A segurança privada tem vindo a ser notícia por força de uma ação policial de fôlego, amplamente divulgada, da qual nasceram detenções, já transformadas, na maioria dos casos, em prisões preventivas.

Costuma dizer-se que no melhor pano cai a nódoa e que não há fumo sem fogo. Mas existem outros prismas de abordagem, nascidos, precisamente, dos dois rifões, que podem gerar uma visão mais completa da realidade.

Pensemos, em primeiro lugar, no facto não despiciendo, de que, o dito pano, mesmo quando a nódoa o atinge, não deixa de ser o melhor. Notemos, em segundo lugar, que não havendo fumo sem fogo, mais improvável é, ainda, que haja fogo sem fumo. Refiro-me ao fogo propriamente dito, feito de chamas, filho da bíblica sarça-ardente e não a fenómenos artificiais, do tipo micro-ondas, que não cabem na pureza do conceito, nem servem para ilustrar o ditado popular. Assim amparados em dois toques de retórica podemos extrair uma conclusão provisória, como o fez Descartes no Discurso do Método: os rifões são sugestivos, mas são, muitas vezes, também algo enganadores e redutores, acorrentando-nos ao sofisma e vedando o acesso à verdade.

Evocando trapos, nódoas e queimados, advirto os meus alunos, precisamente quando lhes falo de retórica, para a ditadura do patológico, que é um dos traços mais presentes no que Vargas Llosa chama a Civilização do Espetáculo. Uso um exemplo comezinho. Pensem num executivo, melhor vestido do que o Rei Salomão e do que os próprios lírios do campo, resplandecente num fato irrepreensível de marca, com sapatos do último grito e camisa a condizer. Acrescentem-lhe uma gravata de seda de um dos estilistas de referência. Adicionem-lhe, para anticlímax, uma nódoa de azeite, certeira e central, ainda que pequena. Pois bem: o enodoado passará a ser o alvo de todas as atenções, de todos os comentários e de todas as apreciações, tornando-se o elemento absorvente do executivo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A segurança privada sofre muito com a generalização do patológico. Cabe aqui dizer, que não conhecendo o processo que espoletou toda esta cobertura mediática, não me pronunciarei sobre ele. As pessoas gozam da presunção de inocência e não devem ser retiradas conclusões antes de as investigações desaguarem num qualquer resultado. Mas o que é preocupante é a permanente associação noticiosa da segurança privada a fenómenos ilícitos ou mesmo de índole criminal. Trata-se de uma injustiça tremenda, que se faz a um setor com enorme relevância na economia nacional e que opera com níveis de aprovação elevadíssimos.

A segurança privada está no quotidiano dos cidadãos, manifestando-se das mais diversas formas e nos mais diferentes cenários: vemo-la nos espetáculos desportivos e musicais; vemo-la nos portos e nos aeroportos; vemo-la nas portarias de fábricas, empresas, escritórios, universidades e hospitais, como a vemos em edifícios de escritórios e espaços comerciais. Vemo-la a providenciar o transporte de valores, desenvolvendo, também aqui, uma relevantíssima atividade social, económica e financeira. Vemo-la, em regra, através de pessoas devidamente uniformizadas, educadas, solícitas e cumpridoras. Ou não fosse a atividade da segurança privada, uma das mais reguladas e fiscalizadas do país.

Falamos de um setor que emprega cerca de quarenta mil pessoas e que tudo tem feito para sobreviver, num ambiente que a crise tornou quase irrespirável. A proliferação do trabalho não declarado, que singra e medra à desfilada, num quadro em que vale tudo para obter preços baixos, é hoje uma arma letal apontada ao coração das empresas cumpridoras. Mas não é este o tema que está na ordem do dia. Hoje, a mensagem que pretendo passar é apenas esta: não se tome a nuvem por Juno, mesmo quando as nuvens se adensam.

Advogado e presidente da Associação de Empresas de Segurança