A sexualidade faz parte da vida de todos. Alerta Observador: até, a certa altura, da vida dos nossos filhos |
Para muitos pais, abordar o tema “sexualidade” com os filhos, é como morrer e como pagar: quanto mais tarde melhor. Vão empurrando o assunto com a barriga, assobiando para o ar, alguns agradecendo a matéria dada em Ciências da Natureza, outros sentindo a mesma gratidão pelos conteúdos discutidos em Cidadania (os mesmos que há também quem repudie, como sabemos, alegando motivos morais). Há os que insistem em enfiar a cabeça na areia, como a avestruz, seja o que Deus quiser, se eu me safei eles também se hão-de safar, ainda mais hoje com a internet, e assim. |
A verdade, porém, é que pode ser fácil. Pode mesmo ser muito fácil. É certo que tem de se encontrar o momento, o tom (nem demasiado infantil, nem demasiado invasivo, nem demasiado paternalista), e ter a esperança de que, do outro lado, eles nos ajudem a não parecer tão ridículos quanto nos sentimos. |
Uma amiga, quando o filho lhe perguntou qualquer coisa sobre como é que a sementinha chegava, afinal, à barriga da mãe, respondeu um providencial (e hilariante): “Vai lavar os dentes”. Ainda hoje não conseguimos recordar a história sem nos desmancharmos a rir. “Vai lavar os dentes”? A sério? |
Aqui em casa, “a conversa” foi-se tendo, aqui e além, aproveitando notícias, filmes, conversas paralelas. Tentámos sempre não ter um daqueles momentos constrangedores tipo pai para filho: “Ora então sentemo-nos aqui na sala para falarmos de um assunto de homens.” Para começar, porque não é, obviamente, um assunto (só) de homens. E depois porque nunca nos pareceu a abordagem mais inteligente. |
O Manel começou a namorar aos 13 anos. Tem 21 e continua com a mesma namorada. Um dia, falámos sobre o tema, assim como quem fala de outra banalidade qualquer. Ele mostrou-se à altura, referindo que nunca se esquecia da proteção, e assim seguimos. Digamos que não foi a conversa mais produtiva e profunda, mas foi o possível (atendendo a que também já tínhamos tido várias aproximações ao tema, mais genéricas e, possivelmente, mais frutuosas do que aquela, aproveitando diferentes contextos). |
Claro que falar sobre sexualidade não deve ser apenas falar de proteção. Deve passar por aí, claro, mas o ideal será incluir a importância de conhecer o próprio corpo e aquilo de que gostamos e aquilo de que não gostamos (e que pode ser descoberto a dois), a relevância do prazer para ambos, seja em simultâneo ou não, explicar que é um terreno de exploração de sentidos e de inclusão de fantasias, em que tudo é permitido, desde que ambos estejam de acordo. Sublinhar que não faz mal se nem sempre for ótimo, que a pornografia é quase toda muita parra e pouca uva, que não é preciso fazer o Kama Sutra inteiro para se ser feliz, e que a sexualidade tem tanto de misterioso como de extraordinário, assim se tenha abertura e empatia e uma relação saudável para desvendar um território que é muito mais do que simplesmente corpóreo. E não, falar sobre sexualidade não lhes vai aguçar a vontade de começarem mais cedo (ideia que já ouvi de muitas bocas). E sim, há estudos que provam que os adolescentes fazem melhores escolhas quando conhecem os riscos. |
Com os rapazes foi muito mais difícil falar sobre isto. Porque eles tendem a pôr sempre um ar de gozo, como quem diz “já sabemos tudo sobre o assunto”, e é inevitável haver piadas, risinhos, bocas. O meu filho Martim, então, é perito em desmontar qualquer tentativa de conversa “séria”. Por isso, mais vale levar a coisa com ligeireza, e dizer umas coisas meio a sério, meio a brincar, a ver se alguma informação passa. |
Com a Madalena, curiosamente, a conversa já se deu e foi tão fácil como falar sobre o tempo. Não houve embaraços, silêncios incómodos, risinhos atrapalhados, engasgamentos púdicos. Nada. Não é à toa que se diz que as mulheres são mais maduras do que os homens, ou que, pelo menos, chegam aos vários patamares da maturidade mais cedo do que eles (por muito que as generalizações sejam arriscadas, claro). Falámos de pílula e outros métodos contracetivos, de não ter pressa, de saber dizer não e sim, de consentimento e de confiança, de cuidados com partilhas indevidas (vivemos na era das redes e não dá para não as incluir no vasto menu da sexualidade), de saber os limites. E foi tranquilo e simples e bom. Como devia ser sempre. |
A sexualidade faz parte da vida e é suposto ser uma parte mesmo boa da vida. O modo como muitos pais a diabolizam, quando diz respeito aos filhos, é algo que sempre me confundiu. “Ai, nem consigo imaginar, o meu Zé Tó com uma lambisgóia qualquer!” ou, mais frequente ainda: “A minha menina? Só vai acontecer quando tiver aí uns 30 anos!” Então, mas… não é suposto o sexo ser uma coisa boa? E se é bom, por que raio queremos que os nossos filhos o tenham o mais tarde possível? Que pavor é este de algo tão natural como a sede? Por quanto tempo vai ainda prolongar-se esta ideia de que a sexualidade é algo porco, sujo, de que queremos os nossos filhos afastados o máximo tempo possível? |
É óbvio que, tal como para eles imaginar os pais a terem relações sexuais é esquisito, não nego que também não me delongo a imaginar o que quer que seja. É como os ácaros na minha cama: sei que existem, ao microscópio são um bocado nojentos, mas como não os vejo nem quero ver, está tudo bem (sim, é verdade, acabo de comparar a sexualidade dos filhos a ácaros). |
Uma vez, saí de casa para ir fazer um trabalho, mas voltei mais cedo do que o esperado. Não sei se foi mais cedo do que o esperado por mim, mas garanto que foi mais cedo do que o esperado pelo meu filho Manel. Meti a chave na porta de casa e percebi que algo não estava bem. Quando ouvi pés a correr no corredor, fez-se luz. Demorei um nanossegundo a decidir o que fazer, até que disse em voz suficientemente audível, mas como se estivesse a falar com os meus botões: “Ah, afinal tenho mais coisas para fazer! Volto daqui a uma hora!” E lá fui eu para o café mais próximo, procurando não pensar em ácaros, mas sorrindo por saber que o que fiz era exatamente o que gostaria que tivessem feito comigo, se acaso tivessem chegado a casa mais cedo do que eu estava à espera. |
Quando me perguntam se a namorada do Manel vai connosco de férias, a resposta é: sim, vai todos os anos uma semana. Nos primeiros anos ia e dormia num quarto diferente. Tudo leva o seu tempo. Depois, a coisa evoluiu naturalmente e começou a dormir com ele. Negar o inegável? Fingir que acho que eles se estão a guardar para o casamento? Preferir que o façam na rua, num sítio inseguro, às escondidas, como criminosos? E porquê? Para quê? Por “respeito”? Mas o que tem a vida sexual deles de desrespeitoso para comigo? Desde que não tenha de ver ou ouvir… é uma cena deles, não minha. |
Ainda não me referi a outra questão fundamental, no que à sexualidade dos filhos diz respeito, que é a orientação sexual propriamente dita. Foi propositado. Quero muito guardar esse tema em concreto para uma newsletter inteira. Mas avanço já com algo que, para quem já me conhece e para os que me vão conhecendo por aqui, não será uma surpresa: é-me indiferente se um filho é hétero ou homossexual. Comecei por escrever “é-me rigorosamente indiferente”, mas não é 100% verdade. Para ser completamente honesta, só não uso o advérbio porque sei que ainda vivemos num mundo em que ser homossexual é difícil. Há ódio, há preconceito, há bullying, há todo um caminho das pedras pelo qual eu, como mãe, e sendo verdadeira, preferia que nenhum deles tivesse de passar. Mas é apenas nessa perspetiva. Isto é: se vivêssemos num mundo ideal, em que a orientação sexual fosse algo que dissesse respeito apenas a cada um (que é o que faz sentido), era-me rigorosamente indiferente. Lembro-me sempre da tia Amélia, uma tia muito queque que, já do alto dos seus 80 e tal anos, dizia, com imensa graça: “De todas minhas noras, a minha preferida é o Zé Luís”, referindo-se ao namorado do filho. Se todas as mães fossem como a tia Amélia… mas, lá está, prefiro deter-me sobre este tema num outro texto. |
Por hoje, foi isto: falar de vida sexual com os filhos com naturalidade (ou com a naturalidade possível), evitar mandá-los lavar os dentes se eles fizerem uma pergunta difícil (ah, ah, ah), deixá-los vivê-la com liberdade e segurança, e sem culpa. Afinal, birds do it, bees do it; Even educated fleas do it; Let’s do it, let’s fall in love (Ella Fitzgerald). |
Vale a pena… |
Fazer um escape room ao ar livre
O conceito dos escape rooms já chegou a Portugal há alguns anos. Em alguns países, ficou de tal maneira na moda que nasceu um novo tipo de turismo: o turismo dos escape rooms. Pessoas que viajam para visitar cidades, naturalmente, mas que o fazem também para testar as suas habilidades em novos jogos que consistem em tentar sair de um quarto (uma sala) fechada, resolvendo enigmas. Neste caso, o que a Timeless Lisbon propõe é uma experiência baseada no conceito de escape room mas, ao contrário do que é habitual neste tipo de jogos, todos os percursos são ao ar livre. Passeando pelas ruas de Lisboa, os participantes têm uma missão e devem resolver os enigmas e mistérios escondidos na cidade. Já fiz uma vez e adorei. Fazer com miúdos, sobretudo se já forem mais crescidos e capazes de dar uma ajuda, é mesmo divertido.
Timeless Lisbon: 938 474 966, reservas.timeless@gmail.com |
Comprar e jogar em família o jogo Katamino
Foi uma prima que ofereceu ao meu filho mais novo no Natal e eu comecei por odiá-lo. Não ao meu filho, não ao Natal, mas ao dito jogo. Trata-se de uma espécie de Tetris (entendedores entenderão) mas que tem de se fazer num espaço limitado. Isto é: há peças de formatos diferentes, um espaço confinado (que vai aumentando à medida que os desafios se vão conseguindo cumprir) e é preciso que as peças lá caibam. É tudo em madeira, o que dá uma dimensão táctil que nos faz recuar no tempo e, além disso, permite às crianças adquirirem noções de geometria no espaço. Lá está: foi por isso que, numa primeira análise, o odiei. Fez-me imediatamente lembrar matemática, geometria, e problemas que eu nunca soube resolver (e sempre me chatearam para que os resolvesse). Continuo a ter momentos em que atiro com as peças (tenho um “relativo” mau perder) mas já fiquei genuinamente feliz quando as consegui encaixar no espaço pretendido. É mesmo giro para jogar em família. |
Ver o filme Um Homem chamado Otto, com Tom Hanks
Ainda só o vi o trailer mas acho que vou adorar. O tema faz lembrar o brilhante After Life, de Ricky Gervais. Também aqui há um viúvo rabugento (Tom Hanks) que implica com tudo e com todos. O plot twist acontece com a chegada de uma família que lhe dá a volta ao humor e à vida toda. Realizado por Marc Forster, é um daqueles filmes fofinhos que mostram que, mesmo que empedernido, todos temos um coração. A ver se vou ver esta semana. |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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