Foi notícia no início do mês de outubro: o Prémio Nobel da Medicina de 2023 foi atribuído à investigadora hungaro-americana Katalin Karikó e ao investigador Drew Weissman, pelas descobertas que permitiram o desenvolvimento de vacinas de mRNA contra a Covid-19.

No entanto, desde o dia em que a notícia foi conhecida, têm circulado em abundância nas redes sociais publicações que procuram desacreditar a eficácia da vacinação contra a doença provocada pelo coronavírus responsável pela grave pandemia que o mundo viveu nos últimos anos.

“Uma imagem vale mais do que mil palavras”, lê-se numa publicação consultada pelo Observador, que contava já com mais de uma centena de reações e mais de 30 partilhas. “Os laureados com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina não confiam na sua própria ‘inovação’ e, em vez disso, confiam na pseudociência: fraldas faciais!”

A acompanhar esta alegação, surge uma fotografia dos dois investigadores numa cerimónia de receção de um prémio usando máscara facial. Porém, trata-se de um exemplo óbvio de desinformação: a fotografia não é da entrega do Prémio Nobel e os autores das várias publicações optam, deliberadamente, por não identificar a data e o contexto da fotografia que estão a partilhar.

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Ao contrário do que a publicação quer fazer parecer, a fotografia em causa não foi tirada no contexto da entrega do Prémio Nobel aos dois investigadores. Aliás, essa cerimónia só vai acontecer no próximo dia 10 de dezembro — como acontece todos os anos, por ser a data em que se assinala o aniversário da morte do cientista e inventor sueco Alfred Nobel.

Na verdade, a fotografia em causa tem quase dois anos. Foi tirada em abril de 2022, quando os dois cientistas foram galardoados com o “Japan Prize” — prestigiado prémio atribuído pela Japan Prize Foundation a pessoas responsáveis por importantes feitos científicos e tecnológicos em benefício da humanidade, e entregue numa cerimónia que acontece na presença do Imperador do Japão.

Registos fotográficos de agências como a Reuters e a Getty mostram os investigadores nessa cerimónia, que decorreu em Tóquio no dia 13 de abril de 2022 — numa altura em que a pandemia de Covid-19 ainda estava bastante ativa. Na verdade, só mais de um ano depois, em 5 de maio de 2023, é que a Organização Mundial da Saúde decretou o fim da “emergência global de saúde” relacionada com a pandemia.

Por outro lado, é possível encontrar registos fotográficos dos dois investigadores em cerimónias posteriores, já depois do fim da emergência global de saúde — e aí já se apresentam sem máscara. É o caso, por exemplo, da cerimónia do Breakthrough Prize, em Los Angeles, em abril de 2023, ou até de uma conferência de imprensa que os dois cientistas deram já em outubro deste ano, após a notícia de que ganharam o Prémio Nobel.

Durante algum tempo, a vacinação contra a Covid-19 e a utilização de máscara foram medidas adotadas em simultâneo. Isto porque a vacinação não impede o contágio com o vírus, mas reduz significativamente a probabilidade de desenvolver uma doença grave na sequência do contágio. A máscara, por seu turno, era uma medida desenhada para impedir a transmissão do vírus. Uma pessoa, mesmo vacinada, poderia ser portadora do vírus e transmiti-lo a outra pessoa, ainda não vacinada ou com uma saúde mais vulnerável.

No caso do Japão, só no início de 2023 é que começou a ser adotada uma abordagem menos estrita no que toca ao uso de máscaras. Por isso, é natural que, em abril de 2022, os investigadores ainda tivessem usado uma máscara facial para participar num evento que decorreu num espaço interior.

Conclusão

A publicação usa deliberadamente uma fotografia antiga sem qualquer referência à sua data e contexto para forçar a conclusão, errada, de que os investigadores não confiam nas vacinas que eles próprios contribuíram para desenvolver. Por um lado, não há relação entre a eficácia da vacina (para proteção do próprio) e o respeito pelas normas de uso de máscara (para proteção dos outros) que estavam em vigor na altura em que a fotografia foi tirada. Por outro lado, a fotografia é de abril de 2022, altura em que a pandemia ainda era uma preocupação significativa — e em que, no Japão, a política de uso de máscaras era ainda bastante intensiva. A publicação em causa, associando uma frase não sustentada em qualquer fonte ou dado científico a uma fotografia fora do contexto, induz em erro quem contacte com ela.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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