Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (NHMRC) da Austrália realizou um estudo abrangente sobre a eficácia da homeopatia, analisando mais de 200 estudos. Após analisar 1800 trabalhos de investigação e selecionar 225 que atendiam a critérios específicos, a autoridade nacional para a saúde no país concluiu que a homeopatia não supera um placebo no tratamento de quaisquer condições de saúde.

Como farmacêutico, a minha formação académica e prática profissional baseiam-se em princípios científicos sólidos, que são essenciais para garantir a eficácia, adequabilidade e segurança das terapêuticas disponibilizadas aos doentes. Contudo, a homeopatia, não cumpre os mesmos critérios rigorosos de evidência científica que a medicina tradicional e a farmacologia moderna baseadas em evidência.

Historicamente, a homeopatia foi criada pelo médico alemão Samuel Hahnemann no final do século XVIII. Hahnemann, insatisfeito com as práticas médicas da época, procurava alternativas mais seguras e eficazes para o tratamento de doenças. As práticas médicas comuns da época, como sangrias e purgações, eram muitas vezes mais prejudiciais do que benéficas para os doentes.

Hahnemann desenvolveu o princípio do similia similibus curantur (o semelhante cura o semelhante) após traduzir um texto médico de William Cullen, no qual Cullen descrevia os efeitos da quinina (usada para tratar a malária). Hahnemann decidiu testar a quinina em si mesmo, consumindo doses repetidas da substância e observando que ele mesmo desenvolvia sintomas semelhantes aos da malária. Com base nesta experiência, Hahnemann postulou que uma substância que causa certos sintomas numa pessoa saudável poderia ser usada para tratar os mesmos sintomas numa pessoa doente. Esta ciência experimental era comum, e lógica, para a altura e grau de desenvolvimento científico em que a humanidade se encontrava.

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Além do princípio do “semelhante cura semelhante”, Hahnemann introduziu a “lei dos infinitesimais”, que propõe que a eficácia de uma substância aumenta com a sua diluição, algo completamente ilógico à luz do conhecimento científico atual. Hahnemann acreditava que o processo de diluição, combinado com a sucussão (forma pomposa de descrever agitação vigorosa segundo as normas da homeopatia), potencializava os efeitos terapêuticos da substância, apesar de remover quase toda a matéria original. Este processo é conhecido como dinamização ou potencialização.

Hahnemann começou a diluir substâncias em água ou álcool e a agitar vigorosamente cada diluição. Este processo era repetido várias vezes, acreditando que cada etapa de diluição e agitação transferia a “força vital” da substância para o solvente. A crença era que, quanto mais diluída a substância, maior era a sua potência terapêutica, mesmo que quimicamente não restasse nada da substância original.

Em 1796, Hahnemann publicou a sua visão no ensaio “Ensayo sobre un nuevo principio para descubrir las virtudes curativas de las sustancias medicinales”, estabelecendo as bases da homeopatia. Posteriormente, continuou a desenvolver e a promover a prática homeopática, publicando em 1810 o “Organon da Arte de Curar”, onde detalhou os seus métodos e princípios.

Atualmente foram adotadas estas teorias originais e expandidas a um vasto leque de substâncias (ou líquidos diluídos que outrora tiveram essas substâncias), formando os alicerces da Homeopatia moderna.

Com base nos princípios descritos por Hahnemann sobre a “força vital”, os praticantes da homeopatia ainda sublinham que a água (ou o álcool), como ou o veículo que contem ou conteve a substância, é portadora de “memória” molecular das substâncias que nela foram dissolvidas através do processo de diluição e sucussão. Mesmo após repetidas diluições, onde teoricamente não restariam átomos da substância original, a água retém uma espécie de “impressão” da substância. É uma teoria sem dúvida original, que nos leva a questionar qual a capacidade de memória da água, sobretudo a água canalizada que bebemos e que, embora tratada, já passou por sistemas de escoamento, esgotos e tratos digestivos. Não me levem a mal, acredito plenamente no sistema de tratamento das águas, mas se levarmos literalmente o princípio da diluição e agitação como potenciadores das substâncias que estão ou já estiveram nesta água, teremos em mãos um vasto e grave problema de saúde pública, o qual obviamente não se verifica.

Fora de brincadeiras, os defensores da homeopatia afirmam, e bem, que os medicamentos homeopáticos são muito mais seguros e não têm tantos efeitos secundários. Parece-me óbvio, e até irónico para os homeopatas, que para a afirmação da redução de efeitos secundários recorram, talvez sem quererem, a uma analogia que nos leva à correlação tradicional de dose-efeito. Uma substância diluída ou inexistente num líquido nunca terá a mesma probabilidade de causar efeitos secundários em alguém, da mesma forma que não terá a mesma hipótese de causar efeitos terapêuticos, a não ser que por meio de efeito placebo. Se eu beber um copo de água com paracetamol diluído 1 milhão de vezes, terei menos probabilidade de ter efeitos secundários do que se tomar um comprimido de 1g no mesmo volume de água.

Outro fator importante na homeopatia é o próprio tempo. Em muitos casos de patologia, e isto também se pode dizer para a medicina tradicional nos casos aplicáveis, as situações clínicas não complicadas em indivíduos sem fatores de risco consideráveis serão naturalmente curadas pelo próprio organismo, ao que normalmente só se juntam medicamentos de papel adjuvante a uma recuperação mais confortável e funcional. O facto de, com o tempo, sincronamente à administração de um homeopático sem fundamento teórico comprovado, um doente se sentir melhor, não é dado suficiente para comprovar a eficácia desse medicamento homeopático.

A escolha de uma postura com vocabulário isento e contido torna-se difícil quando estamos a descrever uma “ciência”, classificada no Infarmed, que contraria o global de toda a medicina praticada baseada em provas sólidas. Prescrever tratamentos que não têm base científica devidamente comprovada pode ser considerado antiético, especialmente quando existem terapias comprovadamente eficazes disponíveis. A responsabilidade de um profissional de saúde é assegurar que os doentes recebem tratamentos seguros e eficazes, referenciados com evidências científicas. Promover ou fornecer remédios homeopáticos (ou não homeopáticos) sem uma evidência científica sólida pode enganar os doentes, levando-os a evitar ou atrasar tratamentos comprovados e necessários.

A função do profissional de saúde não é conduzir sempre à administração de medicamentos, mas assegurar que esse consumo, quando necessário, é adequado, e que, quando tem de ser retirado, é feita de forma holística, com alternativas não-farmacológicas ou estratégias de cessação/substituição nos casos que são necessários, sempre informando clara e inequivocamente o doente.

Desta reflexão não se conclui que se deve acabar com a investigação da relação causal e empírica da teoria que sustenta a homeopatia. Acredito que em muitos casos a desinformação (ou até o aconselhamento dos profissionais de saúde) não seja deliberadamente mal intencionada, mas é claramente mal fundamentada.

Devido à falta de evidências científicas sólidas e à ausência de mecanismos plausíveis de ação além do efeito placebo, a homeopatia não deve ser considerada ao mesmo nível que a medicina baseada em evidência. Como profissionais de saúde, temos a obrigação de basear as nossas práticas em ciência robusta e ética, garantindo que os doentes recebem os melhores cuidados possíveis baseados em dados clínicos comprovados.