Cuecas azuis, fogo-de-artifício… ou só um pijama quentinho (e um bom vinho, vá) |
Daqui a algumas horas, alguns estarão em cima de cadeiras, outros a bater em tachos, uns procurando deglutir passas à velocidade a que passam os segundos que separam um ano do seguinte. Haverá quem envergue cuecas azuis por debaixo das lantejoulas, quem feche os olhos para melhor pensar nos desejos para 2023 (ou para os pedir com mais convicção), quem não sabia bem se coma a uva seca, ou se abra o champanhe, ou se concentre nos desejos, ou beije quem tem à volta, ou observe o fogo-de-artifício e acabe a achar que entrou no novo ano da mesma forma desesperadamente azafamada como viveu o ano anterior, o que não pode ser um bom prognóstico para os meses vindouros. |
E depois há os que há muito se deixaram disso. Não reúnem amigos, não vestem roupa de festa e muito menos cuecas azuis, não abrem champanhe, dispensam as passas, e até podem, à meia-noite, já dormir a sono solto, amaldiçoando a pirotecnia que os arrancou a um sonho mais real do que qualquer desejo pedido. Segundo este artigo do Daily Mail, há motivos concretos apontados por vários psicólogos que explicam essa raivazinha que alguns têm (e cultivam) contra a passagem do ano. |
Por aqui, já fiz de tudo: já subi a cadeiras, bati em tachos, vesti lingerie azul, engoli passas apesar de odiar o sabor (e ficar sempre na dúvida sobre se iniciar um ano com 12 sacrifícios seria uma triste forma de começar ou, seguindo uma certa linha católica penitencial, se poderia fazer-me entrar no ano com a minha quota-parte de punição por existir já cumprida, livrando-me de outras piores que me pudessem estar guardadas). |
Lembro-me especialmente de, durante anos, dedicar-me a fazer listas bem pensadas de desejos: se eram 12, que fossem os 12 certos e não uns 12 quaisquer. Imaginem o que seria não aproveitar uma dessas 12 preciosas oferendas numa coisa não tão desejável assim? Para evitar tamanho desperdício, sentava-me, em silêncio, perscrutando o mais fundo da minha alma, para assim saber, com rigor, quais as 12 pretensões a serem alcançadas durante os próximos 365 dias. |
Quando principiei a constatar que havia pouca probabilidade de existir alguma entidade divina ou similar, capaz de cumprir todas as 12 aspirações de todos os seres humanos existentes no planeta, comecei então a optar por escolher 12 resoluções para o novo ano. Doze propósitos a que me lançaria, de mangas arregaçadas e uma determinação férrea. Ia ser espantoso fazer o balanço no final do ano, constatando que todos os objetivos haviam sido cumpridos, não por uma varinha de condão, mas pela minha própria resiliência (palavra tão usada nos últimos tempos que já tem os cantos gastos, coitada). |
O que aconteceu foi que, ano após ano após ano, ou não cumpria metade daquilo a que me tinha proposto (por inércia, incapacidade, esquecimento ou novas prioridades surgidas), ou nem sequer sabia onde raio tinha colocado a lista, nem que diacho de metas teria colocado a mim própria. |
De maneira que, de há uns anos a esta parte, deixei-me disto. Nada de cadeiras trepadas, tachos batidos, cuecas azuis vestidas, passas enfiadas em esforço para dentro do bucho, listas de desejos, listas de decisões. Mantive o grupo de amigos reunidos, o traje mais catita, e o champanhe, mais porque gosto de uma boa farra do que pelo réveillon em si. |
Este ano estava capaz de sugerir aos meus amigos que viessem de pijama, e assim ficávamos, quentinhos e confortáveis, talvez até adormecermos com a cabeça nos ombros uns dos outros, a meio de uma conversa. Mas não tive coragem. Ainda. Suspeito que mais ano menos ano, mal todos os nossos filhos tenham idade para irem para as suas respetivas festarolas, abdiquemos de reuniões e fiquemos os dois à lareira, ou a ver as estrelas no Alentejo, a beber um bom vinho, e a ver os cães dormitar aos nossos pés. Nem acredito que acabei de escrever isto. Estou velha, meus caros, é o que é. |
Se o meu eu de 16 anos me visse agora, reviraria os olhos, e duvidaria que isto fosse possível. Lembro-me de demorar bastante tempo até a minha mãe me autorizar a ir festejar a passagem de ano com o meu grupo de amigos. Ficava na casa de uns amigos da família onde jantávamos todos os anos e fazíamos a contagem decrescente, e os meus amigos iam despedir-se de mim, à janela, antes de seguirem juntos para a festa rija que talvez não fosse assim tão espetacular, mas, na minha cabeça, era a melhor folia do mundo (e eu estava a perdê-la). Dramática, sentia-me a Rapunzel. Presa num andar alto, a ver a vida acontecer lá fora. É por isso que vos digo: se o meu eu de 16 anos me visse agora, ficaria agoniado com tamanho desdém por um bom forrobodó. |
Já há alguns anos que os nossos filhos mais velhos vão às suas vidas nesta noite (e em tantas outras). Somos apologistas da ideia da liberdade com responsabilidade e, enquanto não nos derem razões para não confiarmos neles, terão a porta aberta para se divertirem com os amigos. Na verdade, até já aconteceu um ou outro momento de deslize da parte de um ou de outro, mas essas ocasiões também foram geridas de forma a não transformar o proibido no mais apetecido. Proibir pode ter o efeito-castigo (“fiz asneira, nunca mais faço”), mas também pode ter o efeito-sonsice (“fiz asneira, fui apanhado, para a próxima tenho de ser mais esperto”). Ainda assim, prefiro que deslizem às claras, do que me espetem facas nas costas. |
É uma decisão difícil, admito. Se para uns a liberdade pode correr lindamente, com excessos pontuais ou moderação q.b., para outros pode ser um fósforo encostado a um pavio. E sim, podem ser filhos dos mesmos pais, terem tido a mesma educação, e a coisa resultar de forma totalmente diferente para cada um. E podem ser as companhias, sim, mas também pode ser – e talvez seja sobretudo — o que cada um deles fez com a forma como foi educado. |
Uma vez ouvi alguém dizer (creio que foi a cantora Irma numa entrevista a uma estação de rádio) que um filho não é um copo vazio ao qual vamos acrescentando ingredientes. Um filho é um copo que vem com uma poção, sobre a qual nada sabemos. E, assim sendo, vamos deitando, às cegas, outros líquidos lá para dentro, que achamos que são bons, sem na verdade sabermos se aquilo vai dissolver bem, se vai engrossar demais, se nunca se vai misturar, ou – até – se não poderá explodir. Achei a metáfora perfeita. |
É por isso que ter filhos é, quanto a mim, o maior desafio que se apresenta a um ser humano, e é por isso que continuam a ser publicados, todos os anos, tantos livros sobre parentalidade; e há sempre novas correntes, novas teorias, novas abordagens à educação e à pedagogia e à melhor forma de se ir deitando ingredientes para dentro de cada novo copo. O mais engraçado? Ninguém sabe. Nunca ninguém saberá. Porque cada copo tem a tal poção mágica, misteriosa e única. Em bom rigor, há apenas um ingrediente que resulta e resultará sempre: amor. E até esse tem de ser colocado com moderação (porque demasiado amor, daquele que se torna obsessivo e sufocante, também pode resultar numa solução bem manhosa). |
E lá me perdi um pouco, neste fio que puxei à meada — o tema era a passagem de ano e olhem onde estamos agora. |
Daqui a algumas horas, estaremos, então (muitos de nós, pelo menos), a erguer alguns copos e a desejar que 2023 seja um ano estupendo, de preferência melhor que o anterior, ainda que o anterior possa até não ter sido mau. |
Não tenho lista de desejos, nem de resoluções. Não comerei passas, e usarei as cuecas que não me apertem, sejam azuis, amarelas ou pretas. Não tenciono fazer chinfrim com o trem de cozinha, nem dançar que nem uma louca até às tantas da madrugada. Se estiverem a ler este texto, os amigos que convidei para virem até cá a casa poderão estar prestes a ligar a dizer que, afinal, lhes surgiu um imprevisto. Ou então, aparecem de pijama e assumimos isto de uma vez por todas. De uma maneira ou de outra, Feliz Ano Novo! |
Vale a pena… |
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A vidinha não está fácil para ninguém, menos ainda para as famílias. Numa altura em que a necessidade de poupar se alia à urgência de sermos mais sustentáveis, Joana Roque apresenta oitenta receitas a partir de sobras. Nada de reaquecer o que ficou no frigorífico ou — pior ainda — deitar fora o que sobrou da refeição anterior. Há formas criativas de transformar receitas e este livro é ideal para não comer sempre o mesmo, poupar dinheiro, e, sobretudo, não desperdiçar.
(ed. Manuscrito) |
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Neste livro as crianças podem fazer os desenhos que quiserem. Se a casa está desenhada podem, por exemplo, desenhar a paisagem. Se a paisagem está desenhada, podem desenhar a casa… Vista por dentro ou por fora? Arrumada ou desarrumada? Cheia de coisas reais ou habitada por seres imaginários? Preferem usar várias cores ou só uma? Lápis ou canetas?
São as crianças que mandam neste livro, da autoria de Madalena Matoso.
(ed. Planeta Tangerina) |
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Nesta exposição é possível fazer uma viagem no tempo até à Era Mesozóica (entre 251 e 66 milhões de anos). O planeta é quente, húmido, rico em vegetação e recheado de espécies exóticas. Gigantes com pescoços longos ou criaturas do tamanho de pombos, cobertos por escamas e penas, espinhos ou couraças.
O preço dos bilhetes varia entre os oito e os onze euros. |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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