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Franz Beckenbauer ganhou um Mundial, um Europeu e três Taças dos Campeões Europeus como jogador (sempre como capitão)
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Franz Beckenbauer ganhou um Mundial, um Europeu e três Taças dos Campeões Europeus como jogador (sempre como capitão)

Getty Images

Franz Beckenbauer ganhou um Mundial, um Europeu e três Taças dos Campeões Europeus como jogador (sempre como capitão)

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Um jogo nos Sub-14, aquele revés do Bayern e o toque de Midas: como o estalo de um Rei mudou a vida do Imperador Beckenbauer

Nunca cumpriu sonho de jogar no Munique 1860, inaugurou nova era no Bayern. Ganhou tudo, inventou uma posição e mostrou como se pode estar à frente jogando atrás. Franz Beckenbauer morreu aos 78 anos.

Todos o conheciam como Der Kaiser, poucos conseguem agora contextualizar o momento em que se tornou o Imperador. A melhor e mais popular explicação de todas tem esse pequeno problema de ser apenas um mito – reza então a história que, na antecâmara de um jogo particular em Viena, tirou uma fotografia com o busto do antigo imperado Franz Joseph I por trás e rapidamente ganhou um cognome no mundo do futebol. Há outra, também ela nunca confirmada, de que essa alcunha tinha nascido no dia em que travou Reinhard Libuda, conhecido como König von Westfalen (ou o Rei da Westfália), e desafiou os adeptos do Schalke 04, merecendo um estatuto ainda maior. E mais uma, neste caso com outra modéstia no plano do enredo, que resume o epíteto ao facto de ter Franz como primeiro nome e dominar um campo de futebol. Beckenbauer era sobretudo isso, alguém que dominava um campo de futebol. Pelo estilo elegante, pela inteligência que lhe permitiu criar uma nova posição, pela capacidade de liderança. Esse é o grande legado de Der Kaiser.

Franz Beckenbauer morreu este domingo aos 78 anos, no mesmo fim de semana em que o mundo do futebol chorava a partida do mestre brasileiro Mário Zagallo. Houve apenas três figuras capazes de conquistarem o Campeonato do Mundo como jogadores e treinadores. Agora, sobra apenas o francês Didier Deschamps. Mas esse não é o único marco do germânico para a posteridade. Longe disso. E só o simples facto de ser defesa (ou libero, a posição que “nasce” em termos conceptuais com o seu recuo do meio-campo para o setor defensivo) e ter ganho por duas vezes a Bola de Ouro como não mais foi conseguido ajuda a explicar isso mesmo.

Numa carreira sempre a subir, Beckenbauer tornou-se imortal a descer. A descer do centro do ataque para o meio-campo, onde começou a dar nas vistas no Bayern após passagem pelo rival e clube do coração Munique 1860. A descer do meio-campo para a defesa, onde ganhou todos os títulos que havia para ganhar enquanto jogador. A descer da defesa para libero, a posição que inventou nos compêndios do futebol e que lhe permitia patentear uma liderança que movia companheiros, condicionava rivais e impressionava quem estivesse a dirigir os encontros – quem nunca ouviu as histórias do jogador a quem bastava levantar o braço para haver logo a tendência para assinalar fora de jogo ao ataque contrário? Foi assim que nasceu um dos melhores jogadores de sempre, tricampeão europeu de clubes com o super Bayern dos anos 70 que veio suceder ao Futebol Total do Ajax de Johan Cruyff e companhia, campeão mundial e europeu de seleções e um dos principais pioneiros saídos da Europa para o El Dorado nascido no final dessa mesma década nos EUA.

Franz Beckenbauer foi o segundo a sagrar-se campeão mundial como jogador e treinador depois de Mário Zagallo, que morreu na passada sexta-feira

AFP/Getty Images

O sonho de jogar pelo Munique 1860 e uma decisão desfavorável que mudou o Bayern

Nascido apenas nove dias depois do final da Segunda Grande Guerra em Munique, Franz e o irmão Walter não tiveram propriamente grande incentivo para o futebol no seio de uma família de classe média. Aliás, o pai, também ele Franz, que trabalhava nos correios, quase menosprezou o entusiasmo do filho mais velho pelo jogo. Não criticava de forma aberta esse sonho de jogar, também não apoiava de forma incondicional a vontade de fazer algo que não via como carreira de futuro. O filho, esse, fez questão de provar o contrário. Não para ser contra e marcar uma posição mas a favor de algo que o encantava, ainda para mais fazendo-o no clube de sempre. Não, a história de Beckenbauer não se resume apenas ao Bayern. Até começou no rival.

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Quando tinha apenas nove anos, altura em que a RFA conquistou o seu primeiro título mundial com o ídolo Fritz Walter (uma glória que fez toda a carreira no Kaiserslautern), começava a destacar-se no München von 1906 com a ambição de chegar ao seu clube do coração. “O meu sonho sempre foi jogar pelo Munique 1860”, admitiria mais tarde. Esteve perto de concretizar esse objetivo mas quis o destino que acabasse no rival, o Bayern. Porquê? Por tudo o que aconteceu numa final de Sub-14 na zona de Neubiberg entre o München von 1906 e o Munique 1860 e o despique com o central Gerhard König. Beckenbauer, que jogava então como um dos avançados, desentendeu-se com o adversário, os ânimos mais tensos saltaram mesmo para as agressões (o defesa terá mesmo dado um estalo no avançado, que não se ficou e foi atrás do seu opositor) e o grupo de rapazes que, face às dificuldades que o clube de origem enfrentava para continuar a financiar os seus escalões de formação, se preparava para mudar para o Munique 1860 rumou em bloco ao Bayern.

Beckenbauer foi campeão na primeira época no conjunto principal e não demorou também a tornar-se capitão de equipa

Foi por causa de um Köning (rei em alemão) que Beckenbauer alterou a trajetória e se tornou Der Kaiser. “Foi apenas destino termo-nos cruzado e eu ter-me tornado vermelho e não azul”, relativizou na década de 90 durante um programa numa rádio da Baviera que conseguiu juntar os antigos adversários em estúdio. Ainda assim, um jogo de Sub-14 mudou a trajetória de Franz no futebol, da mesma forma como uma decisão administrativa seria depois uma rampa de lançamento para o colosso Bayern que hoje conhecemos. Em 1963, os responsáveis da Bundesliga, que queriam apenas um clube da cidade no principal escalão, optaram pelo Munique 1860 por se ter sagrado campeão da Oberliga Süd na temporada anterior, fazendo com que o rival “vermelho”, “perante o estado deplorável das finanças” (palavras da própria formação bávara), se visse na obrigação de dispensar as estrelas com maior salário do e apostasse nos jovens talentos da formação. Sepp Maier foi o primeiro, Beckenbauer veio logo a seguir, Gerd Müller chegou pouco depois do… Munique 1860.

Antes, Der Kaiser enfrentou um problema extra futebol para poder jogar futebol. Quando tinha apenas 18 anos, Beckenbauer viu-se envolvido numa controvérsia depois de se ter tornado público (e muito falado) que a namorada tinha engravidado mas que não pretendia casar com a mesma, o que fez com que fosse suspenso das seleções mais jovens da Federação e apenas readmitido mais tarde por intervenção do técnico da altura, Dettmar Cramer. Só depois disso chegou a estreia pelo conjunto principal dos bávaros, em junho de 1964, sendo que logo na primeira temporada completa de 1964/65 a equipa foi campeã e ganhou acesso à Bundesliga. Estavam a ser dados os passos iniciais para aquele que ficaria como o conjunto mais dominador de sempre na história do Bayern, com o primeiro troféu a chegar com a Taça da Alemanha em 1966/67, a que se seguiu no ano seguinte a Taça dos Vencedores das Taças. Em 1968/69, Beckenbauer ascendeu a capitão com apenas 23 anos e o Bayern ganhou a sua primeira Bundesliga (antes só tinha sido campeão em 1932, quando a prova tinha outro nome e formato realizado com eliminatórias de apenas um encontro).

"O meu sonho sempre foi jogar pelo Munique 1860"
Franz Beckenbauer

A partir de aqui, foi história para a História. O conjunto da Baviera não só começou a marcar uma hegemonia em termos internos como conseguiu desafiar aqueles que pareciam impossíveis de bater. Olhando para o que foi o futebol no século XX, terão existido quatro grandes equipas na Europa: o Real Madrid que ganhou as cinco primeiras edições da Taça dos Clubes Campeões Europeus no final dos anos 50, o AC Milan da década de 90, o Ajax de Johan Cruyff e companhia e o Bayern de Beckenbauer. Particularidade? A seguir aos três títulos europeus consecutivos do conjunto de Amesterdão vieram três títulos consecutivos da formação de Munique, naquele que foi o período mais áureo de um clube que leva 11 vitórias seguidas na Bundesliga.

Em paralelo, Beckenbauer tornara-se também uma figura incontornável da RFA que era candidata a todos os títulos. Era candidata e ganhou ou andou perto disso, naquele que foi também o início da melhor era da Mannschaft: ficou em segundo no Mundial de 1966 perdendo apenas no prolongamento da final frente à Inglaterra, acabou em terceiro no Mundial de 1970 depois de cair no prolongamento das meias com a Itália com o central a fazer o tempo extra com o braço ao peito, conquistou o Campeonato da Europa de 1972 na primeira edição em que foi capitão com um triunfo diante da União Soviética, ganhou o Campeonato do Mundo de 1974 batendo os Países Baixos na final, terminou em segundo o Europeu de 1976 após perder nas grandes penalidades com a Checoslováquia. No ano seguinte, com 31 anos, retirou-se. Com um propósito.

Beckenbauer esteve em cinco fases finais de grandes competições: ganhou um Mundial e um Europeu, perdeu duas finais (uma de Mundial, outra de Europeu) e caiu uma vez nas meias do Mundial

Getty Images

À semelhança de tantos outros craques como Pelé, Eusébio ou Cruyff, entre outros, o alemão aceitou rumar aos EUA com uma vantajosa proposta para jogar no New York Cosmos, onde estava o Rei e por onde passou outra estrela brasileira como Carlos Alberto. Mais do que ganhar títulos (que também ganhou e logo com três campeonatos), Beckenbauer sentiu algo que há muito não sentia: poder sair à rua, jantar, passear e fazer as coisas mais comuns do mundo sem ser reconhecido, interpelado ou parado. “Ele é um dos melhores que já vi jogar na minha vida”, assumiu nessa altura Pelé. Aliás, a primeira alcunha do Imperador nos EUA foi mesmo a de “Pelé branco”, pelo currículo e estatuto que granjeava quando se tornou reforço do Cosmos. Já na parte final da carreira, o defesa ainda voltou à Bundesliga dois anos para ser campeão pelo Hamburgo em 1982, fechando de vez a passagem pelos relvados de novo no Cosmos. Ao todo, Beckenbauer realizou mais de 750 encontros oficiais e contou com mais de 100 internacionalizações, muitas como capitão.

O incrível feito nas Bolas de Ouro e a vingança de Maradona para a história

Franz Beckenbauer já tinha tudo a todos os níveis, fosse coletivo, fosse individual. Aliás, só na década de 70 o defesa ganhou duas Bolas de Ouro (1972 e 1976), acabou duas vezes na segunda posição (1974 e 1975) e mais uma na terceira posição (1966), o que faz com que seja o terceiro melhor a nível de pódios com os mesmos cinco de Michel Platini e apenas atrás de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. O defesa que começou como avançado, recuou para médio e mostrou como ser libero podia ser o primeiro a construir e nem sempre o último a tentar destruir tinha algo mais para acrescentar ao futebol como treinador… e selecionador.

Pouco mais de um ano depois de ter deixado de jogar, na sequência de uma eliminação logo na fase de grupos do Europeu de 1984, Beckenbauer assumiu o comando da Alemanha. Ninguém colocava em causa aquilo que tinha sido como atleta, alguns (pelo menos) duvidavam do que seria capaz de fazer assumindo a Mannschaft como primeiro projeto. Foi uma questão de tempo, entre o quase e a glória: após ter conduzido a RFA até à final do Campeonato do Mundo de 1986 no México com uma derrota por 3-2 frente à Argentina de Diego Armando Maradona, sagrou-se mesmo campeão mundial quatro anos depois em Itália diante dos mesmos sul-americanos, ganhando com um único golo de penálti de Andreas Brehme. Até aí, só Zagallo tinha feito a festa como jogador e treinador; a partir daí, só Deschamps voltou a repetir o feito. Ainda haveria uma passagem pelo Marselha e duas situações de quase “bombeiro” no Bayern (e mais uma vez “cruzou-se” com o sucesso, com esse Toque de Midas a valer uma Liga e uma Taça UEFA) mas essa parte estava fechada.

Beckenbauer foi treinador e presidente do Bayern, comentador e cronista na imprensa alemã e liderou Comité Organizador do Mundial de 2006

MARC MUELLER/EPA

A partir daí, e até aos últimos tempos até ter deixado de aparecer em público por doença, Beckenbauer ainda interpretou vários papéis entre a presidência do Bayern, os comentários na Sky, os artigos de opinião no Bild ou a liderança do Comité de Organização do Campeonato do Mundo de 2006, num processo que lhe valeria mais tarde casos judiciais perante alegados subornos, fraude fiscal e branqueamento de capitais que não foram provados em tribunal (em alguns casos por ter expirado o tempo de possível acusação). Mais tarde, seria também banido por 90 dias pelo Comité de Ética da FIFA por se ter recusado a cooperar num inquérito sobre alegados casos de corrupção na atribuição das organizações dos Mundiais de 2018 (Rússia) e de 2022 (Qatar), numa sanção que seria depois anulada após recurso e convertida apenas em multa. Nada que afetasse o estatuto que antes consolidara como um dos melhores de sempre no mundo do futebol.

 
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