A denúncia de que havia escolas a marcar faltas injustificadas a professores que aderiram à greve foi feita recentemente pelo S.TO.P. (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) e, nos últimos dias, o Observador descobriu três casos de docentes, na escola Básica e Secundária Santo António, no Barreiro, a quem tal aconteceu — com a justificação de que não cumpriram os serviços mínimos obrigatórios (mais tarde declarados ilegais). Quase um ano depois, após ser questionado pelo Observador na última quarta-feira, o Ministério liderado por Fernando Alexandre assumiu o erro, adiantando que decidiu “desconsiderar” as faltas.
Na resposta pode ler-se que, tendo em conta a revogação da decisão do Tribunal Arbitral de novembro, no que toca à convocação de serviços mínimos, “as faltas injustificadas foram desconsideradas, tendo os docentes já sido notificados”. Esta resposta chegou ao Observador às 19h37 desta segunda-feira, mas os professores desta escola do Barreiro só foram informados que o seu registo de faltas tinha sido limpo cerca de 10 minutos depois, às 19h45.
Questionados sobre o momento ao certo em que as faltas injustificadas foram retiradas, o Ministério de Fernando Alexandre recusou responder. E também não se pronunciou sobre o silêncio do anterior ministro sobre o tema.
A greve dos três professores do Barreiro
Recuando a junho de 2023, três professores da escola Santo António, no Barreiro, fizeram greve às reuniões de avaliação final de diferentes turmas. “No dia 12 de junho participei na greve às reuniões finais do ano letivo 2022/2023, correspondentes ao terceiro período, ou seja, às reuniões mais importantes. Foram reuniões de duas turmas de 9.º ano”, conta ao Observador um dos professores da escola Santo António, no distrito de Lisboa, que pediu para não ser identificado.
O sindicato a que pertence, o S.TO.P., foi uma das organizações a convocar greve “a todos os procedimentos, incluindo reuniões, conducentes às avaliações finais” para essa segunda-feira. Na altura, o Tribunal Arbitral fixou serviços mínimos, decisão que implica divulgar “uma lista nominal dos professores” que têm de assegurar os serviços, algo que a diretora desta escola no Barreiro não fez, acusa o professor. Pelo contrário, Manuela Espadinha enviou emails a convocar todos os professores.
Numa destas comunicações — enviada às 11h18 de dia 12 de junho — à qual o Observador teve acesso, lê-se: “Venho por este meio convocar TODOS os docentes dos conselhos de turma do 9ºE e do 11ºA para cumprimento dos serviços mínimos decretados…”.
No total, três professores desta escola no Barreiro exerceram o seu direito à greve no dia 12 de junho — dada a inexistência de uma lista nominal — e todos sofreram a mesma consequência: tiveram faltas injustificadas e foram instaurados processos disciplinares (entretanto arquivados no âmbito da amnistia papal de agosto).
A amnistia papal
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Em julho, o Parlamento aprovou a proposta do Governo de perdoar algumas penas e amnistiar infrações por ocasião da realização da JMJ em Portugal.
Em causa estava a lei n.º 38-A/2023, que abrangia, entre outras, “sanções relativas a infrações disciplinares” e também “infrações disciplinares militares praticadas até às 00h00 horas de 19 de junho de 2023”.
Além disto, a lei em questão amnistiava “as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00h00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”.
Ao longo dos últimos dias, o Observador contactou a diretora da instituição por mensagem, que recusou prestar declarações, alegando estar de férias.
“A greve não é uma falta, é uma suspensão temporária do contrato de trabalho”, sublinha o coordenador do S.TO.P., André Pestana, ao Observador. E destaca que também em Guimarães, Esmoriz (distrito de Aveiro) e Amarante (distrito do Porto) se registam “denuncias de perseguição”.
Escola não voltou atrás com decisão da Relação
A marcação de faltas injustificadas não foi comunicada a nenhum dos três professores desta escola do Barreiro. E nem quando o Tribunal da Relação de Lisboa considerou ilegais os serviços mínimos, inicialmente decretados em junho, a direção da escola voltou atrás na decisão.
Fiquei com “menos um dia de trabalho na minha carreira às custas destas faltas”, lamentava um dos professores, antes da decisão do ministério que anulou as faltas. Mas há casos mais complexos, como por exemplo o de um docente da mesma escola que teve duas faltas injustificadas por fazer greve nos dias 12 e 13 de junho.
O dia em que é marcada uma falta injustificada “não conta para a contagem do tempo de serviço para a reforma” e também não contribui “para a contagem do tempo de serviço para a candidatura ao concurso nacional de professores, correndo o risco de ser ultrapassado por outros colegas” com dias de trabalho contados na totalidade, continua o mesmo professor.
Depois de apresentar vários “requerimentos à direção da escola para retirar as faltas”, na tentativa de resolver a situação que já se arrastava desde junho, um dos professores apresentou um “recurso administrativo dirigido ao antigo ministro da Educação, João Costa”. Estávamos em fevereiro de 2024 quando isto aconteceu, mas desde aí não tinha havido qualquer resposta, garante ao Observador.
Segundo André Pestana, a lista dos 10 profissionais prejudicados “pela luta do ano passado” já tinha chegado ao atual responsável pela Educação antes até das questões enviadas pelo Observador. Mas o Ministério tutelado por Fernando Alexandre só anunciou a decisão na última semana — cinco dias depois de colocadas as questões sobre os três professores do Barreiro.