No último grande plano de dinamização dos mercados de capitais da União Europeia, a Comissão identificou três objetivos principais: potenciar o financiamento das empresas; aumentar a proteção concedida aos investidores não profissionais; e  integrar os vários mercados nacionais num efetivo mercado único.

No âmbito do segundo objetivo, a Comissão apresentou uma Proposta de alteração a vários diplomas centrais do direito financeiro europeu, com destaque para a incontornável DMIF II, tendo em vista recuperar a confiança dos investidores não profissionais e reforçar a proteção que o sistema lhes confere. Entre as várias medidas concretas sugeridas, contam-se: a simplificação, a redução e a melhoria da qualidade da informação disponibilizada; a proteção contra comunicações e práticas comerciais enganosas; o combate à parcialidade no processo de aconselhamento, nomeadamente a propósito de conflitos de interesses; o robustecimento das regras de supervisão e de governação de instrumentos financeiros; e o reforço dos deveres de adequação.

Apesar do mérito de algumas destas propostas, dificilmente elas contribuirão para o reforço da confiança dos investidores não profissionais. Segundo os dados disponibilizados pela própria Comissão, a maioria dos investidores não acredita que os conselhos de investimento apresentados por bancos, seguradoras ou intermediários financeiros tenham como principal propósito o interesse individual de cada investidor. Sendo que apenas 6% dos inquiridos se mostra muito confiante nessa possibilidade. A ausência de confiança, em especial no âmbito da relação que os investidores estabelecem com intermediários financeiros, é um autêntico paradoxo jurídico, na medida em que o regime da intermediação financeira assenta, há várias décadas, no pressuposto, expresso, de que os intermediários financeiros devem, por um lado, atuar sempre no melhor interesse dos seus clientes (dever de lealdade positivo), e, por outro lado, evitar conflitos de interesses entre os interesses dos clientes e os seus próprios interesses (dever de lealdade negativo).

A confiança dos investidores não profissionais é de impossível recuperação se o sistema jurídico, enquanto um todo, não reconhecer que a atuação dos intermediários financeiros é moldada por estes deveres de lealdade. Ora, a prática dos nossos tribunais, no âmbito de ações de responsabilidade civil, e as decisões legislativas e administrativas que se seguiram ao colapso de vários bancos nacionais demonstram precisamente o oposto: apesar de a lei ser categórica, o sistema jurídico continua sem conceber os intermediários financeiros como estando obrigados a dar prevalência aos interesses individuais dos seus clientes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR