Uma fotografia antiga da Torre de Belém tão banhada pelo rio Tejo como atualmente está a ser instrumentalizada numa publicação no Facebook para desvalorizar a subida do nível médio da água do mar. “Para os histéricos da subida do nível do mar, eis a Torre de Belém em 1900”, provoca o autor da publicação, efetuada a 22 de setembro. Acontece que a fotografia não contraria as evidências de que o nível da água do mar está realmente a subir à conta do descongelamento das calotes polares.

Quando foi construída, entre 1514 e 1521, depois de o rei D. Manuel I ter dado luz verde ao projeto previsto por D. João II, o arquiteto Francisco de Arruda construiu a Torre de Belém no cimo de um afloramento rochoso de basalto que existia nas proximidades da margem norte do rio Tejo, mesmo em frente à antiga Praia do Restelo, hoje em dia ocupada pelo Jardim da Praça do Império. Ao mesmo tempo construía-se também, ali perto, o Mosteiro dos Jerónimos. Nessa altura, a Torre até ficou cercada pela água.

É isto que explica a Direção-Geral do Património Cultural, que na sua página oficial ainda recupera um texto de Damião de Góis, publicado algures entre 1566 e 1567, chamado ” Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel”, que retrata a relação entre os dois monumentos:

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Defronte deste edifício mandou el-Rei fazer a torre de S. Vicente, que se chama de Belém, fundada dentro na água, para guarda deste Mosteiro, e do porto de Lisboa, edifício que ainda que em si não seja grande em quantidade, contudo a estrutura dele é magnífica. A qual torre se vela de noite, e de dia, de modo que nenhuma vela pode passar sem ser vista, e obedece as salvas que lhe dela fazem com a artilharia”.

Já depois da construção, e segundo o Turismo de Portugal, a Torre de Belém deixou de estar banhada pelo Tejo, passando a estar “amarrada à margem” direita do rio, por causa de um “deslocamento progressivo do curso do rio ao longo dos anos”, mas também por causa da diminuição no volume de água doce que desce o rio em direção ao mar, como explicou o investigador da história local Fernando Freire, que também é o autarca reeleito do concelho de Vila Nova da Barquinha.

Ora, que a Torre de Belém já esteve completamente dentro de água, é verdade. Que já não está e que o nível de água apresentado quando esta fotografia foi captada é aparentemente semelhante ao verificado atualmente, também o é. Mas a aparente estagnação do nível do mar numa determinada localização, e em dois momentos específicos, não serve para sustentar a ideia de que o nível do mar, afinal, não está a subir.

Num outro artigo redigido pelo Observador, Francisco Ferreira, presidente da Associação Ambientalista Zero, professor no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, sublinha que há um consenso na comunidade científica sobre a subida do nível do mar: 60% dela é provocada pelo degelo das calotes polares e 40% pelo aumento de volume do oceano à conta da subida da temperatura (expansão térmica).

Fact Check. Nível de água junto à Estátua da Liberdade desmente o argumento de subida do nível do mar?

Além disso, prossegue o especialista, a comparação entre duas imagens — uma tão antiga como esta e uma mais recente — não basta para tirar conclusões: “Até pode existir um ano em que a maré foi muito mais alta do que o normal, mas é preciso olhar para a tendência ao longo das décadas porque, sem essa leitura, pode existir uma interpretação falsa da informação”, disse Francisco Ferreira, em entrevista ao Observador.

Ou seja, nada disto serve para contrariar a subida do nível médio da água do mar. É que, de acordo com o Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), “a superfície do mar não está a mudar à mesma taxa em todos os pontos do globo”: “O aumento do nível do mar em locais específicos pode ser maior ou menor do que a média global devido a muitos fatores locais”, prossegue a explicação, como a subsidência, correntes oceânicas, variações na altura do terreno ou se ele ainda está a recuperar do peso compressivo das calotes que existiam na Idade do Gelo, por exemplo. Certo é que, em média, o nível da água do mar no globo está mesmo a aumentar. E a aumentar cada vez mais depressa.

Quanto à fotografia, sabe-se que ela terá de ser anterior a 7 de junho de 1950 porque as duas chaminés da Fábrica do Gás ainda estão de pé, tendo sido demolidas nessa data.

Conclusão

É falso que uma fotografia antiga da Torre de Belém banhada pelo mesmo nível da água do mar que se observa habitualmente na atualidade contrarie a sua subida. Há um consenso científico em como o nível médio da água do mar em todo o planeta está a aumentar, mas isso não está a acontecer ao mesmo ritmo em todos os pontos costeiros do globo porque há vários fatores que podem acelerar o fenómeno num lado e retardá-lo noutro.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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