De entre as capacidades humanas, EDUCAR, estou certo, será uma das mais desafiadoras. Restituir, através da educação, sê-lo-á também? Propõe-se uma modesta reflexão sobre (re)educar.

Os não-desejados chegam a este estádio bem depressa, cedo demais. Os mais precoces, logo aos 16 anos de vida, antes mesmo do primeiro voto nas urnas. Certamente perguntar-se-á o que leva o indivíduo a cometer um crime pela primeira vez, quanto mais reincidir criminalmente. Creio que situações limite o motivam, contudo, sem uma explicação plausível de um ponto de vista humanista. Encarar a reclusão é um papel de todos. Refletir sobre essa reclusão pode mesmo ser incómodo, por ser uma situação limite quando outras políticas públicas não cumpriram plenamente o seu objetivo.

Cabe, assim, à Escola o duplo papel de, por um lado, promover o sucesso educativo e, por outro, se assumir como instituição central no processo do desenvolvimento comunitário, com foco na definição de estratégias que identifiquem, resolvam ou mitiguem as situações-problema. Situações essas que se manifestam desde o pequeno furto, roubo e tráfico, até aos casos de homicídio.

Poderá, então, a Escola assumir o objetivo coletivo de promover a “Reclusão Zero”? Ou será uma utopia? Pessoalmente, penso ser tangível. Mas para quando?

Mesmo assim, a maioria das situações fica por resolver. Atualmente, quando nos deparamos com reclusos jovens adultos, com pouco mais do que o 1.º ciclo, e cerca de 4% sem saber ler, pergunta-se: porquê? Decerto, algo correu muito mal.

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Chegamos então ao “fim de linha”, que é, talvez, o reinício de todo o processo. É neste contexto, o prisional, que agora estão depositadas todas as nossas esperanças. A esperança da sociedade, que vê o recluso como uma ameaça social; da família que, por vezes, não tem condições de o ajudar na sua reintegração e, por isso, vê a reclusão como única solução do problema, esperando que o sistema lhe possibilite as ferramentas necessárias ao seu desenvolvimento e, por fim, do recluso que deseja regressar à sociedade, livre de todos os ónus ou encargos, por ter posto termo à sua dívida social.

São esperanças diferentes, mas cruciais. Poucos são os que não voltam para trás das grades. A taxa de reincidência no crime a nível mundial ronda aproximadamente os 75% (Prision Fellowship Internacional) e em Portugal situa-se nos 51% (Provedoria de Justiça). Dados que poderão ajudar a compreender o 5.º lugar no ranking dos países mais seguros do mundo (Global Peace Index 2021).

“Professor ensine-me, que não quero voltar a ser preso” é a frase mais marcante que guardo dos meus quase 30 anos de docência. Daí destacar a importância da Escola e dos seus profissionais, pois têm a responsabilidade de dar respostas efetivas às muitas expectativas suscitadas em tempo de reclusão. Sente-se essa responsabilidade quando, através da qualidade da prática letiva, se dá sentido aos novos projetos de vida dos reclusos; é, pois, na Escola e no professor que está depositada a realização de sonhos.

Podemos, então, dizer que o trabalho de professor em meio prisional se distingue de outros pela forma de quem nos vê. Além de profissionais, somos vistos como “o mais próximo da vida em liberdade”. Importa ainda destacar a importância dos níveis de motivação do aluno-recluso, que é necessário despoletar e manter, e é neste sentido que o projeto +Power tem tido um papel fundamental. Por isso, é de forma desprendida, mas com bastante orgulho, que a equipa de professores à qual pertenço apresenta uma taxa de reincidência bem menor à da média nacional.

No entanto, há um pequeno detalhe a ter em conta: os reclusos que frequentam a escola são voluntários, a sua inscrição resulta da sua própria iniciativa. Isso obriga a sociedade a questionar como conseguirá que todos invistam na sua educação.

Não poderá a sociedade criar incentivos à frequência de percursos educativos, ainda que necessariamente alternativos e adaptados ao meio prisional, que prevejam a remição de parte do tempo de execução da pena, como já acontece, por exemplo, no Brasil? Ou será mais cómodo não enfrentar a realidade da exclusão e, distraidamente, fingir a “invisibilidade” desse grupo de não-desejados? E, atendendo ao princípio de equidade de tratamento, será que estes têm acesso às mesmas condições e aos mesmos ambientes enriquecidos que outros?

Perguntas a reclamar respostas urgentes, quanto ao que queremos enquanto sociedade.

Post scriptum: Dedicado a TODOS aqueles que diariamente se reinventam para superar as suas dificuldades, acreditando nas palavras escutadas, um dia, numa Escola entre grades.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.