendar é um infinito oceano de perguntas que já conhecemos e ainda outras que vamos conhecer. Essa permanente demanda pressupõe uma abnegada disponibilidade de muitos que nela trabalham e um esforço dos Estados e das instituições que reconhecem que o fortalecimento da ciência é essencial para a evolução da humanidade.

Na verdade, as políticas de ciência têm estado na ordem do dia do debate nacional, muito devido à publicação dos resultados do Concurso Estímulo ao Emprego Científico (EEC), promovido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela exclusão de vários investigadores nacionais de reconhecido mérito. Naturalmente, discutir a Ciência e olhar para as políticas públicas nessa área é muito mais do que observar resultados de concursos. Há questões de financiamento, de formação, de empregabilidade, de tecido económico e de opções estratégicas. Mas, por outro lado, não há ciência sem cientistas. É sobre esse ponto de partida que o presente ensaio se foca, fazendo uma análise ao “estado de arte” das políticas de emprego científico operadas em Portugal – e constatando que, apesar de existirem vários mecanismos de estímulo ao emprego científico, as soluções existentes estão longe de conseguir lidar com as necessidades do setor e dos cientistas.

Existem profissionais da ciência?

A pergunta pode parecer, à primeira leitura, provocatória, mas não o pretende ser. A atividade científica está, de forma muito generalizada, associada a uma carreira de docência académica, em contexto de instituições de ensino superior públicas universitárias e politécnicas, numa simbiose entre atividade letiva e investigação. Mas reformulemos a pergunta: existem pessoas que trabalham, exclusivamente, numa ocupação de ciência e tecnologia? A resposta é “sim, existem”.

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De acordo com os dados da Comissão Europeia, numa análise à população que tem formação superior e trabalha numa ocupação de ciência e tecnologia, em 2016, podemos verificar que, no que concerne a Portugal, 17,8% da população ativa entre os 15 e os 74 anos, com formação superior, trabalha na área de ciência e tecnologia. A média da União Europeia é de 20,7%, sendo o Luxemburgo o país com maior percentagem (34,3%) de população ativa entre os 15 e os 74 anos, com formação superior, que trabalha na área de ciência e tecnologia, seguido da Finlândia (29%) e da Suécia (28,5%). Nesta lista, Portugal apenas aparece à frente dos seguintes países: Grécia, República Checa, Malta, Itália, Roménia e Eslováquia.

Ainda de acordo com a Comissão Europeia, o número de investigadores aumentou quase um terço (32,2%) na UE no período de 2006 a 2016, passando de 1,42 para 1,88 milhões. Desses investigadores, quase metade (49,3%) trabalhavam, em 2016, em empresas, realidade bem diferente do que acontece em Portugal, como veremos adiante. Dos restantes, 38,6% trabalhavam no ensino superior e 11,2% em instituições governamentais.

As estatísticas sobre pessoal de ciência e tecnologia são indicadores-chave para medir a economia baseada no conhecimento e seus desenvolvimentos, uma vez que fornecem informações sobre a demanda de especialistas em ciência e tecnologia altamente qualificados. Assim sendo, nas Estatísticas de Investigação e Desenvolvimento (I&D), publicadas pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), para o ano de referência de 2016, utilizando os dados apurados a partir do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN16), podemos fazer uma análise aos recursos humanos e financeiros afetos a atividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) em Portugal.

Podemos, assim, constatar que existe, em Portugal, um total de 148.757 pessoas a trabalhar em atividades de I&D, sendo o Norte e a Área Metropolitana de Lisboa as regiões que mais se destacam. Se atentarmos aos setores de execução, podemos verificar que o Ensino Superior lidera com 85.963 pessoas a trabalhar em atividades de I&D, seguido do tecido empresarial, com 51.058 e do Estado, com 10.448. Por sua vez, tendo em consideração apenas os recursos humanos com a categoria de “investigadores”, verificamos que, das 148.757 pessoas a trabalhar em atividades de I&D, 123.073 são investigadores, na sua larga maioria titulares de grau superior.

Ou seja, mais de metade dos recursos humanos que se encontram afetos a atividades de I&D pertencem ao setor do Ensino Superior, na sua maioria a instituições de ensino superior públicas, e a ampla maioria tem um grau superior (licenciatura, mestrado ou doutoramento), o que é bem demonstrativo de que os setores da Ciência e do Ensino Superior estão umbilicalmente ligados e têm de ter políticas integradas.

Existe, em Portugal, um total de 148.757 pessoas a trabalhar em atividades de I&D, sendo o Norte e a Área Metropolitana de Lisboa as regiões que mais se destacam.

Quanto investem o Estado e os outros intervenientes em I&D, e que mecanismos potenciam o emprego científico?

Já vimos quantos investigadores existem, quais as suas qualificações, em que regiões se situam e em que setor de execução se encontram integrados. Vamos agora analisar a despesa em I&D realizada, em 2016, pelo Estado, pelas empresas, pelo ensino superior e pelas IPSFL. De acordo com as Estatísticas de Investigação e Desenvolvimento (I&D) da DGEEC, o conjunto dos intervenientes referidos anteriormente investiu 2.388. 466.900,00€, despesa a preços correntes, em ciência e tecnologia, sendo as empresas e o ensino superior os principais executores nesta área.

No que concerne ao tipo de investigação, o desenvolvimento experimental revela-se a modalidade com mais despesa. Devemos também salientar que a despesa em I&D nos setores empresas e ensino superior se encontra alinhada com a missão de cada um dos setores. Se por um lado, no setor empresas, o desenvolvimento experimental é o tipo de investigação mais financiado, seguido da investigação aplicada e só a seguir pela investigação fundamental, por outro lado, no setor ensino superior, a ordem das modalidades de investigação mais financiadas é precisamente a inversa, i.e., a investigação fundamental e a investigação aplicada é oito vezes superior ao valor da despesa com o desenvolvimento experimental.

Já no que diz respeito aos domínios científicos e tecnológicos, e se considerarmos como domínios as ciências exatas, as ciências naturais, as ciências da engenharia e tecnologias, as ciências médicas e da saúde, as ciências agrárias e veterinárias, as ciências sociais e as arte e humanidades, podemos constatar que o montante de despesa executado com as ciências da engenharia e tecnologias é quase o mesmo que montante de despesa executado com os restantes domínios.

Quanto à despesa em I&D, por localização geográfica, e considerando as NUTS II, a Área Metropolitana de Lisboa é a região com maiores montantes de despesa (1.071.716.200€), seguida das regiões Norte (748.158.000€), Centro (447.220.500€), Alentejo (65.973.800€), Algarve (29.929.900€), Açores (11.817.500€) e Madeira (13.651.000€). Quer isto dizer que aproximadamente metade (44,8%) da despesa efetuada com I&D em Portugal é realizada somente na Área Metropolitana de Lisboa, o que traduz as fortes assimetrias existentes no setor em Portugal.

Num ponto estamos todos de acordo: o fortalecimento do emprego científico é central para a evolução da ciência, e requer estímulos específicos na forma de apoio financeiro. De facto, encorajar a contratação de novos investigadores e promover o emprego científico (e, naturalmente, académico) são medidas essenciais para a promoção de um verdadeiro rejuvenescimento institucional e para assegurar o regular funcionamento das instituições de ciência e tecnologia. Ora, a contratação de investigadores e docentes doutorados está umbilicalmente ligada ao Programa de Estímulo ao Emprego Científico e pressupõe uma análise às medidas em implementação. Desde janeiro de 2017 até ao início de outubro de 2018, foram contratados 745 investigadores e docentes doutorados, estando em curso a contratação de mais 5150 doutorados. Até agosto de 2018, tinham sido contratados 669 investigadores e docentes, o que demonstra que, desde o arranque do presente ano letivo, foram contratados 76 novos investigadores e docentes doutorados.

Os mecanismos de estímulo ao emprego científico incluem o conjunto de instrumentos lançados para estimular a contratação de doutorados, incluindo ingressos em carreira e contratações a termo. Esses instrumentos são, essencialmente, os seguintes: apoios individuais, apoios institucionais, financiamento a projetos de I&D, financiamento das unidades de I&D, norma transitória do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, concursos regulares e Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). A estes mecanismos podemos adicionar a contratação de doutorados por empresas ao abrigo dos incentivos fiscais proporcionados pelo SIFIDE, assim como dos concursos regulares de ingresso em carreiras docentes e de investigação.

De acordo com as informações mais recentes, veiculadas pelo Observatório do Emprego Científico, o número de concursos/contratos de emprego científico, realizados até outubro de 2018, por tipo de entidade contratante e por mecanismo de estímulo ao emprego científico está demonstrado no Quadro 4.

Analisaremos, de seguida, cada um dos mecanismos de estímulo ao emprego científico com maior detalhe.

Num ponto estamos todos de acordo: o fortalecimento do emprego científico é central para a evolução da ciência, e requer estímulos específicos na forma de apoio financeiro. De facto, encorajar a contratação de novos investigadores e promover o emprego científico (e, naturalmente, académico) são medidas essenciais para a promoção de um verdadeiro rejuvenescimento institucional e para assegurar o regular funcionamento das instituições de ciência e tecnologia. 

A norma transitória

Se tem interesse no tema, certamente que o leitor já ouviu falar da norma transitória aplicável ao emprego científico. Esta norma encontra-se prevista Regime de Contratação de Doutorados Destinado a Estimular o Emprego Científico e Tecnológico em Todas as Áreas do Conhecimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho.

Na verdade, estamos perante uma iniciativa legislativa que visa a contratação, pelas instituições, dos investigadores doutorados que trabalham há mais de três anos como bolseiros nessas instituições. Esta norma traduz-se, na prática, na abertura de procedimentos concursais (podendo mesmo ser procedimento concursal de seleção internacional) para a contratação de doutorados, para o desempenho das funções realizadas por bolseiros doutorados que celebraram contratos de bolsa na sequência de concurso aberto ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação, e que desempenhem funções em instituições públicas há mais de três anos, seguidos ou interpolados, ou estejam a ser financiados por fundos públicos há mais de três anos, igualmente seguidos ou interpolados. Esta norma aplica-se, igualmente, a instituições particulares sem fins lucrativos com unidades de investigação e desenvolvimento (I&D) financiadas pela FCT e aos laboratórios do Estado e outras entidades públicas. Acresce que os encargos resultantes das contratações de doutorados são suportados pela FCT na sua totalidade e até ao termo dos contratos e das suas renovações, através de contrato a realizar com a instituição de acolhimento do bolseiro ou investigador, a qual passa a instituição contratante.

De acordo com os dados do Observatório do Emprego Científico, até à presente data foram validados e devem ser abertos 1910 concursos para doutorados abrangidos pela referida norma transitória, o que inclui, na sua maioria, 1312 concursos abertos por instituições de ensino superior públicas e 530 por instituições particulares sem fins lucrativos com unidades de I&D financiadas pela FCT. Em agosto de 2018, apenas 8 instituições de ensino superior tinham uma taxa de execução de 100%, a saber: Instituto Politécnico de Bragança, Universidade de Évora, Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro, Universidade de Aveiro, Universidade Nova de Lisboa, Instituto Politécnico de Leiria, Universidade do Algarve e Universidade da Madeira. No entretanto, volvido pouco mais de um mês, devemos referir que todas as instituições procederam à abertura da totalidade dos procedimentos concursais validados para financiamento pela FCT.

Apesar de esta iniciativa legislativa estar a entrar, mais recentemente, em fase de aceleração, o que permitirá a fixação de um número significativo de investigadores em início de carreira, a verdade é que a denominada norma transitória merece algumas objeções. A primeira é a de que, apesar de se apregoar a fixação de investigadores em início de carreira com vínculos estáveis, estes vínculos são finitos, com termo certo, o que levanta sérias objeções à estabilidade pretendida, levando mesmo a questionar se não estaremos perante mais um capítulo da novela “precariedade em ciência”. A segunda, mas não menos importante, é a de que os concursos têm levantado um conjunto de situações que devem ser prontamente corrigidas, designadamente a não abertura do procedimento concursal, a que a norma transitória obrigava, por parte das instituições e a abertura do concurso para funções diferentes das desempenhadas pelo bolseiro que lhe deu origem.

O PREVPAP

O Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) visa acabar com o recurso a trabalho precário e a programas de tipo ocupacional no setor público, como forma de colmatar necessidades de longa duração para o funcionamento dos diferentes serviços públicos.

Na verdade, este programa também tem estado associado à regularização do emprego científico em instituições de ciência e de ensino superior, bem como à regularização da contratação de colaboradores em carreiras gerais.

Assim sendo, podemos verificar que, no âmbito do PREVPAP, no que aos docentes do ensino superior respeita, foram submetidos 1558 requerimentos, dos quais se encontram analisados cerca de 86%, ao passo que quanto aos investigadores doutorados, foram submetidos cerca de 1630 requerimentos, dos quais 25% estão analisados. Até setembro de 2018, apenas se tinham realizado dois procedimentos concursais de regularização de vínculos precários, enquanto mecanismo de estímulo ao emprego científico, o que demonstra a demora na análise destes processos por parte da comissão de avaliação bilateral e na abertura dos procedimentos concursais.

Todavia, a utilização do PREVPAP como mecanismo de estímulo ao emprego científico levanta uma questão essencial. Não tendo sido o PREVPAP criado para integrar investigadores, o facto é que parece que nada obsta a que estes se candidatem ao programa de regularização dos vínculos precários, isto porque muitos investigadores desempenharam funções e trabalharam em instituições, ao longo de vários anos, suprindo necessidades de longa duração, na maioria das vezes com o estatuto de bolseiros.

Desde a criação do Observatório do Emprego Científico, a abertura de concursos disparou significativamente

MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

Concurso Estímulo ao Emprego Científico (EEC)

O Estímulo ao Emprego Científico é um incentivo à contratação de novos investigadores e ao desenvolvimento de planos de emprego científico e de carreiras científicas pelas instituições públicas ou privadas. A grande missão destes apoios financeiros consiste no reforço do sistema científico e tecnológico nacional e na promoção de emprego para investigadores doutorados.

A primeira edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual da FCT visou a assinatura de contrato por 500 investigadores. No entanto, foram 3.600 os candidatos que não conseguiram ver a sua candidatura recomendada para financiamento. Uma vez que as bolsas de investigação não são contratos de trabalho, esta foi a primeira oportunidade que muitos investigadores tiveram de se poder candidatar à celebração de um contrato de trabalho para fazerem investigação. Por sua vez, para aqueles que já haviam sido abrangidos por programas como o Ciência 2007 e o Investigador FCT, esta era a oportunidade de poderem dar continuidade a um contrato de trabalho de investigação.

O concurso foi dividido em 4 níveis de carreira possíveis: júnior, auxiliar, principal e coordenador (gráfico 3). Podemos verificar que, dos 500 investigadores selecionados, 4 são para a categoria de Investigador Coordenador, 66 para Investigador Principal, 154 para Investigador Auxiliar e 276 para Investigador Júnior.
Não obstante o facto de o concurso permitir a contratação de 500 investigadores, são vários os reparos que se pode fazer a este concurso.

Em primeiro lugar, há uma crítica generalizada ao guião de critérios de avaliação da FCT, visto que faz referência ao que deve ser avaliado, sem contudo definir qual a metodologia a adotar nem a preponderância que deve assumir cada um dos aspetos objeto de avaliação. Por exemplo, verificaram-se avaliações curriculares de 8 em 10 para cientistas com “produção científica notável”, segundo os peritos avaliadores, o que levanta dúvidas sobre como essas pontuações foram atribuídas.

Em segundo lugar, e não obstante o facto de o concurso contribuir para a atração de jovens investigadores altamente qualificados e, consequentemente, para o rejuvenescimento das instituições científicas, a verdade é que, ao se contratarem apenas 4 investigadores para a categoria de Investigador Coordenador, devemos questionar se não estaremos a contratar investigadores para integrarem equipas cujos coordenadores ficaram sem contrato.

Em terceiro lugar, alguns projetos foram considerados pelos peritos como sendo “pouco pedagógicos”, por estarem escritos de forma a serem apenas entendidos por um grupo restrito de especialistas. Ora, se estamos perante candidaturas de projetos altamente especializados, de elevado aprofundamento técnico e científico, é natural que todos projetos (ou parte deles) apenas sejam percetíveis por especialistas da área dos projetos avaliados, não se pretendendo que sejam “pedagógicos” ou percetíveis pelo homem médio.

Em quarto lugar, a descrição do projeto devia ser feita em não mais de cinco mil caracteres, i.e., o candidato tinha de ser capaz de, num número reduzido de caracteres, explicar a inovação do seu projeto, o plano de trabalhos, a metodologia e os meios a utilizar, o que parece claramente curto para que a explicação e a descrição do projeto sejam completas e rigorosas, por forma a avaliar a sua exequibilidade.

Às críticas apresentadas, a FCT esclareceu que “a avaliação do Concurso Estímulo ao Emprego Científico foi feita por um painel internacional e independente constituído por peritos em cada área científica que analisaram todas as componentes das diversas candidaturas” e que “essa avaliação é feita para cada um dos candidatos, tendo em conta os elementos por ele apresentados, os quais são, naturalmente, específicos de cada candidatura”.

O procedimento é relativamente simples: cada candidatura é atribuída a uma área específica, para a qual existe um painel internacional e independente, no qual há dois membros que avaliam a proposta e depois discutem a avaliação com o coordenador do painel. No final, cada candidatura foi discutida em reunião dos coordenadores de painel com o coordenador global da avaliação. Na explicação do guião, dos critérios e do procedimento adotados, a FCT recorre ainda a uma velha máxima adotada pelos Ministros da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior portugueses, ao explicar que o concurso seguiu “as melhores práticas internacionais”. Na verdade, ainda está por definir este conceito indeterminado de “melhores práticas internacionais”, visto que se trata de um conceito de enorme amplitude (e subjetividade), e que em nada contribuiu para a objetividade e exatidão exigíveis neste tipo de processos.

Ainda no que diz respeito a este ponto, cumpre referir que haverá uma segunda edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual, o qual deve iniciar o período de candidaturas no último trimestre de 2018, esperando-se que seja uma oportunidade para que algumas destas objeções sejam corrigidas.

Relativamente ao Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Institucional, e de acordo com os dados do Observatório do Emprego Científico, foram atribuídos 400 contratos para investigadores doutorados no âmbito do 1.º concurso para candidaturas institucionais para planos de emprego científico.

Os mecanismos de estímulo ao emprego científico incluem o conjunto de instrumentos lançados para estimular a contratação de doutorados

Inácio Rosa/LUSA

As bolsas de doutoramento

Chegado aqui, pergunta legitimamente o leitor: e as bolsas não contam? A resposta deveria ser “não”, uma vez que as bolsas de investigação são apoios à formação do investigador, não consubstanciando qualquer tipo de vínculo laboral. Todavia, a finalidade primeira das bolsas é, muitas vezes, adulterada.

Por definição, as bolsas servem para apoiar investigadores que, em qualquer área do conhecimento, pretendem desenvolver trabalhos de investigação para a obtenção do grau académico de Doutor. Desta forma, as bolsas destinam-se a candidatos que satisfaçam as condições necessárias ao ingresso em ciclos de estudos conducentes à obtenção do grau de doutor e que pretendam desenvolver trabalhos de investigação no âmbito da obtenção desse grau em instituições de acolhimento, designadamente unidades de I&D, Laboratórios de Estado, Laboratórios Associados, Laboratórios Colaborativos ou Centros de Interface.

O número de bolsas de doutoramento é distribuído, de forma ponderada, pelas áreas científicas, tendo em consideração o número de candidaturas a cada uma das áreas de investigação. O gráfico seguinte traduz a evolução da atribuição de bolsas de doutoramento entre 2006 e 2018.

No que respeita ao Concurso para a Atribuição de Bolsas de Doutoramento 2018, cujo período de candidaturas decorreu entre 28 de fevereiro a 28 de março, foram submetidas 2.797 candidaturas, tendo sido validadas 2.540 e atribuídas 950, o que significa que, de total de candidaturas, apenas cerca de 34% foram seriadas para atribuição de bolsa, ficando 66% das candidaturas sem financiamento. Evidentemente que os recursos não são ilimitados e que tem de existir uma linha de corte que separe as candidaturas financiáveis das que o não são. No entanto, assegurar o financiamento de apenas 34% do total das candidaturas permite dizer que há um longo caminho a percorrer no sentido de assegurar um apoio mínimo à formação dos que, estando a frequentar um doutoramento, pretendem contribuir para a investigação nacional a tempo integral.

A esta questão somam-se outras críticas que podem ser enunciadas relativamente a este concurso. Desde logo a incapacidade que a FCT tem vindo a demonstrar em cumprir os prazos que, muitas vezes, ela própria estabelece, o que prejudica substancialmente o planeamento, a organização e o trabalho dos candidatos e das respectivas instituições de acolhimento.

Acresce que há um grande caminho a percorrer na transparência dos processos de avaliação das candidaturas a bolsas, nomeadamente quanto à informação disponível acerca da divulgação dos resultados e do processo de decisão. Assim sendo, e acompanhando algumas sugestões já efetuadas por entidades relacionadas com o sistema científico nacional, deve ser disponibilizada informação adicional sobre os resultados dos diversos painéis de avaliação, nomeadamente: número de candidatos excluídos por respetiva razão de exclusão, classificação obtida pelo último candidato admitido para financiamento, número de bolsas atribuído por instituição, por modalidade e por programa doutoral. Por outro lado, parece impensável, em qualquer sistema, que a entidade de recurso de uma decisão seja a mesma que tomou a própria decisão, sendo, por isso, essencial que o mecanismo de recurso da decisão de (não) atribuição de uma bolsa de doutoramento seja independente, exigindo-se que os painéis que avaliam os recursos sejam distintos dos que fazem a avaliação inicial.

Deveria ainda existir uma grelha de avaliação, pública e uniforme, que traga maior comparabilidade aos resultados e menor discricionariedade na atuação dos painéis de avaliação.

Por último, e tal como referimos anteriormente, o número de bolsas de doutoramento é distribuído, de forma ponderada, pelas áreas científicas, tendo em consideração o número de candidaturas a cada uma das áreas de investigação. Se é verdade que, por um lado, esta metodologia de aferição do número das bolsas garante uma taxa de aprovação similar em todas as áreas, por outro lado impede que, no edital de abertura das candidaturas, conste a distribuição do número de bolsas por área científica em vez do número de bolsas total a atribuir.

Acresce que há um grande caminho a percorrer na transparência dos processos de avaliação das candidaturas a bolsas, nomeadamente quanto à informação disponível acerca da divulgação dos resultados e do processo de decisão.

I&D e empresas: uma promessa de casamento que tarda?

Quanto vale a ciência para as empresas? Qual o investimento que as principais empresas nacionais fazem com Investigação e Desenvolvimento (I&D)? E os doutorados são funcionários “atrativos”?

A Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) apresentou, recentemente, as 100 empresas com mais despesa em atividades de I&D em Portugal, em 2017, com base nos resultados provisórios do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional 2017 (IPCTN17). Esta lista foi construída tendo como ponto de partida os dados reportados pelas empresas ao IPCTN17 até à 29 de junho de 2018 e inclui os dados da despesa da empresa em I&D, a informação sobre o número total de pessoas envolvidas em atividades de I&D na empresa e, dentro destas, o número de pessoas com nível de qualificação académica superior e o número de doutorados.

Segundo os resultados do IPCNT17, as 100 empresas com mais investimento intramuros em I&D foram responsáveis por 57% da despesa total em I&D do setor empresarial em 2017, o que corresponde a cerca de 1.295 milhões de euros (equivalente a 0,67% do PIB nacional de 2017). Por sua vez, em termos de recursos humanos em I&D, estas 100 empresas representaram 44% do total de pessoas afetas àquelas atividades, em 2017, no setor empresarial.

No entanto, o dado mais relevante destes resultados consiste no facto de apenas existirem 161 doutorados a trabalhar nas 100 empresas/grupos com mais despesa intramuros em atividades de I&D em 2017 em Portugal.

A dúvida, a ânsia e a angústia – e uma conclusão

A dúvida. Alguns proponentes, tais como Luís Aguiar-Conraria (EEG, UMinho), Elvira Fortunato (Diretora i3N/NOVA), Marina Costa Lobo (ICS-U. Lisboa), Maria Mota (Diretora IMM), Arlindo Oliveira (Presidente IST) assinaram o Manifesto Ciência Portugal 2018. Partindo da premissa de que temos uma “considerável massa crítica, capaz de elevar o País ao mais alto nível no mapa internacional”, o manifesto considera que há verdadeiros estrangulamentos que provocam graves consequências a curto, médio e longo prazo para a Ciência em Portugal. E aponta caminhos possíveis para os desafios estruturais que se colocam ao sistema de Ciência & Tecnologia nacional, dos quais se destacam a necessidade de:

  1. Um financiamento consistente e transparente, com pelo menos um concurso anual de projetos para todas as áreas científicas;
  2. Um “simplex” para a ciência, reduzindo a carga burocrática dos processos;
  3. E uma política de contratação regular e assente no mérito.

Para a concretização desses objetivos estruturais, o Manifesto propõe maior previsibilidade da calendarização dos concursos, concursos de projetos anuais, concursos de bolsas e de contratação regulares, avaliação sempre feita por painéis internacionais, formulários simples, desburocratização das candidaturas, mitigação da não-elegibilidade por questões processuais e regime de exceção à legislação de contratação pública para verbas destinadas a atividades de investigação.

E aqui reside a dúvida: serão a FCT e o MCTES capazes de trilhar estes caminhos?

A ânsia. Desde a criação do Observatório do Emprego Científico, a abertura de concursos disparou significativamente. É inegável que a ação do Observatório tem precipitado a contratação de investigadores, tornando esses números públicos de forma regular e transparente. Espera-se, com incerteza e esperança, que esse trabalho se mantenha e sobreviva aos períodos eleitorais que se avizinham.

A angústia. Nas 100 empresas/grupos com mais despesa em atividades de I&D, em 2017, em Portugal, apenas existem 161 doutorados a trabalhar. Este número é chocante, principalmente se atendermos à dimensão dessas empresas e à necessidade de, numa lógica de inovação permanente, se associarem à produção e transferência de conhecimento. Mas demonstra também que o tecido empresarial português continua incapaz (porque não quer ou porque não pode) de atrair os melhores do mundo, com riscos cada vez maiores de “brain-drain” dos nossos melhores doutorados e de perda de valor das nossas empresas.

Uma conclusão. Se é verdade que, por um lado, os diversos mecanismos de estímulo ao emprego científico aceleraram a contratação de investigadores, por outro lado nem sempre esses mecanismos parecem adequados à realidade nacional, tanto na perspetiva das necessidades (e especificidades) do setor científico e das suas instituições, como em termos de escala, uma vez que a capacidade de contratação é claramente insuficiente face ao número de investigadores que se candidatam e não conseguem contrato.

Acresce que não existe um incentivo à contratação de doutorados, por parte das empresas, que produza resultados significativos, nem uma sensibilização, por parte do tecido empresarial português, e, salvo raras exceções, para as vantagens da contratação de recursos humanos altamente qualificados, eventualmente potenciadores da sua inovação.

Desta forma, há um elevado número de doutorados que, não tendo a possibilidade de integrar uma carreira em instituição de ensino superior, ou não podendo celebrar um contrato de trabalho ou sucessivos contratos de trabalho (ainda que a termo certo), fica destinado a desfolhar as pétalas da incerteza do seu próprio valor.

É preciso uma visão estratégica de longo prazo, que transforme a I&D em Portugal, quer no setor privado, quer no setor público — estabelecendo-o como verdadeira prioridade em termos de políticas públicas e de incentivos ao desenvolvimento económico. Só assim poderão empresas, universidades e centros de investigação promover ecossistemas estáveis e capacitados para atividades I&D que recuperem o atraso crónico que temos alimentado e permitam percorrer caminhos de futuro, em clima de excelência.

Ricardo Morgado é Legal Advisor da Laureate International Universities e docente da Universidade Europeia. Entre 2011 e 2015, foi assessor no gabinete do Secretário de Estado do Ensino Superior.

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