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Quarta-feira, pouco depois das duas da tarde, o editor adjunto de Política Miguel Santos Carrapatoso não conseguiu atender uma chamada, mas logo a seguir recebeu uma mensagem: “Tenho uma bomba”. Ligou de volta e começou a receber as primeiras informações sobre o que viria a ser este escândalo da autarquia liderada por Fernando Medina, que partilhou dados de ativistas russos com a embaixada daquele país em Lisboa. |
A história tinha ingredientes para se tornar prioritária e o Miguel começou a disparar mensagens e telefonemas para outras fontes que pudessem ter mais informação, incluindo Ksenia Ashrafullina, uma das promotoras da manifestação anti-Putin que viu os seus dados pessoais enviados para a embaixada. |
Teve acesso a provas documentais que mostravam que a Câmara de Lisboa tinha de facto enviado os dados e depois tinha mesmo pedido às autoridades russas para apagarem as informações, o que pode ter chamado ainda mais a atenção para as identidades dos ativistas. O gabinete de Fernando Medina reconheceu o problema, deu o contexto mínimo e prometeu uma resposta formal para mais tarde. |
O nosso editor adjunto deixou pronto o artigo, que seria publicado nesse fim de tarde, e conseguiu sair a tempo de um compromisso muito importante: o encontro semanal das quartas-feiras em que alguns jornalistas do Observador tentam jogar à bola — e onde marcou o primeiro golo. |
Nessa mesma tarde, com a elite política na Madeira para as celebrações do 10 de junho, o editor de Política Rui Pedro Antunes e o editor de Fotografia João Porfírio entrevistaram Alberto João Jardim, antigo presidente do Governo Regional, na casa onde nasceu. na rua do Quebra Costas, no Funchal. Em cima do piano da mãe tinha um grande retrato de Sá Carneiro e molduras com todos os ex-primeiros-ministros do PSD, excepto de Pedro Passos Coelho, a quem faria violentas críticas durante a entrevista. |
No fim, iria para uma cerimónia na Assembleia Legislativa, onde se encontraria com o Presidente da República. Já estava de saída quando percebeu que se arriscava a chegar antes da hora e a ter de fazer sala com outras personalidades, pelo que recuou e desafiou a equipa do Observador: “Vamos ali beber um whiskinho.” A caminho da cozinha, foi lembrando: “No continente diziam que o Mota Amaral era Opus Dei e que eu era Copus Night, temos de manter a tradição e ir beber um whiskinho”. Abriu uma garrafa e serviu um centímetro de whisky em cada copo: o dia ainda seria longo. |
O primeiro-ministro chegou ao Funchal e a partir do momento em que o escândalo Medina foi revelado pelo Observador e pelo Expresso António Costa esquivou-se sempre aos jornalistas. O chefe de Governo foi o antecessor de Fernando Medina na Câmara de Lisboa e era o líder da autarquia em 2011, quando foram extintos os governos civis e as câmaras assumiram mais competências relacionadas com o agendamento de manifestações. Perguntas não faltariam, mas o chefe de governo não mostrou vontade de dar respostas. |
Nessa noite, véspera do 10 de junho, assistiu a um concerto de música clássica ao ar livre, com Marcelo Rebelo de Sousa e Ferro Rodrigues. Depois da última música — “Amigos para Siempre” — António Costa saiu do recinto do concerto sem que praticamente ninguém desse por isso. |
No dia seguinte, durante o almoço na Reitoria da Universidade da Madeira, com todos os convidados que estiveram na cerimónia oficial, os carros das altas entidades presentes estavam estacionados à porta. Pouco antes do fim da refeição, o motorista do primeiro-ministro levou o carro para a porta das traseiras. Mas Costa acabou afinal por sair pela porta da frente, de mão dada com a sua mulher, rodeados de seguranças e sem responder a nenhuma das perguntas dos jornalistas. Os carros da sua comitiva saíram das traseiras e voltaram à porta principal para o apanhar. |