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O que é a neutralidade da rede?

Neutralidade da rede ou Internet Neutra é o princípio que garante que as operadoras de telecomunicações que disponibilizam o serviço de acesso à Internet não podem discriminar o acesso a conteúdos. Ou seja, devem tratar todo o tráfego online como igual. Estas são as regras que fazem com que a Internet não seja como a televisão, que delimita o acesso a alguns canais consoante o pacote que se paga.

Sem a neutralidade da rede, as operadoras que disponibilizam o acesso à Internet podem vender pacotes que cobram mais para os utilizadores acederem a certo sites em detrimento de outros. Num cenário sem neutralidade da rede, se fizer uma pesquisa no Google e a hiperligação não estiver do site que quer visitar não estiver incluída no seu pacote não vai poder aceder.

Este princípio também garante que as operadoras disponibilizam o acesso a todos os sites com igual velocidade. Sem estas regras passaria a ser possível que um serviço como o Netflix fosse mais rápido nalgumas operadoras do que noutras.

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O que é que aconteceu esta quinta-feira nos EUA?

Esta quinta-feira a FCC, autoridade reguladora para as comunicações americana, votou a favor do fim da neutralidade da rede nos Estados Unidos da América com três votos a favor e dois contra. A legislação que regia as empresas de telecomunicações tinha sido aprovada em 2015, durante o mandato de Barack Obama, mas as mudanças na Casa Branca chegaram também à FCC.

O novo presidente da entidade reguladora, Ajit Pai, é uma das vozes que mais se manifesta contra a neutralidade da rede. Com a votação desta quinta-feira, se não houver contestação que reverta a decisão, as operadoras de telecomunicações norte-americanas passam a poder vender pacotes de Internet que permitem o acesso a apenas alguns conteúdos da rede.

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Até esta quinta-feira, quais eram as normas que regulavam a neutralidade da rede?

A Internet pode ter quebrado muitas fronteiras e criado o primeiro espaço global de comunicação, no entanto, as regras que a regulam são diferentes de país para país. Apesar de Portugal ter normas próprias, o principal documento que regula a matéria é o regulamento (UE) 2015/2020, que foi amplamente discutido na União Europeia e aplaudido por salvaguardar o princípio da neutralidade da rede.

Apesar de permitir exceções ao próprio conceito (é aqui que se insere a questão dos pacotes de dados móveis portugueses que geraram polémica em novembro), tem sido a salvaguarda jurídica para impedir que as operadoras mudem os pacotes de acesso à Internet.

Nos EUA, a questão da neutralidade da rede tem vindo a ser debatida há mais de uma década. A questão tem a ver com a forma como as operadoras que fornecem o serviço de banda larga são designadas. Desde 2015 que pertencem ao Título II do “Telecommunications Act”, ou seja, são tratadas como operadoras de telecomunicações e por isso sujeitas a um maior controlo das autoridades reguladoras e da própria lei. Isto impede que exerçam práticas que permitam desacelerar ou impedir o acesso a conteúdos.

As operadoras que fornecem o serviço de banda larga nos EUA foram designadas dentro do Título II depois de terem surgido várias questões jurídicas relacionadas com a forma como estavam a ser tratadas legalmente e de a FCC (autoridade reguladora de telecomunicações americana) ter reconhecido a Internet como bem de utilidade pública.

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O que é a FCC?

Federal Communications Comission (Comissão Federal para as Comunicações, em português), é a autoridade reguladora americana para as comunicações, equivalente à ANACOM em Portugal. É liderada por cinco comissários nomeados pelo presidente dos Estados Unidos da América. Dos cinco, um é o presidente.

Desde janeiro de 2017 que o presidente da comissão é Ajit Pai, nomeado por Donald Trump. A nomeação de Pai foi alvo de diversos protestos por parte de quem defende os princípios jurídicos da neutralidade da rede. Pai, que já tinha sido comissário da FCC, tem sido um dos principais opositores da neutralidade da rede nos últimos anos.

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Por que é que a FCC quis alterar as regras da neutralidade da rede?

Segundo Ajit Pai, o atual presidente da FCC, a alteração à lei vai servir para “restaurar a liberdade da Internet”, porque a alteração jurídica que envolveu a classificação das operadoras de banda larga condicionou o mercado e impede a inovação.

Pai afirma que o consumidor tem o direito de escolher o serviço que melhor se adequa a si, desde que haja transparência. Para o presidente da FCC, com as alterações de 2015, a intervenção do Estado na regulação “é excessiva” e o mercado vai conseguir oferecer um acesso à Internet melhor e mais justo sem as atuais condicionantes legais.

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O que muda se as operadoras passarem a estar incluídas no Título I e não no II?

Se as operadoras que disponibilizam o acesso à Internet ficarem sob a tutela do Título I do Telecommunications Act (e não do II), a FCC passa a ter menos poder na regulação das operadoras americanas. Com esta alteração, as operadoras norte-americanas passam a poder distinguir os pacotes de acesso à Internet, restringindo alguns conteúdos. O acesso à Internet de igual forma para todos os utilizadores passa a estar nas mãos destas empresas.

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Quem apoia o fim da neutralidade da rede?

Além de Ajit Pai, há mais dois membros da FCC a apoiar esta medida. A neutralidade da rede tem dividido os democratas e os republicanos, com os primeiros a favor do princípio (por acreditarem que o mercado fica mais justo) e com os últimos contra, por significar uma maior intervenção do estado no mercado.

Contudo, os grandes apoiantes do fim da neutralidade da rede são as operadoras de telecomunicações americanas, como a Verizon e a Comcast, porque acreditarem que estas normas condicionam a forma como disponibilizam produtos.

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Quem é contra?

Além de a larga maioria dos representantes do partido democrata (e alguns membros do partido republicano) se oporem a esta medida, há várias personalidades e empresas tecnológicas a seguir o mesmo caminho. A Amazon, a Google e o Facebook manifestaram-se contra as alterações à atual legislação, porque acreditam que podem distorcer a forma como a Internet é utilizada e sectarizar o acesso.

As principais redes sociais, como o Reddit e o Twitter, têm sido reflexo desta oposição e têm concentrado inúmeras críticas à FCC e ao atual presidente.

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Quando entram em vigor as alterações à lei nos EUA?

A alteração foi votada esta quinta-feira pela maioria republicana da FCC, contudo as expectativas apontam para que a decisão seja contestada nos tribunais norte-americanos pelos opositores.

Caso não haja reverso na decisão, o fim da neutralidade da rede entra em vigor 60 dias após a votação desta quinta-feira. Espera-se também que os congressistas, principalmente os democratas, apresentem ao congresso norte-americano uma legislação para contornar esta alteração e salvaguardar a neutralidade da rede. Se isto acontecer, a decisão da FCC pode ser revertida, tendo em conta o número de republicanos que apoia a neutralidade da rede desde o anúncio da votação.

No entanto, a partir do momento em que esta alteração for publicada, as empresas que disponibilizem serviços de acesso à Internet terão de ser transparentes quanto às ofertas de pacotes que disponibilizam nos EUA.

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O que é que isto implica para Portugal?

Como Portugal é regido pelas normas europeias nesta matéria, para já, a alteração norte-americana não tem impacto na realidade portuguesa. Até à data, não há indícios de que a União Europeia queira seguir o exemplo dos EUA. No entanto, os sites com maior tráfego online, como o Facebook ou o Twitter podem ser afetados por possíveis mudanças no mercado americano, mas todos os cenários são complexos de prever. É preciso esperar primeiro para ver como esta alteração modificará a Internet nos Estados Unidos da América.