Circula nas redes sociais uma publicação que alega denunciar uma suposta “propaganda” levada a cabo pela Palestina. “MILAGRE EM GAZA: a mesma criança se salvou de 3 bombardeios diferentes em 3 lugares diferentes!!!”, lê-se na publicação, que procura desvalorizar a ação militar de Israel contra a Faixa de Gaza, acusando os palestinianos de propaganda. “Bem vindo à propaganda Hipócrita Fakestina.”

A mensagem é acompanhada de uma fotomontagem que junta três imagens em que é possível ver a mesma criança, vestida com a mesma roupa, a ser carregada ao colo por três homens diferentes num cenário de grande destruição.

Outras versões da mesma publicação consultadas pelo Observador repetem com ironia a fórmula “milagre em Gaza”, e acrescentam considerações como: “O que é mais triste do que ver uma criança nesta situação, é vê-la sendo usada depois de tanto sofrimento. Bem-vindo à propaganda palestina.”

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O grupo extremista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou um ataque terrorista contra o território israelita no dia 7 de outubro. Estima-se que tenham morrido cerca de 1.200 pessoas nesse ataque, em que o Hamas raptou mais de 200 cidadãos israelitas, que ainda mantém sob cativeiro em Gaza.

Desde esse dia, Israel deu início a uma guerra de retaliação contra o Hamas na Faixa de Gaza que, de acordo com os números mais recentes da ONU, já matou mais de 10 mil pessoas, incluindo mais de quatro mil crianças.

O tom das várias publicações que usam a fotomontagem é o mesmo: a sugestão de que os relatos que chegam da Palestina são apenas encenações que fazem parte de uma estratégia concertada de propaganda.

Contudo, a publicação que procura denunciar uma suposta propaganda palestiniana é falsa em toda a linha. As fotografias não foram tiradas em Gaza nem foram tiradas este ano. Sim, é a mesma criança — mas as três imagens foram tiradas no mesmo local e no mesmo dia.

As três fotografias foram tiradas pelo fotógrafo Ameer al-Halbi, em serviço para a AFP, no dia 27 de agosto de 2016, na cidade síria de Alepo, imediatamente após um bombardeamento por parte das forças do regime, no contexto da guerra civil da Síria, que se prolonga desde 2011.

A versão original da primeira fotografia pode ser consultada no arquivo da AFP. Nela, é possível ver um voluntário dos “capacetes brancos” a resgatar duas crianças dos escombros de um edifício que tinha sido bombardeado na zona oriental da cidade de Alepo.

“Pelo menos 15 civis terão morrido na sequência da queda de duas bombas, com poucos minutos de diferença, perto de uma tenda onde estavam pessoas a receber as condolências pelos que foram mortos esta semana”, lê-se na legenda da fotografia.

Logo depois no arquivo da AFP, surge uma outra fotografia em que é possível ver o voluntário dos “capacetes brancos” a passar a menina que levava no seu braço direito para os braços de um outro homem, vestido com uma camisa verde aos quadrados. Trata-se do homem que surge na terceira fotografia da montagem, que também está no arquivo da AFP.

A fotografia ao meio também se encontra no arquivo da AFP e mostra um socorrista da proteção civil, com o seu equipamento amarelo, a retirar a menina do local. A fotografia tem a mesma data e local das outras duas.

Fotografias da agência Reuters do mesmo dia e mesmo local mostram o mesmo cenário. Numa fotografia é possível ver o mesmo homem de camisa verde aos quadrados a levar a menina ao colo; noutra, é possível ver a menina já no interior de uma carrinha. O socorrista de amarelo surge também numa fotografia da Reuters do mesmo dia e local.

Em 2018, a AFP já tinha feito um artigo a desacreditar esta montagem. Na altura, a mesma montagem das mesmas três fotografias tinha sido usada para desvalorizar os ataques na Síria. “Putin e Assad continuam a usar armas químicas contra a mesma menina, mas ela continua viva”, dizia uma publicação falsa dessa altura.

Nesse artigo, a AFP detalhou que o fotojornalista Ameer al-Halabi se encontrava na Síria a trabalhar como freelancer para a agência. Naquele ataque, al-Halabi tirou 16 fotografias. Através dos metadados é possível ver que as quatro fotografias em que surge a mesma menina foram tiradas em menos de 80 segundos.

Ainda de acordo com a AFP, esta montagem tem circulado nas redes sociais desde 2016 — sobretudo em publicações que visavam desacreditar o trabalho dos “capacetes brancos” na Síria.

Conclusão

Trata-se de uma publicação falsa. Ao contrário do que o texto quer fazer parecer, as três fotografias não mostram a mesma menina a ser resgatada de três ataques em três lugares diferentes na Faixa de Gaza. Trata-se de fotografias tiradas no mesmo dia, em 2016, na Síria, depois de um bombardeamento na cidade de Alepo. A consulta dos arquivos da agência AFP mostra as imagens originais no seu contexto e permite perceber que se trata de um único resgate.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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