Se se pesquisar na Wikipédia os termos neutralidade da rede ou zero-rating, na maioria dos idiomas, Portugal é mencionado. Porquê? Apesar de o país estar protegido pelas regras europeias sobre a internet neutra, em 2017 foi mencionado como “mau exemplo” devido um tarifário da Meo, durante o aceso debate nos EUA que reduziu a regulação para as operadoras norte-americanas. Agora, na primeira visita a Portugal, esta quinta-feira, a cara desta mudança, Ajit Pai, presidente da FCC (a ANACOM dos EUA), afirmou que tem “muita dificuldade em perceber” como é que táticas comerciais de zero-rating podem prejudicar os consumidores.

Tenho muita dificuldade em perceber como é que os consumidores acham que receber uma coisa de graça é, de alguma forma, uma violação de alguma lei ou princípio de proteção dos consumidores”, afirmou Ajit Pai numa reunião com jornalistas, esta quinta-feira, na embaixada dos EUA, em Lisboa.

Os tarifários zero-rating eram disponibilizados pela Meo [agora Altice], Nos e Vodafone. Após esgotar o plafond mensal, o consumidor podia adquirir, por um preço mais barato, um aditivo para aceder apenas a um conjunto de aplicações específicas (como o YouTube, Spotify ou Facebook). Se quisesse aceder a todos os conteúdo online, o preço seria superior. Por isso, a ANACOM, em fevereiro de 2018, afirmou que estas ofertas violavam os princípios da neutralidade da rede e eram penalizadores para os consumidores e para o mercado.

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Segundo o responsável norte-americano para as telecomunicações, o fim das regras impostas a priori sobre a neutralidade da rede nos EUA melhorou as ofertas de pacotes de dados no país. “É uma parte importante para as empresas distinguirem-se entre elas ao dizerem: vou oferecer-vos música, ou vídeo ou qualquer outra aplicação isenta de qualquer limite”, disse Pai. Sobre o facto de estes pacotes mudarem a forma como se acede a conteúdos na internet, Pai afirma que foi esta mudança que permitiu que as principais operadoras “ofereçam agora planos com dados ilimitados”.

Acho que foi notável que, durante a campanha [para mudar as regras sobre a neutralidade da rede], quando Portugal foi citado, muitos dos argumentos tenham sido refutados. Essa foi apenas uma opção oferecida por uma operadora portuguesa e Portugal estava a operar segundo as regras da neutralidade da rede europeias. Acho que o argumento de que a nossa internet se vai tornar como a que há em Portugal, não é, de todo, verdadeira” disse Pai.

Depois das regras americanas terem mudado, este tarifário da Meo foi um dos sancionados pela ANACOM em fevereiro, além de outros pacotes que seguiam a mesma tática comercial.

Mas o que é exatamente a neutralidade da rede? Imagine uma Internet que funciona como a televisão, em que se paga por acesso a mais canais premium. Encontrou um site no Google que o vai ajudar naquela pesquisa? Não pode aceder, devia ter pago o pacote plus que permite acesso a outros sites que não os pré-definidos pela operadora.

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Ao não obrigar as operadoras a cumprir estes princípios, como a ANACOM faz em Portugal, por imposição da lei europeia, nos EUA estas podem passar a fazer isso. Desta forma, legalmente, uma empresa de telecomunicações poderia tornar mais lento o acesso a uma plataforma de streaming, como o Netflix, para beneficiar a sua plataforma de vídeo.

Agora, as quatro principais operadoras de telecomunicações de internet oferecem planos ilimitados de dados, por causa desta competição. Já não competem só sobre o preço, mas também pelos serviços. Isso é muito melhor para os consumidores do que o governo ditar o que eles podem fazer”, defende Pai.

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Ajit Pai defendeu que o resultado da mudança legislativa em 2017, em relação ao que estava antes de a administração de Barack Obama ter imposto mais regras às operadoras em 2015, não criou um cenário “apocalíptico”. Na sequência de casos em que a fiscalização a posteriori mostrou que havia casos de desigualdade de tratamento no acesso a conteúdos, a lei norte-americana mudou em 2015 para dar mais proteção aos consumidores. Contudo, Pai diz que “agora há um conjunto de regras bastante transparente que obriga os operados de telecomunicações de internet — grandes e pequenos — a dizerem ao público e à FCC um conjunto de regras de práticas”, sobre os tarifários que oferecem.

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Pai disse ainda que “não faz sentido que uma parte da internet, os operadores, operem sob legislação pesada enquanto outros, como o Facebook e a Goole, têm um livre passe”. O presidente da FCC diz que a entidade está a trabalhar com o Congresso norte-americano para instituir mais regras a estas empresas.

Ajit Pai está em Portugal, a participar numa delegação que tem reuniões marcadas com vários líderes governamentais e empresariais Portugueses, incluindo representantes da ANACOM, o Ministério das Infraestruturas, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em cima da mesa estão o futuro das infraestruturas 5G e os receios relativamente a empresas que oferecem a tecnologia, mas que são vistas pelos EUA com desconfiança, como a Huawei.

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