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Lima Duarte, o matador que se recusa a matar, e Paulo Gracindo, o prefeito "Bem Amado" da fictícia Sucupira.
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Lima Duarte, o matador que se recusa a matar, e Paulo Gracindo, o prefeito "Bem Amado" da fictícia Sucupira.

Globo Internacional

Lima Duarte, o matador que se recusa a matar, e Paulo Gracindo, o prefeito "Bem Amado" da fictícia Sucupira.

Globo Internacional

"Vote num homem sério e ganhe um cemitério”. 50 anos de “O Bem Amado”, um cargo para a vida, uma novela para a história

Uma terra fictícia, um político corrupto à espera que alguém morra e um clássico da Globo, que em janeiro de 73 estreava a primeira novela a cores, com os eternos "Odorico Paraguaçu" e "Zeca Diabo".

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A semelhança no apelido tirava-lhe o sono. Pior do que isso, ameaçava roubar-lhe votos. “A imagem é o nosso capital. Como a novela vem alcançando altos índices de audiência, tenho razões para estar preocupado com a possibilidade de os eleitores me confundirem com o Odorico”, temia há meio século o deputado gaúcho do Movimento Democrático Brasileiro Aluisio Paraguassu, manifestando os seus receios em entrevista ao jornal O Globo. Vinte anos mais tarde, ao mesmo meio, o ator que deu vida ao ardiloso político que veio a governar a fictícia localidade de Sucupira, garantia que o sucesso levava a melhor sobre qualquer motivo de alarme: todos os prefeitos das cidades que visitava, durante e após a novela, queriam tirar uma foto ao seu lado, garantia Paulo Gracindo, “O Bem Amado” eterno.

Em 22 de janeiro de 1973, ainda sob ditadura militar, a TV Globo estreava a sua primeira telenovela a cores, uma pérola de teledramaturgia brasileira exibida até 3 de outubro desse ano, ao longo de 178 capítulos, ou a saga do líder tão adorado quanto corrupto, desonesto, e demagogo, numa crítica mordaz ao contexto nacional.

Para Odorico Paraguaçu, fazendeiro e maquiavel nordestino, o objetivo prioritário era a construção e consequente inauguração do cemitério local. Mas a sua vida complica-se à medida que a promessa eleitoral vai definhando. Ninguém morre em Sucupira e o balanço possível é, como diria o próprio, um “cemitério na sua virgindade defuntícia”. Os suicídios saem gorados, os tiroteios na praça são benignos, o médico teima em salvar o povo, os moribundos resistem com a força do aço, e nem o desejo de Zelão voar como um pássaro oferece asas a um desejado cortejo fúnebre. É preciso encomendar um serviço para que, por fim, se encomendem as almas. O prefeito manda regressar à terra um famoso matador, mas se os vivos já se recusam a morrer, imagine quando os assassinos se recusam a matar. Outrora preso injustamente, Zeca Diabo é um profissional arrependido, um reformado do crime que sonha ser cirurgião dentista, naquele que é um dos papéis da vida de Lima Duarte.

O prefeito que esteve para desistir do cargo antes de ser eleito

Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo, mais conhecido como Paulo Gracindo, começou por colorir com talento o tempo do preto e branco e, antes de mais, a era dourada da rádio. Nascido no Rio de Janeiro em 16 de julho de 1911, foi viver para Maceió ainda bebé, regressando ao Rio aos 20 anos para tentar a sorte no teatro. Ator, locutor, animador, compositor, poeta, estreou-se no pequeno ecrã com a novela “A Morta sem Espelho”, na TV Rio, em 1963, mas só com a entrada na Globo, em 1967, reforçaria o vínculo com a televisão, onde participou em programas de entretenimento como “Balança Mas Não Cai”, um sucesso pelo sketch Primo Rico, Primo Pobre. É já na década de setenta que regressa às novelas, agora no papel de Tucão, em Bandeira 2. No ano seguinte, chegaria o seu maior êxito, “O Bem Amado”. Em 1975, reencontrar-se-ia com a política, agora enquanto coronel Ramiro Bastos, em “Gabriela”, a novela de Walter George Durst a partir da obra de Jorge Amado.

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Recentemente, a vida cheia de Gracindo, “o eterno Bem-Amado”, foi recuperada pelo filho Gracindo Junior, juntamente com Mauro Alencar, num livro que conta com os depoimentos de nomes como Bibi Ferreira, Fernanda Montenegro, Eva Wilma, Paulo José, Lima Duarte, José Wilker e Arnaldo Jabor.

O velho coreto que serviu de palco aos inflamados discursos de Odorico, em Sepetiba, a localidade verdadeira que serviu de cenário à rodagem da novela.

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Se Paulo Gracindo admitiu, anos mais tarde, que este foi o seu desempenho mais bem conseguido, a verdade é que na altura preferia agarrar outro papel, o da Juarez Leão. Por uma unha negra não aconteceu a troca com Jardel Filho, o ator que faria de médico viciado em álcool, afogado em traumas, preocupado com o povo e natural adversário do pouco recomendável coronel Odorico.

Meio século depois, não é por acaso que a personagem se confunde ainda com o ator, que receberia o prémio especial do Primer Festival de La Telenovela en México. A novela também recebeu outras menções, como Melhor Direção (Régis Cardoso), Melhor Adaptação (Dias Gomes), Melhor Música (Toquinho e Vinicius de Moraes) e Melhor Realização de Exteriores. Em 1974, O Bem-Amado recebeu o Troféu Imprensa, na categoria Melhor Novela.

Se ainda hoje inspira culto, o número de estudos e teses que analisam o seu legado e impacto cultural não lhe ficam atrás. Da construção discursiva à análise das estratégias da “farsa sociopolítica”, sem esquecer esse “nacional popular” que atravessa toda a obra de Dias Gomes e da telenovela brasileira. Odorico chegou mesmo a ser citado em tribunal, não em Sucupira mas em Coronel João Sá, com um antigo prefeito a classificar o delegado de polícia de “lástima” durante um discurso de inauguração de uma obra, por causa dos crimes por resolver no município. Ao analisar o caso, um juiz evocou o personagem Odorico Paraguaçu, de “O Bem Amado”, que “não utilizava as suas frases (…) para ofender à honra ou a imagem das pessoas, como fez o demandado”.

Entre o palco e o ecrã, do arranque tímido ao “Sucupiragate”

À imagem da tintura preta no cabelo e dos fatos aprumados do prefeito Odorico, juntar-se-ia uma restante galeria de personagens não menos notáveis e de boa memória, entre adjuvantes e opositores de Paraguaçu. O nervoso secretário Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz), a filha Telma (estreia de Sandra Bréa em novelas), inimigos como Vigário (Rogério Fróes), a delegada Donana Medrado (Zilka Sallaberry) ou Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono do jornal local A Trombeta. E ainda o cúmplice trio de irmãs Cajazeiras a quem Odorico promete casamento sem que qualquer uma desconfie que o noivo se relaciona com as restantes.

“A composição do Zeca Diabo foi gostosa. Foi feito de forma visceral. O Dias Gomes disse: ‘Olha, você vai fazer um papelzinho aí. É um cangaceiro que vem para matar e não mata’. Um cangaceiro que não mata? Como realizar isso, como expor isso com o meu corpo? O matador que não mata é uma vítima de uma estrutura social viciada. Ele é cheio de impulsos generosos, uma pessoa tão carinhosa. Ele é fundamentalmente um bom filho, temente a Deus”, recordou ao Globo Lima Duarte, que decorava e improvisava texto com Paulo Gracindo.

Ida Gomes, Dirce Migliaccio, Dorinha Duval, Emiliano Queiroz, e Milton Gonçalves, alguns dos nomes do leque de atores da versão original.

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Lima Duarte acusava então no curriculum um trabalho que não trouxera o êxito esperado. Contratado pela Globo em 1972, vindo da TV Tupi, para dirigir “O Bofe”, encontrava-se em fim de contrato quando “O Bem Amado” entrou em cena, agarrando um personagem pensado para uma exposição modesta mas que foi crescendo e garantiu a presença no ecrã até ao cair do pano, tamanha a popularidade. Zeca Diabo fora criado por Dias Gomes em 1943, 30 anos antes de se tornar personagem de novela. A peça, com o mesmo nome, foi encenada no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, com Procópio Ferreira como protagonista.

Em 2021, com a chegada da novela à plataforma de streaming do canal, Lima Duarte defendia à Folha de São Paulo que o enredo perdura até hoje no imaginário popular, apesar de boa parte do elenco original já ter morrido. “Espero que tenham ficado aqueles momentos em que o Brasil é Brasil e em que nós denunciamos que o Brasil é aquele Brasil”, desejava, acreditando que de alguma forma tenha passado no teste do tempo.

A trama foi adaptada ao ecrã a partir da obra do baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes, ou simplesmente Dias Gomes, romancista, dramaturgo, autor de telenovelas e membro da Academia Brasileira de Letras, que em 1962 escrevera, de forma apressada, “Odorico, o Bem Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte”, uma encomenda de Flávio Rangel, à época diretor do Teatro Brasileiro de Comédia. A peça só chegaria ao público no ano seguinte, publicada pela revista Cláudia, da editora Abril, na sua edição de Natal. Em 1964, no rescaldo do golpe militar, um exemplar dessa publicação foi parar às mãos de Benjamim Cattan, então diretor e produtor do programa TV de Vanguarda, da TV Tupi de São Paulo, que haveria de granjear permissão para gravar o texto numa versão para TV, obra emitida em junho desse mesmo ano.

A peça foi encenada pela primeira vez em abril de 1969, pelo Teatro de Amadores de Pernambuco, no Teatro Santa Isabel de Recife, agora com o título “Odorico, Bem Amado ou Uma Obra do Governo”. Em 1970, nos palcos do Rio de Janeiro, seria Procópio Ferreira a encarnar Odorico Paraguaçu. Cinco anos volvidos, a versão definitiva e autorizada da peça foi publicada em livro. Título? “O Bem Amado, Farsa Sócio Política-Patológica”. Em 1977, com o selo da editora Bells, de Porto Alegre, seria lançado o volume “Odorico, O Bem Amado”.

Depois da novela dos anos 70, a prosa exímia voltaria a inspirar a série com o mesmo nome transmitida entre 1980 e 1984, de novo com a prestação de Gracindo, com o prefeito a correr mundo, rumando por exemplo a Washington DC para falar com o presidente Reagan e tentar pôr termo à guerra do Vietname. Aliás, Dias Gomes não se restringiu à realidade brasileira para criar a trama de “O Bem Amado”. O escândalo político Watergate, que marcou os EUA no ano anterior à exibição da novela, inspirou o “Sucupiragate”. Na versão de Sucupira, Odorico é acusado de espionagem por mandar instalar um microfone no confessionário da igreja, a fim de destapar os segredos dos  inimigos.

Até ao fim da sua vida, em 1995, aos 84 anos, Paulo Gracindo haveria de cultivar a parceria com o escritor. Depois de “Bem Amado” seguir-se-ia Sinal de Alerta (1978/79), Roque Santeiro (1985/86), Expresso Brasil (1987), Mandala (1987/88), e Araponga (1990/91).

“O Bem Amado” foi reapresentado num compacto de uma hora e meia, em março de 1980, como atração do Festival 15 anos. Em 2007 voltou ao teatro e já em 2010, chegaria a longa-metragem “O Bem Amado”, agora com Marco Nannini no papel de prefeito e José Wilker como Zeca Diabo.

O desafio da cor e o regresso à vida a preto e branco

Com direção de Régis Cardoso e supervisão de Daniel Filho, a produção da novela que arranca em 73 trouxe consigo o inédito desafio da cor, introduzindo outra dinâmica nas gravações. Um trabalho de tal forma exaustivo que Paulo Gracindo esteve para abandonar o barco mesmo antes deste zarpar. “Cheguei na direção da Globo com um atestado médico nas mãos e fui avisando: ‘Se vocês não me derem uma licença atendendo a este atestado, em receberão outro, só que de óbito, pois vou morrer de exaustão’”, chegou a desabafar naquela época. O novo método implicava mais tempo de adaptação às condições do que o habitual em preto e branco, com os problemas de iluminação a contribuírem para a repetição de cenas e aumento da carga horária.

“No primeiro dia em que fomos gravar em Sucupira, as irmãs Cajazeiras tinham que atravessar a pracinha. Não podia ser porque a perna delas era muito branca e ficava um cometa! Mandaram maquilhar as pernas, botar uma base bem escura para elas poderem entrar”, recorda Lima Duarte. Não era só a brancura excessiva que saturava no vídeo. Emiliano Queiroz não podia usar óculos para o seu Dirceu por causa do reflexo das lentes. Providencial seria a decisão de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então superintendente da emissora, que determinou a utilização de tons pastel, proibiu ricas e xadrez e cores berrantes.

Inicialmente, apareceria apenas em poucos episódios mas o sucesso de "Zeca Diabo" (Lima Duarte), contratado pelo prefeito Odorico (Paulo Gracindo) granjeou-lhe vida larga na novela.

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A introdução da cor não trouxe apenas entraves, também abriu uma paleta de possibilidades. O figurino não perdeu a extravagância por completo. Basta pensar nos excêntricos chapéus das irmãs Cajazeiras, ou no tom de cabelo do vigarista Jairo (Gracindo Jr., filho de Paulo Gracindo), que acabaria por se render ao laranja para compor o personagem.

Quando a novela passou a integrar o catálogo do Globo Play, reavivou-se a nostalgia através de uma série de artigos. Alguns recuperaram o antigo cenário onde decorreram as gravações. Sucupira, esse destino inventado algures no litoral da Bahia, era afinal Sepetiba, a cerca de 70 quilómetros do centro do Rio de Janeiro, então postal paradisíaco que com o tempo perdeu o charme. Se alguns moradores mais idosos talvez ainda se lembrem de terem participado como figurantes, marcos como o velho coreto que serviu de palco aos inflamados discursos de Odorico, desapareceram em meados dos anos 80.

Com a presidência de Jair Bolsonaro e os efeitos da Covid-19 em pano de fundo, outros textos sublinhavam o tom premonitório da saga. Além do registo e dos métodos pouco ortodoxos na governação, uma pandemia de tifo varre a cidade de Sucupira, enquanto o prefeito esfrega as mãos por cadáveres e reza para que as vacinas não cheguem às mãos de um médico empenhado em curar.

Já este ano, “um dos clássicos mais incensados do teatro e talvez por isso pouco montados do teatro brasileiro”, regressava aos palcos pela “atualidade do contexto político”.

Do “corpo emprestado” ao dedo da censura

Autor de vários sucessos adaptados à TV, o realismo irreverente de Dias Gomes não ficou imune ao crivo da censura. Na obra “Herói Mutilado”, a jornalista Laura Mattos reconstitui o trajeto de uma das mais ceifadas, “Roque Santeiro“, outro clássico, primeiro alvo dos censores como peça de teatro, em 1965, depois na sua primeira encarnação como novela, em 1975, e dez anos depois, com os militares já em debandada, ainda submetida a cortes.

Se os primeiros meses de exibição de “O Bem Amado” são de algum desafogo, chegados a julho de 1973 a novela via censurada no guião a palavra “coronel”. Também termos como “ódio”, “capitão” ou “vingança” haveriam de forçar a equipa de produção a usar da borracha sobre textos e áudios, ao longo de alguns capítulos.

Por pouco "Odorico" não trocou de papel com "Juarez Leão": Gracindo preferia ter sido o médico, defensor do povo e adversário do pouco recomendável prefeito

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A investigação de Laura Mattos, que mergulha em cerca de 2 mil páginas de documentos oficiais produzidos durante a ditadura – além do acervo pessoal de Dias Gomes, que inclui cartas e um diário até então inédito – expôs ainda algumas curiosidades sobre “O Bem Amado”, a começar pelo facto do autor se ter inspirado em acontecimentos reais, registados no começo do século passado em Guarapari, um município brasileiro no litoral do estado do Espírito Santo, Região Sudeste do país. Gomes baseara-se numa crónica publicada no Diário Carioca por Nestor de Holanda que enquadrava este episódio.

Em 1906, o prefeito Juca Brandão decidiu construir um cemitério e também ele se deparou com a inexistência de óbitos. De tal forma que a obra seria apenas inaugurada em 1916, quando Brandão já não se livrava da má fama de ter desviado fundos dos cofres públicos. Os procedimentos seguidos foram no entanto mais brandos que o estratagema de Odorico Paraguaçu. Brandão contou com a boa vontade de um “corpo emprestado” – o cadáver de uma andarilha sem identificação, que devia ser enterrada em Benevente, atual Anchieta, seguiu para Guarapari. Em 1975, agora com Hugo Borges ao leme dos destinos locais, foi construído um novo cemitério, o São Tobias, pronto para render um São João Batista sobrelotado. A festa da inauguração contou com milhares de pessoas, entre elas Paulo Gracindo, que ainda colhia os louros e fama do seu prefeito, motivo aliás que justificou o convite, mais do que a ligação da trama à localidade. “Não sabia que a história tinha sido inspirada aqui. Naquele tempo ele era um dos artistas mais renomados do país”, contou Borges em entrevista a Rádio CBN, em 2010.

No ecrã, julgando cumprir a “promessa feita há dez anos e retardada em razão da recessão necrofílica que assolou a nação Sucupirana”, Odorico inaugura o cemitério segundo a mesma fórmula: com um bêbedo desviado de outra terra. Na verdade, não calcula (alerta spoiler), que será ele próprio o primeiro cadáver a descer à terra, com o patrocínio de Zeca Diabo, o carrasco que o enfrenta e mata. “Sou um jornalista frustrado, me sinto com o Odorico como um jornalista que diz coisas, que diz inconveniências, ferindo pessoas, principalmente políticos brasileiros, é a minha forma de fazer oposição nacional, opositor nato”, diria Gracindo sobre o papel.

Nem de propósito, o perfil do personagem Odorico Paraguaçu começou a ser traçado a partir de duas figuras. Por um lado, decalcando a verborreia e o estilo do vereador Deoclésio Borges, que terá discursado nessa inauguração em Guarapari. Por outro, recuperando o jornalista e deputado Carlos Lacerda, que por várias vezes apontou a arma da perseguição política ao comunista Dias Gomes, como explica José Dias, autor de “Odorico Paraguaçu, o Bem-Amado de Dias Gomes: História de um Personagem Larapista e Maquiavelento” (coleção Aplauso, Imprensa Oficial).

A maior criação na área de interpretações para televisão é o Odorico Paraguaçu”, sentenciava Lima Duarte num programa que assinalou o centenário do antigo colega, em julho de 2011, recordando ainda a forma como compôs o seu Zeca. “Fui aos figurinos e disse “deixe estar, eu arranjo umas roupas velhas”. Fui a um velho tintureiro velho e perguntei se alguém tinha deixado por ali alguma roupa que não foi buscar”. Assim foi. Mais tarde, de passagem por um churrasco, e pelo conteúdo de uma bagageira de um carro, encontraria o chapéu certo para o de matador. “Essa história do matador que não mata ficou-me na cabeça. Fez tanto sucesso que não conseguiram tirar da novela.”

A banda sonora, as frases orelhudas e o som do sucesso no estrangeiro

Toquinho e Vinícius de Moraes, a quem a banda sonora foi encomendada, integram os créditos de um conjunto de canções de luxo, que vive muito para lá da ficção, a começar pelo genérico da telenovela, “Paiol de Pólvora”, ele próprio alvo de ingerência e forçado a remodelação. Compuseram especialmente 11 temas. Em 2001, a Som Livre relançou a versão nacional, em CD, na coleção Campeões de Audiências, que revisitava 20 canções históricas das telenovelas até 1988, que nunca tinham sido editadas em CD. Nos anos 70, surgiria ainda uma gravação a pensar no auditório internacional.

Tão ou mais presentes no ouvido popular terão ficado as inúmeras tiradas de um prefeito adorado apesar de todos os seus defeitos. Um verdadeiro “Odoriquês” composto por tiradas como: “Botando de lado os entretantos e partindo para os finalmentes”, “Esta obra entrará para os anais e menstruais de Sucupira e do país”, “Isto deve ser obra da esquerda comunista, marronzista e badernenta”, “Calunismos. Eu também sou meio socialista. Não da ponta esquerda… do meio de campo, caindo pra direita!”, “O senhor não vai matar, vai suicidar o homem apenasmente…”, “É com a alma lavada e enxaguada que lhe recebo nesta humilde cidade”.

A complexidade do discurso, espelho e sátira do famoso “enrolês” da classe política, marcava as frases que ainda hoje alguns citam, sem esquecer a ascensão de “democratura”, “donzelas praticantes”, ou “talqualmente”. Também bem presente ficou a frase repetida pelo narrador na apresentação das cenas dos próximos capítulos da novela: “Só fala quem sabe. Não vale promessa. Pague pra ver. A vida é um jogo, um quebra cabeça. O Bem Amado”.

Segundo o ator Gracindo Júnior, filho de um bem humorado Paulo Gracindo e intérprete do personagem Jairo na mesma novela, o pai tinha a liberdade de interferir no texto de Dias Gomes, contribuindo para a cacofonia que fez escola.

Os neologismos fizeram as malas e partiram à descoberta de outros solos e públicos. Se até então apenas se comercializavam para fora textos, “O Bem Amado” foi a primeira novela da Globo a ser exportada. Em março de 1976, a Tv Monte Carlo exibia em Montevideu o primeiro capítulo de “El Bien Amado”, e o lastro pelo continente americano não ficaria por aqui. O conteúdo foi distribuído por 30 países, incluindo os EUA. Em 1977, só a Venezuela não assistia ao sucesso televisivo. A entrada no mercado europeu acontecia via Portugal, onde “O Bem Amado” passaria a partir de 1984.

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