Isto devia ser relevante ou, como se diz em português de feira, “impactante”. Criado há quatro anos no Congresso americano, o Subcomité para a Pandemia do Coronavírus atravessou duas legislaturas, envolveu trinta políticos de ambos os partidos e resmas de conselheiros científicos, entrevistou e ouviu os depoimentos de uma data de criaturas, realizou dezenas de reuniões e audições, analisou centenas de milhares de documentos e produziu um relatório de quinhentas e tal páginas, o maior e mais detalhado sobre o assunto.
O relatório, publicado esta semana, caiu que nem uma bomba, mas uma bomba de escasso poder destrutivo. Na verdade, pareceu um explosivo caseiro, fora do prazo e deixado à chuva. Por cá, então, não chegou sequer a ser um daqueles estalinhos com que se brincava no Carnaval e que, ao baterem no chão, soltavam um barulhinho discreto: “Pim!”. É pouco e é pena, já que em teoria o calhamaço tinha tudo para constituir um portentoso enxovalho dos maluquinhos que contestavam as visões institucionais acerca da Covid e sobretudo questionavam a inexcedível pertinência das respostas oficiais. Na prática, reconheço, a coisa saiu um bocadinho ao lado.
Lembram-se, por exemplo, dos tolinhos que atribuíam a origem do vírus ao famoso Instituto de Virologia de Wuhan, China? Paranóicos, evidentemente. Mas pelos vistos os paranóicos tinham razão. O relatório conclui ser muito provável que o bicho se engendrou ali por mão humana e co-financiada pelos EUA (ao tempo de Obama). Depois, houve o zelo de autoridades sortidas, incluindo o simpático dr. Fauci, para ceder às pressões do governo chinês e difundir patranhas alternativas.
Lembram-se das figurinhas que criticavam os “confinamentos” por julgá-los contraproducentes? Chalupas, claro. Mas pelos vistos os chalupas tinham razão. O relatório decidiu que os “confinamentos”, decretados “sem fundamentos científicos”, prejudicaram “desnecessariamente” a saúde física e mental dos indivíduos, a economia e, de “modo irrecuperável”, o desenvolvimento das crianças e dos jovens.
Lembram-se das cavalgaduras que desprezavam o “distanciamento social”, a pretexto da respectiva inutilidade? Trogloditas, bem se vê. Mas pelos vistos os trogloditas tinham razão. O relatório recorda que o metro e meio de distância ao próximo (ou seis pés, cerca de 1,82m, nos EUA), conforme o próprio dr. Fauci admitiu em 2023 e em Junho último, era um “número que apareceu”, um palpite aprovado sem debate ou responsabilização, uma crendice privada de suporte factual que serviu para encerrar lojas e impedir escolas de reabrir. E manter a ralé submissa, acrescentam os trogloditas.
Lembram-se dos doidos varridos que se revoltavam contra o uso de máscaras sob o argumento da inutilidade das ditas? Negacionistas, sem dúvida. Mas pelos vistos os negacionistas tinham razão. O relatório explica que a imposição dos farrapos no rosto fora legitimada por “informação” distorcida e estudos manipulados ou apenas inconclusivos, além de ser legalmente abusiva, genericamente ineficaz em adultos e, nos atrasos na linguagem e distúrbios comportamentais, adversa para crianças. O relatório compara os casos de propagação nos estados em que se forçou o farrapo com os demais: estatisticamente, as diferenças são nulas.
Lembram-se dos primitivos que desconfiavam das virtudes miraculosas da vacina e protestavam a sua obrigatoriedade? Terraplanistas, no mínimo. Mas pelos vistos os terraplanistas tinham razão. Embora ressalve que a vacinação evitou muitas mortes por Covid, o relatório é altamente céptico no que toca às pressas e aos prazos de aprovação (subordinados a conveniências políticas), aos benefícios que se inventaram a propósito (ao contrário da mitologia na altura em vigor, as vacinas não impediam que se contagiasse ou se fosse contagiado), à exigência do “passaporte” (na realidade um grotesco atestado de subalternidade), ao desprezo pela imunidade natural (cuja simples menção habilitava um sujeito a internamento na ala psiquiátrica), à desvalorização dos riscos colaterais (que hoje aparecem aos pingos nos rodapés dos noticiários) e por aí fora.
O relatório é extenso e, do que li, trata destes e de outros momentos da reacção à Covid. Porque não li tudo, ignoro se trata com igual minúcia da erosão da confiança nos “peritos” e na ciência. Ou do crescimento da pobreza, do consumo de drogas e do crime. Ou do engajamento do jornalismo, das redes sociais e do entretenimento para disseminação de propaganda e censura de dissidências. Ou do brutal atropelo da democracia que tamanha miséria, afinal, foi. O relatório não trata de certeza dos pormenores alucinados que nem sei se aconteceram na América ou eram um exotismo nosso: a impossibilidade de cruzar concelhos, as multas por comer no carro, a detenção de transeuntes solitários, os semáforos nas praias, os detalhes, enfim, de uma história triste de perversão e desumanidade.
O relatório adverte em suma que a cura não deve ser pior que a doença, e confere-se o papel de evitar que semelhante assalto às liberdades básicas se repita. Não partilho a esperança. Enquanto teste deliberado ou oportunista de engenharia social, a Covid resultou em cheio. E quando à impunidade de quem manda se junta o empenho de quem obedece, o desastre é sempre iminente. “Vai ficar tudo bem” não era um desejo: era uma ameaça.