Os políticos portugueses parecem insistentemente focados em introduzir a eutanásia em Portugal. Já o tentaram fazer, não tiveram maioria e, agora, com um país “quietinho”, a confinar, e praticamente sem sair nas notícias, planeavam votar a eutanásia. Adiaram por uns tempos.
Porquê a insistência nesta lei? Será que é o que os portugueses querem e precisam neste momento de doença pandémica e de crise económica? Mais importante ainda, será que é benéfico para o nosso país?
Acredito que não seja uma prioridade, nem um desejo da maioria dos portugueses. Então, também não o deve ser para os políticos.
Se não podes dar a vida, então também não a tires.
No primeiro filme do Senhor dos Anéis, A Irmandade do Anel, Frodo queixa-se a Gandalf por este não ter matado Gollum quando teve oportunidade. Gandalf responde: “Muitos dos que vivem merecem morrer. Alguns dos que morrem merecem viver. Podes dar-lha? Então não estejas tão ansioso para dar a morte com o teu julgamento. Pois nem os mais sábios, conseguem antever todas as consequências.” Porque não devemos terminar a vida de alguém antes do tempo? Porque essa decisão não nos cabe, a nós, não está sob o nosso controlo, aquela vida não nos pertence para agirmos como tal. Não fomos nós que demos a vida àquela pessoa e, como diz Tolkien, se não somos capazes de a dar então não a tiremos. Há imensas questões éticas muito complexas ligadas ao início e ao fim da vida que vão mudando e aparecem novos dilemas com o avanço da ciência. Não é porque algo é tecnicamente possível, que é eticamente lícito, ou bom de se fazer. É possível terminar a vida com uma simples injeção, mas isso não quer dizer que seja benéfico para aquela pessoa (que morre assim), para a sua família ou mesmo para a sociedade.
Quem sofre mais, quem morre ou quem assiste?
Com o actual avanço da ciência, já não é preciso morrer com dor. Não existe dor no final da vida que não seja controlável com fármacos. Não é válido tirar a vida a alguém, a fim de lhe poupar a dor física. No entanto, há muitas coisas que se podem fazer para aliviar a dor psicológica que essa pessoa possa sentir. Uma, é sentir-se acompanhada. Hoje em dia, são poucos os familiares que optam por prestar cuidados em casa, para que uma pessoa doente morra acompanhada, no seu ambiente familiar. São muitas as pessoas que morrem sozinhas em hospitais, situação que se agravou com a pandemia, que conduziu à redução ou eliminação de visitas. Sentir-se acompanhado no fim da vida e no sofrimento pode aliviar a dor psicológica de quem enfrenta a morte e é uma atitude heroica e corajosa de quem acompanha. São cada vez menos frequentes os familiares que estão dispostos a tal. Será que a eutanásia serve para aliviar verdadeiramente o “sofrimento” do moribundo ou da pessoa que não o quer acompanhar? Num estudo de 2001, intitulado “Oregon Physician’s Attitudes About and Experiences With End-of-Life Care Since Passage of the Oregon Death with Dignity Act”, dos médicos que se mostraram dispostos a dar uma injeção letal, quase nenhuns estavam dispostos a esperar e ver o paciente morrer.
Ninguém quer morrer.
Todos temos medo de morrer e, por isso, alguns podem achar que a eutanásia pode ajudá-los a eliminar essa etapa, a morrer sem terem que pensar muito nisso. É uma pena pensarem assim, pois a reflexão perante a morte e o acompanhamento de familiares e amigos podem ser momentos inesquecíveis de ternura, de manifestação de amor e até de reconciliação familiar, que não serão possíveis na morte por eutanásia. Desejar morrer é um sinal de que não se está bem de saúde mental e é preciso ajudar essa pessoa, não matá-la. Em caso de pensamentos suicidas, essa pessoa não se sente bem e tem de ser ajudada.Pedir a eutanásia não será também um grito de pedido de ajuda? É difícil definir o que constitui “sofrimento incontrolável”, requisito para a eutanásia. A dor física é controlável e o sofrimento incontrolável a nível psicológico já quase todos o sentimos uma ou várias vezes ao longo da vida. Assim, entramos num terreno escorregadio, acabando por se eutanasiar crianças, doentes de cancro, de distrofia muscular, idosos com demência e até jovens com problemas de saúde mental. É nos momentos de dor e de sofrimento, nos quais precisamos de ajuda, que as pessoas se unem e se cuidam. A alternativa é não acabarmos simplesmente com o problema, mas também com a pessoa que tem o problema.
Os animais abatem-se, as pessoas cuidam-se.
Talvez a nossa sociedade tenha os conceitos de dignidade de vida humana e vida animal um pouco baralhados e daí haver alguma confusão também, sobre a eutanásia. Muita foi a indignação quando dezenas de cães morreram num incêndio num canil de Santo Tirso, em julho de 2020. Pouca foi a indignação quando 16 idosos morreram num lar em Reguengos de Monsaraz, em agosto deste mesmo ano, por falta de hidratação e de medicamentos. Quem não conhece alguém que prestou cuidados paliativos a um cão ou a um gato, por vezes até deixando esse cão ou gato sofrer desnecessariamente, mas com um ideal muito nobre de “cuidar” dele até ao último momento da morte natural? Por mais que custe aceitar, os animais podem ser usados para o bem das pessoas e não têm a dignidade que tem a vida humana. A vida de outra pessoa nunca pode ser usada para um fim, seja ele qual for. A vida humana é para ser amada, ponto final. Todo o amor, quer no início, quer no fim da vida, tem um valor incomensurável e qualquer pessoa é digna desse amor. Os animais podem abater-se, mas as pessoas são para ser amadas e cuidadas.
Em plena pandemia, queremos mais morte?
Todos vamos morrer, mas como morremos importa. Morrer acompanhado e sentir-se amado nos momentos finais da vida é mais humano, ajuda não só quem parte, mas também quem fica a fazer o luto, e constrói uma sociedade mais ética e humana. Se isto, em geral, é difícil de enfrentar, ainda mais será para um moribundo. Essa pessoa precisa ainda mais de apoio e carinho. Os familiares e amigos que se sentem incapazes de lidar com a situação, também estes precisam de apoio e orientação. Não é numa altura em que mais pessoas estão a morrer em hospitais, isoladas e sem visitas, que queremos aumentar o número de mortes “medicamente assistidas”, com a eutanásia. Essas mortes têm pouco ou nada de dignidade humana. Também é interessante notar que as estatísticas apontam para que a média de idades de que morre de Covid seja equivalente à média da esperança de vida normal, ou seja, por volta dos 81 anos. De facto, se são os idosos que estão em isolamento nos lares desde março, praticamente sem visitas, a tomar as suas refeições de costas voltadas, os que mais estão a morrer de Covid em hospitais, em isolamento total, queremos agora tornar mais rápida e desumana a sua morte através da eutanásia? Em 2017, mais de um quarto das mortes na Holanda foram induzidas. Com tantos outros problemas que se têm evidenciado com a pandemia (económicos, políticos, do sistema de saúde, de educação, familiares) estamos focados em aumentar a cultura da morte.
Há muitas razões pelas quais os portugueses se devem opor veementemente à eutanásia e não devem deixar os políticos avançar com uma agenda própria, que não é do interesse de uma sociedade mais humana e que nada tem a ver com os cuidados de saúde. Aqui estão referidas apenas algumas.