A expressão surgiu no contexto da Operação Influencer e significa um diploma legal com disposições para favorecer determinados interesses, um subterfúgio legislativo para ultrapassar dificuldades decorrentes da burocracia ou de regimes restritivos. Tem sido amplamente referida nos media como exemplo da corrupção e do tráfico de influências ao mais alto nível que caracterizariam o atual regime.

Mas a legítima e compreensível indignação pelo alegado favorecimento de interesses particulares, muitas vezes em detrimento do que é tido por interesse público, através de legislação que os beneficiaria, ignora outros aspetos mais complexos da questão.

Boa parte das vezes, as ditas leis malandras têm a ver com a gestão do território e as suas regras e condicionalismos. Mas, se atentarmos ao seu sentido e necessidade, iremos perceber que, infelizmente, vão ainda além do mero favorecimento de alguns – o que já seria mal bastante – revelando aspetos mais fundos da governação e dos seus instrumentos.

A prática de leis à medida, quer para projetos específicos, quer para setores de atividade, tem uma longa história em Portugal. Sempre correram nos meios profissionais histórias de como, por decisão ministerial, se alteraram com determinados fins os regimes da edificação, ou a sua compatibilidade com categorias de proteção. Os empreendimentos turísticos, por exemplo, foram beneficiários frequentes destas leis malandras: veja-se a permissão de loteamentos fora dos perímetros urbanos ou a compatibilização com a ocupação de áreas de proteção ambiental.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num certo sentido, estas malandrices até parecem necessárias como recurso para desbloquear regimes radicalmente restritivos e fechados em si mesmos, que não permitem alternativas para o desenvolvimento dos territórios. Também parecem necessárias para agilizar respostas no contexto de uma administração pública atomizada e muito burocrática, com um processo de decisão opaco e imprevisível. Não admira que, sempre que se deseja atingir objetivos políticos ou apenas favorecer iniciativas que são simpáticas aos poderes do momento, seja necessário recorrer a mecanismos de exceção.

As leis malandras podem abarcar um largo exercício de habilidades – perfeitamente legais – justificadas, por exemplo, pela rigidez da aplicação dos instrumentos de gestão territorial. Neste domínio são bem conhecidas as suspensões de PDM para acomodar projetos incompatíveis com as suas regras de ocupação do solo, ou as alterações cirúrgicas na delimitação de áreas de proteção ambiental, como o recente caso de um hotel em Cascais. Podem também alterar-se competências a gosto no processo de decisão pública, como no caso da intervenção dos municípios na localização do novo aeroporto de Lisboa.

A política de solos – noutros domínios a situação será semelhante – é suportada num edifício legislativo de tal complexidade e opacidade que somos levados a pensar que só com vias alternativas simplificadas se conseguem levar por diante projetos em tempo útil. A qualidade das leis e a sua margem de interpretação será um dos problemas; como disse nestas páginas Helena Garrido, “leis à medida seriam muito menos necessárias se tivéssemos melhores e menos leis”.

E não são apenas alterações ocasionais, expedientes à medida de necessidades concretas, que suscitam as leis malandras. O edifício legislativo como instrumento de políticas públicas integra em si mesmo a previsão de muitos mecanismos de exceção, que se utilizam sempre que é necessário para as prioridades politicas do momento.

Parece que o Estado, enquanto legisla incessantemente sobre todo este sistema, descrê da sua eficácia e cria vias alternativas como meio de simplificar problemas, incentivar determinados projetos, atrair investimentos. Veja-se o caso do regime dos PIN-Projetos de Interesse Nacional e da sua comissão de acompanhamento, destinada a agilizar procedimentos e facilitar consensos nos procedimentos de licenciamento. Mesmo algumas das realizações de relevo do passado recente, como a EXPO 98, só terão sido possíveis em tempo útil com recurso a dispositivos de exceção, como os previstos na Lei dos Solos.

Face ao que é a nossa realidade de gestão do território e dos procedimentos de licenciamento e autorização de edificação, ninguém poderá honestamente criticar a simplificação e o aligeiramento dos mecanismos de controle prévio.

Claro que eximir alguns agentes do conjunto de regras e procedimentos que se aplicam à generalidade é um mau princípio, que compreensivelmente se presta às piores suspeições, sobretudo quando são – e são muitas vezes – situações de clara arbitrariedade.

Mas a interrogação fica sobre a necessidade de a governação criar sistematicamente regimes de exceção, para libertar alguns projetos do calvário de procedimentos burocráticos ou do impossível cumprimento de regras que ela própria cria. Será que assim se garante uma via legal para o exercício do poder discricionário de quem decide?