O melhor exemplo do fenómeno moral e político a que se chama enfiar a carapuça encontra-se no terceiro acto de uma peça de teatro já antiga. Suspeitando de que o padrasto pode ter matado o pai, o herói contrata uma companhia de teatro independente para apresentar uma peça escrita por si, em que alguém parecido com o seu padrasto mata alguém parecido com o seu pai; e convida o padrasto para assistir ao espectáculo, encarregando um amigo de observar as suas reacções. Durante a representação, o padrasto percebe o que se está a passar e sai da sala em fúria. Ao sair da sala enfia a carapuça que o enteado laboriosamente preparou, e corrobora a teoria deste.

O padrasto do herói não ganhou nada em perceber o que se estava a passar; e podemos especular que se não tivesse percebido nada do que se estava a passar não teria enfiado a carapuça. O enfiamento da carapuça parece assim colocar um dilema: se por inteligência nossa acertamos na verdade, fazemos uma figura triste; e se por falta de inteligência não fazemos nada de especial, fazemos a figura triste que fazemos normalmente; e ninguém estranha. No que depende de nós, e por depender de nós, perdemos; e se deixarmos as coisas ao seu curso natural pelo menos não perdemos nada.

No entanto seria errado simplesmente colocar estes desaires por conta da inteligência. Uma pessoa muito inteligente, embora não uma pessoa inteligente, ao perceber a carapuça pode sempre fazer-se de pessoa pouco inteligente. A diferença entre uma pessoa muito inteligente e uma pessoa inteligente é que a primeira não tem qualquer problema em deixar-se passar por pouco inteligente; enquanto a segunda vive aflita com a possibilidade de outros poderem achar que não é suficientemente inteligente.

O que fez o padrasto enfiar a carapuça foi uma mistura irresistível de discernimento e ansiedade. Esta mistura é responsável pela condição conhecida do público como vaidade. A vaidade consiste em imaginar que o mundo nos diz essencialmente respeito; e em temer que possa não dizer-nos respeito. Consiste por isso também em imaginar que as outras pessoas estão sempre a prestar-nos atenção, e em prestar atenção aos sinais dessa atenção. Da inteligência das pessoas vaidosas faz parte o acharem-se dignas de atenção, e o esperar que a sua inteligência suscite animosidade por parte dos menos dotados.

A consequência deste estado de discernimento infeliz é termos sempre activado um detector de carapuças. Ao detectar a menor carapuça não resistimos a mostrar a quem no-la propôs enfiar que percebemos muito bem o que nos estava a fazer, sugerindo assim que ainda está para nascer quem nos consiga fazer enfiar a primeira carapuça. Nessa altura porém, como o padrasto da peça, enfiamos até às orelhas a carapuça que tínhamos acabado de identificar. Isto parece sugerir que, quando combinada com a ansiedade, a inteligência só ajuda até certo ponto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR