Os partidos políticos são a base da nossa democracia. A sua existência determina a forma como a política é conduzida e, por consequência, como gerimos a sociedade. No entanto, em 2024, 80% dos portugueses dizem que não confiam nos partidos políticos e por coincidência, 80% dos europeus em 2019 diziam o mesmo.

Segundo o Eurobarómetro, para o povo europeu, os partidos políticos são as instituições que menos defendem a democracia.

Aliás, a desconfiança e a incerteza acerca destas instituições sempre existiram. No seu discurso de despedida, George Washington alertou para os perigos do crescimento de partidos políticos. “No entanto [os partidos políticos] podem de vez em quando atender a fins populares, eles provavelmente, no decorrer do tempo e das coisas, se tornarão motores potentes, pelos quais homens astutos, ambiciosos e sem princípios serão capazes de subverter o poder do povo e usurpar para si as rédeas do governo, destruindo depois os próprios motores que os levaram ao domínio injusto.”

Ainda assim, é verdade que os partidos políticos fazem todo o sentido. Se um indivíduo partilha opiniões com outros é racional e estratégico que procure alianças que fortaleçam a sua mensagem. O facto de existirem estes rótulos políticos ajuda a entender e entrar no mundo político. É fácil identificar aliados e adversários.

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Outro benefício evidente é que os partidos políticos trazem estabilidade e segurança ao processo democrático. Facilitam as negociações entre ideologias diferentes. Assim, temos um grupo de liberais a negociarem com um grupo de socialistas: é fácil, conveniente e evita as confusões que teríamos se todos os membros desses grupos fossem independentes e tentassem negociar uns com os outros. Sobretudo, é mais fácil para um membro de um partido abdicar de interesses pessoais, ainda que se sucumba a interesses partidários.

Todos estes motivos e muitos outros, garantem a existência de partidos políticos, por muito que aborreça o fantasma de Washington. Contudo, estas instituições fundamentais carregam um grave problema que nunca foi resolvido e tem vindo a piorar.

Propositadamente, a construção da democracia em torno destas instituições cria competição e adversidade entre partidos e entre apoiantes de partidos. Dizemos que a oposição entre partidos melhora a democracia, que é parte do espírito democrático. É de facto uma parte fundamental do sistema que construímos, mas tem assumido proporções inaceitáveis.

A polarização da política nunca foi tão acentuada e a existência de partidos políticos é um grande fator contributivo.

O principal problema do sistema político existente é o tribalismo inerente. A politiquice substitui a discussão política. As medidas e os acordos são postos de lado, o foco é a equipa, que carrega as mesmas cores, que veste o mesmo emblema e que grita o mesmo slogan. Nós transformamos a Assembleia da República num evento desportivo e todos os quatro anos disputamos o campeonato.

O sistema partidário limita o pensamento crítico. Um liberal ou comunista é mais provável de apoiar o tipo de liberalismo ou comunismo presente no seu partido. É, também, mais provável de apoiar as medidas do seu partido e discordar com as medidas contrárias. Despromove um pensamento complexo e multifacetado da política e coloca as ideologias em quadrados arbitrários.

É evidente o resultado dos rótulos que o tribalismo político traz. Por exemplo, é antidemocrático o orgulho que partidos de esquerda têm ao recusarem apoiar qualquer medida proposta pelo Chega. Assumir que qualquer medida proposta por este partido é automaticamente inválida é um ato desleal aos cidadãos que estes partidos prometeram servir.

Um outro exemplo foram as eleições de 2015. O centro ganhou as eleições com 69.17% dos votos, mas permitimos que partidos com 8.25% fossem mais influentes do que o outro partido do centro. Isto não é um argumento a apoiar um bloco central, mas sim a criticar a divisão arbitrária que definimos na política. Tudo porque uns são rotulados de direita e outros de esquerda, independentemente da proximidade ideológica.

O mundo ocidental está dividido, parcialmente, porque temos um sistema que incentiva divisão. Eventos recentes têm vindo a piorar este fenómeno. A deslegitimação das eleições efetuadas por Donald Trump e por Bolsonaro são uma consequência e uma causa grave de um dos principais problemas que a sociedade ocidental vive.

Existem alguns exemplos de políticas e sistemas políticos não partidários, mas no mundo ocidental não existe uma experiência a uma escala grande o suficiente para ser considerada uma alternativa legítima. Termos de nos contentar pelo sistema imperfeito que temos, porque é o melhor sistema alguma vez implementado.

Agora mais do que nunca, a Europa precisa de mostrar união política. Estamos economicamente estagnados, socialmente divididos e politicamente radicalizados. Se queremos competir com o resto do mundo, se queremos ser o continente da democracia, segurança e liberdade, temos de lutar contra os instintos tribalistas do nosso sistema político.