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Verónica veio de Kiev, Tatiana de Mykolaiv e Tania de Zaporijia. Histórias de quem fugiu para Portugal já a pensar no regresso à Ucrânia

Durante 4 mil quilómetros, da Polónia até Portugal, o Observador acompanhou a viagem forçada de vários ucranianos. Vêm em busca de paz e segurança, mas sempre com os olhos postos num regresso.

Veronica Myrhailyshyn tem 26 anos e arrasta uma pequena mala de viagem onde guarda uma vida inteira. É Miss Ucrânia 2020, mas a sua história é agora idêntica à de milhares de outros ucranianos — como Tatiana, Julia e Tania –, que por estes dias cruzam as fronteiras da Ucrânia com a Polónia, Roménia ou Moldávia. Homens, mulheres e crianças que fogem da guerra.

O Observador acompanhou algumas destas pessoas durante 4 mil quilómetros, da Polónia até Portugal, numa viagem forçada, em busca de paz e segurança. Mas sempre com os olhos postos no regresso: querem voltar em breve à Ucrânia para ajudar a reconstruir o país.

Veronica, a Missa Ucrânia 2020, teve medo: “Fugi para o metro”

Veronica vivia em Kiev. A postura esguia não esconde, dava aulas numa escola de modelos. Conta que estava na capital na madrugada em que começaram os bombardeamentos: “A minha reação inicial foi de medo. Fugimos para a estação de metro. O nosso prédio não tem qualquer bunker onde nos pudéssemos refugiar.” A modelo lembra ainda que naquelas primeiras horas do dia 24 de fevereiro a confusão era muito grande, ninguém sabia o que estava a acontecer. Mas percebeu a gravidade quando, ao regressar a casa, viu um míssil abatido pela defesa antiaérea: O cenário era de casas destruídas com muitas janelas partidas, afirma.

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Depois do primeiro impacto, Veronica ainda resistiu dois dias em Kiev

Depois do primeiro impacto, ainda resistiu dois dias em Kiev, mas acabou por optar fazer a viagem para  Ivano-Frankivsk, a cidade onde nasceu e onde tinha ainda família. “Nessa altura estavam a chegar helicópteros e carros de combate a Kiev”.

Mais tarde, saiu de Ivano-Frankivsk rumo a Cracóvia, na Polónia, depois de aquela cidade também ter sido alvo de bombardeamentos. Já não se sentia segura. Agora, com duas irmãs mais novas, está a cerca de 4 mil quilómetros de casa. Viajou para Portugal ao encontro de outra irmã que por cá vivia já. É com ela que vão ficar por agora, no Algarve, que já tinha visitado.

Não contém as lágrimas quando olha para o que ficou para trás. E para trás ficou um país em guerra, a Ucrânia. É para lá que quer regressar assim que conseguir, diz com a voz a tremer: “Pensamos que, assim que a Ucrânia ganhar esta luta, vamos voltar para o nosso país. Vamos reconstruir tudo o que foi destruído.”

Tatiana foi acordada por explosões: “Não percebemos logo o que era”

Entre a Ucrânia e Portugal separam-nos mais de quatro mil quilómetros. Fizeram a viagem pelos filhos, porque não os podiam sujeitar à violência das sirenes de alarme de ataque aéreo e dos bombardeamentos.

A história de Verónica, a modelo esguia e de olhar orgulhoso da terra onde nasceu, cruzou-se no caminho para Portugal com a de Tatiana Inokghyna. Esta ucraniana saiu de Mykolaiv com a filha Júlia, de 14 anos, e o cão no dia 24 de fevereiro, quando às 5 da manhã foi acordada por explosões. “Não nos apercebemos imediatamente do que estava a acontecer. No início pensámos que tinha rebentado alguma coisa na rua. Mas como continuámos a ouvir explosões repetidas, percebemos que era mais do que isso.”

O primeiro refúgio de Tatiana, da filha e do cão foi uma aldeia a 150 quilómetros de Mykolaiv

Nessa altura desatou a fazer telefonemas para conseguir mais informações. “Primeiro liguei para os meus pais. Queria saber se estavam bem.” Não queria sair da Ucrânia. O primeiro refúgio de Tatiana, na casa dos 50 anos, da filha e do cão foi uma aldeia a 150 quilómetros de Mykolaiv. “Ficámos em casa de familiares durante alguns dias. Depois percebemos que a guerra estava a chegar mais perto das nossas casas e optámos por sair do país. Em dois dias chegou à fronteira da Polónia, deixando para trás o marido, o pai, os amigos, os pais dos amigos de Júlia.

A adolescente Júlia também viu a vida e os planos dos seus 14 anos suspensos pela guerra que a obrigou a abandonar tudo. “De um momento para o outro apercebi-me que aquilo a que dávamos valor no fundo não vale nada. Quando chega a altura de fugir, deixamos tudo para trás.” Tem olhar confuso e mais perguntas do que respostas. A 4 mil quilómetros da guerra, do barulho das explosões e das sirenes, diz que as primeiras noites não dormiu muito tempo. “Continuo a dar voltas na cama e não consigo adormecer”. E também da sua garganta ecoa o mesmo pedido: “Quero que isto acabe o mais depressa possível para regressar ao meu país”.

Tania deixou para trás os pais. Olga foi acordada pela filha às 5h da manhã

Tania Torkovska, tem 39 anos e é cozinheira de profissão. Mas nos últimos tempos trabalhava numa bomba de gasolina em Zaporijia. Tinha acabado de chegar a casa quando começaram os bombardeamentos. Continuou ainda a trabalhar na gasolineira dois dias, ao som das sirenes. “Como não tinha outra hipótese, tive de ir trabalhar nos dias seguintes. Foi quando apanhei um susto durante os bombardeamentos. Nessa altura decidi sair da Ucrânia”. Viajou durante cinco dias de comboio com a filha menor. “No meu país deixei os meus pais e o meu filho, que tem 18 anos e não pode sair por causa da lei marcial” — que impede os homens entre os 18 e os 60 anos de sair.

Tania (esquerda) tinha acabado de chegar a casa quando começaram os bombardeamentos. Olga (à direita) teve de deixar o pai, com 90 anos, para trás

O pai de Olga tem 90 anos. Podia sair da Ucrânia mas já não está em condições de viajar. Olga Mandych, 55 anos, é esteticista e vivia em Kharkiv. Foi acordada pela filha, de 24 anos, às 5 da manhã de dia 24 de fevereiro. “Mãe, temos explosões à nossa volta”. Durante os primeiros dias ficaram em casa, com o pai de 90 anos. “Sempre que havia um alerta de bombardeamento íamos para o corredor da casa. Era o local mais seguro. Não descíamos para as caves, Vivíamos num prédio com 16 andares, se caísse, as caves podiam ser uma armadilha”.  Só dez dias depois do início da guerra é que resolveu sair da cidade onde vivia. Para trás ficou o pai, não tinha condições para viajar. “As bombas estavam a rebentar muito perto de nossa casa. Começámos a sentir o prédio a abanar e os vidros a partirem. Percebemos que tínhamos de ir embora.” E foram, primeiro para a Polónia, depois para Portugal, que não conheciam, à procura da paz e do mar.

“Sabíamos que o povo português tem um grande coração está disposto a ajudar. A Ucrânia é a minha alma. Agora tenho esperança que Portugal venha a ser o meu coração.”

Foram quase 400 os deslocados que chegaram no dia 19 de março, Dia do Pai, a Portugal, na caravana humanitária “Missão Ucrânia 13 Março 2022” — que o Observador acompanhou. Apesar da data, o retrato do grupo traça-se no feminino. No final de 8 mil quilómetros, ida e volta, Hugo Antão um dos empresários que esteve na organização e na execução desta iniciativa, montada em pouco mais de uma semana, não esconde o contentamento, por dar uma oportunidade nova a estas histórias. “O projeto começou oito dias antes de arrancar para a Polónia. Não somos profissionais nesta atividade humanitária. Começou com uma ideia. Foi uma semana muito intensa de planeamento. Conseguimos reunir apoio da sociedade civil para trazer 400 refugiados. Em Portugal estamos agora a procurar arranjar trabalho para que estas pessoas possam começar uma segunda vida, caso queiram ficar” (Pode acompanhar aqui este projeto).

A caravana humanitária “Missão Ucrânia 13 Março 2022”

Volodymyr está de regresso à Ucrânia, sem pensar no medo

Mas se nesta altura são muitas as pessoas que saem da Ucrânia, outros há que regressam. É o caso de Volodymyr Tymchyshyn, que não hesitou quando começou a guerra e foi contra a corrente. Quando muitos fugiam da guerra ele viajou de Portugal para a Ucrânia. “Deixei tudo e parti com o objetivo de ajudar a nossa população” É voluntário e transporta agora medicamentos para várias cidades ucranianas.

Cruzou-se com o Observador em Cracóvia, onde a caravana entregou 14 toneladas de ajuda humanitária que seguida de Lisboa. Volodymyr havia chegado de Kiev onde tinha ido entregar medicamentos a uma maternidade: “É nas crianças que está o nosso futuro.”

“Faço as estradas até Lviv, Kahrkiv, Kiev. Levo as coisas necessárias para os hospitais. Como tenho uma carrinha de sete lugares é mais fácil circular. É mais rápido do que com os camiões”. E medo? A resposta é dada com segurança: “Quando comecei tinha muito medo. Agora tento não pensar nisso. Claro que toda a gente tem medo. Mas não quero pensar”.

Desde que percorre todo aquele alcatrão, Volodymyr já se cruzou à noite com explosões e sirenes de ataque aéreo. “Quando isso acontece tenho de abandonar a carrinha e escondo-me em valas de esgoto e em buracos até que o perigo passe.” Os caminhos não são fáceis. Muitas das estradas estão cortadas e dentro das cidades há muitas ruas bloqueadas. Depois há os postos de controlo da milícia e dos militares ucranianos, “Eu tenho os documentos todos, tenho passaporte e tenho um documento do ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano que me permite entrar e sair do país.”

Quanto à guerra que atravessa todos os dias para ajudar a salvar vidas, Volodymyr não tem dúvidas: “Vai acabar, vai ficar tudo bem. O nosso futuro daqui a pouco vai ser a paz”.

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