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"Álbum de Família", no MAAT – Central, pode ser visitada desde dia 3; na Fundação Carmona e Costa, também em Lisboa, uma outra mostra está patente a partir de 14; e haverá uma terceira exposição a abrir em janeiro
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"Álbum de Família", no MAAT – Central, pode ser visitada desde dia 3; na Fundação Carmona e Costa, também em Lisboa, uma outra mostra está patente a partir de 14; e haverá uma terceira exposição a abrir em janeiro

"Álbum de Família", no MAAT – Central, pode ser visitada desde dia 3; na Fundação Carmona e Costa, também em Lisboa, uma outra mostra está patente a partir de 14; e haverá uma terceira exposição a abrir em janeiro

Uma história da arte portuguesa escrita por Maria da Graça Carmona e Costa

É a mais extensa coleção privada do país, tem mais de 60 anos e só agora é mostrada ao público. Feita com carinho e muita acuidade por uma mulher moderna à procura de talentos. Uma vida sem exemplo.

Ela tem Cabrita Reis, tem Jorge Queiroz, Croft, Chafes, ela tem Ilda David, mas também tem Pomar e Palolo, tem Jorge Martins, tem Francisco Tropa, Julião Sarmento, Vieira da Silva, Inez Teixeira, Rui Sanches… São artistas de muitas disciplinas diferentes, com ênfase especial no Desenho, como não podia deixar de ser. É grande, claro. É boa, também. É difícil acreditar que a coleção de arte contemporânea da maior mecenas portuguesa viva nunca tenha sido exposta. Trata-se do acervo mais extenso do país e aquele que há mais tempo tem acompanhado o que por cá significa a arte e, apesar disso, só agora chega aos olhos do público, materializado em duas exposições já inauguradas debaixo do mesmo título, Álbum de Família, no MAAT – Central, desde dia 3, e na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa, a partir de 14, e sê-lo-á ainda numa terceira mostra a abrir em janeiro. É preciso percorrer com calma as paredes das galerias, é preciso olhar atentamente as dezenas e dezenas de catálogos publicados, onde se escreve a mais recente história da arte portuguesa, e é preciso pensar e querer saber: afinal, quem fez tudo o que aqui está?

Matriarca da contemporaneidade artística nacional, Maria da Graça Carmona e Costa está com 91 anos e ainda é uma desconhecida do grande público. No entanto, ela sabe-o bem, ninguém a esquece neste mundo reduzido dos que criam, nessa espécie de “família” que ela fez crescer e que continua a mimar como tão bem sabe fazer.

Cresceu numa família de cinco irmãos, ela, a mais destacada dos Dias Coelho, nasceu em julho de 1932. O amor pela cultura, como lhe chama, chegou cedo e foi-lhe transmitido pelo pai, um visionário, filho de lavradores abastados da Beira Alta, que os criou a todos à volta de três pilares essenciais: arte, música e literatura. Em pequena, eram os grandes livros dos mestres da pintura que a entusiasmavam, via as obras de Velásquez e de Goya no chão do escritório do pai, os clássicos a encherem-lhe os olhos e a amarrarem-lhe o coração aos traços mais profundos, às cores e ao preto e branco.

Trata-se do acervo mais extenso do país e aquele que há mais tempo tem acompanhado o que por cá significa a arte e só agora chega aos olhos do público, no MAAT e na Fundação Carmona e Costa

No Tivoli, já com 12 anos, ouvia e admirava Rubinstein ao piano ou Menuhin no violino. A literatura era de leitura obrigatória em casa e assistia às peças dos grandes dramaturgos no Teatro Nacional D. Maria II. Aos fins de semana, na dona-elvira que o pai conduzia, os museus calcorreavam-se vezes sem conta. Eram os anos 30 e 40 e os anos da grande empatia por tudo o que falava de criação. No final do 7.º ano, com 18 anos, conheceu o marido. Casou-se um ano depois. E a vida deu uma volta. Ele era neto do Presidente da República, Marechal Carmona. Outra família, novos códigos, muita circunstância.

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Se em casa do pai, Maria da Graça tinha autorização para sair sozinha e ir às compras, na de Víctor Carmona e Costa nem pensar. Foi com jeito que voltou a ser a mulher independente e autónoma que fora e que queria voltar a ser. E, já pelo seu pé apenas, subiu um dia o Chiado, para dar de caras com algo que a perturbou. Na montra do Leonel, uma loja de loiças muito conhecida, viu um quadro maravilhoso do Vespeira. Correu a contar ao marido e levou-o lá. Voltaram para casa com aquele que considera um dos primeiros trabalhos de categoria que colecionou. Pouco tempo depois, em 1960, comprou um Júlio Pomar. A pintura começou a conviver de perto com ela lá em casa.

Mas era preciso mais. Maria da Graça, já Carmona e Costa, decidiu então aprender a cuidar do seu gosto. E fez formação artística no primeiro curso da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Ficou-se pela teoria, porque não se achava com talento para a prática. Foram seus professores Almada Negreiros, Jorge Listopad, Rui Mário Gonçalves, Ernesto de Sousa, Jorge de Sena, enfim, todo um elenco, como costuma dizer. A partir daí, de facto, colecionar passou a fazer mais sentido.

Amiga da grande galerista portuguesa, Dulce d’Agro, verdadeira pioneira no mercado nacional cuja Quadrum, situada nos Coruchéus, abrira seis meses antes da Revolução dos Cravos, Maria da Graça bateu-lhe à porta e por lá ficou como secretária durante 13 anos. Foi a sua grande escola artística. Viu, ouviu, conheceu, percebeu.

O 25 de Abril, porém, interrompeu-lhe a coleção. A fábrica que o marido e ela herdaram do pai foi ocupada e o casal obrigado a sair do país sem um tostão. Fugiram a salto para Espanha e arranjaram refúgio em Madrid. Ele trabalhou como publicitário, ela empregou-se como balconista numa loja de uma amiga da irmã, na Calle Serrano, e tanto vendia Vista Alegre a espanholas ricas, como limpava o chão e a montra. Anos difíceis, mas anos de grande aprendizagem. Só voltaram a Portugal quando Mário Soares chamou Víctor Carmona e Costa para lhe entregar a fábrica de volta, a COPAM (Companhia Portuguesa de Amidos). Mesmo assim, foi preciso continuar a trabalhar.

Amiga da grande galerista portuguesa, Dulce d’Agro, verdadeira pioneira no mercado nacional cuja Quadrum, situada nos Coruchéus, abrira seis meses antes da Revolução dos Cravos, Maria da Graça bateu-lhe à porta e por lá ficou como secretária durante 13 anos. Foi a sua grande escola artística. Viu, ouviu, conheceu, percebeu. Contactou com toda a cena da contemporaneidade com rigor e, sobretudo, com paixão. Amou cada exposição, cada artista, cada performance, cada feira, cada obra. E por ela também se foram embeiçando os autores, também à medida que por eles mais intercedia junto de Dulce d’ Agro, mais velha e mais agastada. Dos novos Cabrita Reis ou Julião Sarmento aos seus grandes amigos Jorge Martins e João Vieira, mas também de Ana Vidigal a Ilda David, ou Manuel Rosa, de Manuel Costa Cabral a Fernando Calhau, Menez, Joaquim Rodrigo. Também Pedro Calapez, Pedro Proença. Foi com alguma pena, mas completamente decidida, que abandonou a Quadrum.

Os laços que foi estabelecendo com cada um dos artistas fizeram de Maria da Graça Carmona e Costa (na terceira foto, a primeira a contar da direita) também uma colecionadora absolutamente sentimental,

Sentia falta daquela gente toda, sentia falta dos quadros, comprava à mesma. Não era a mesma coisa. A vida económica tinha-se recomposto. Ficar em casa, contudo, não fazia muito sentido. O marido também achava que não. Afinal de contas tinha aprendido tanto, não podia desperdiçar tanto conhecimento e tanta paixão. No escritório de Víctor Carmona e Costa, na Praça do Chile, transformou então uma sala em galeria. Começou a telefonar aos artistas e vieram os clientes. Conhecia toda a gente. E o corrupio tomou conta de todo o espaço. Era impossível o marido ter sossego para trabalhar quando chegava da fábrica ao fim do dia.

Ela saiu. Estávamos em 1987. Perto do moldureiro com quem trabalhava, estava a ser acabado um prédio novo com dois armazéns. Foi ver, gostou, comprou e abriu a Giefarte – Gabinete Internacional de Estudos e Financiamento de Arte, a galeria de que ainda hoje é proprietária, e por onde, mais uma vez, toda a gente passou, com direito a exposição, catálogo, e aquisição de obras. O desfile de artistas aumentou de ritmo, o mercado estava em alta, vendia-se, comprava-se em português. Maria da Graça sempre atenta. Atenta ao seu gosto pessoal e atenta a uma qualidade artística a fugir de convenções estabelecidas, criou um acervo de abrangências incríveis e um dos poucos capazes de demonstrar ao mesmo tempo uma visão autêntica e esclarecida de uma única pessoa. Os laços que foi estabelecendo com cada um dos artistas fizeram dela também uma colecionadora absolutamente sentimental, mas não tendenciosa. Cada artista é uno na sua história, na sua vida, na sua condição humana, não desenha ou pinta só, não esculpe só, não fotografa só, tem afetos e necessidades, tem rosto e corpo e família e amigos. Esta mulher vive na arte como na vida, com verdade. Com compaixão real e factual. Ajuda, dá a mão, ampara.

Autêntica mecenas, fez até hoje tudo o que pôde por várias gerações de artistas plásticos. Distribuiu valor. Deu, dá, dará. Recebeu? Duas medalhas de mérito cultural, a primeira dada pela Câmara Municipal de Lisboa, em 2016, a segunda atribuída pelo Ministério da Cultura, em 2018. Será suficiente? Para ela sim. Nunca pretendeu recompensa.

Ao seu lado, Víctor Carmona e Costa também ia colecionando, mas interessava-se sobretudo por artes decorativas, faiança portuguesa e porcelana chinesa. Frequentava leilões enquanto ela visitava galerias e feiras de arte contemporânea. Gostos que acabaram por se unir num único espaço com o mesmo propósito. Em 1997 constituíram a Fundação Carmona e Costa, que deu a Maria da Graça um novo impulso no seu trabalho. A divulgação e apoio dos artistas portugueses tomou fôlego e disparou com todo um conjunto de atividades que passaram a incluir a doação de bolsas (Bolsa Fullbright/Fundação Carmona e Costa para Mestrado em Belas-Artes-Desenho; Bolsa anual para um aluno do Ar.Co), a co-produção de exposições com as mais variadas instituições nacionais e o apoio à edição de catálogos através da Sistema Solar/Documenta, organização de ciclos de conferências, etc., etc., etc.. Listas de artistas apoiados, listas de artistas a apoiar, listas de pedidos de apoio, reuniões, almoços, jantares, inaugurações, visitas a ateliês, compras. Hugo Canoilas, Maria Capelo, Pedro H. Paixão, Rui Calçada Basto, Pedro Chorão, João Jacinto, Paulo Brighenti, Rui Moreira…

Autêntica mecenas, fez até hoje tudo o que pôde por várias gerações de artistas plásticos. Distribuiu valor. Deu, dá, dará. Recebeu? Duas medalhas de mérito cultural, a primeira dada pela Câmara Municipal de Lisboa, em 2016, a segunda atribuída pelo Ministério da Cultura, em 2018. Será suficiente? Para ela sim. Nunca pretendeu recompensa. De facto, a única recompensa verdadeiramente possível é a manutenção, a conservação desde património que juntou e que quer deixar como legado seu a este país, mas pelos seus artistas e pelos artistas que virão.

A sua vida, muito mais complexa do que possa parecer, foi rasgada pela morte do marido, em 2009, mas abençoada por Deus, o católico, em que sempre acreditou, e conta com muito mais gente lá dentro, com outras tantas causas ainda, conta com a sua atenção, com muitos atos arrebatados e arrebatadores, muito vigor, muito nervo, muita coragem, muita determinação, espírito e entrega total. Não poderá passar despercebida.

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