O Curdistão é um território montanhoso, a norte da Mesopotâmia. As mais antigas provas de existência de comunidades remontam a mais de dez mil anos atrás. O povoado de Çayönü, não muito longe da nascente do Tigre, mostra vestígios de irrigações com canais artificiais.
O antigo estado guerreiro da Assíria, surgido por volta de 2 500 a.C., com a capital em Assur, situava-se no moderno Curdistão. Este estado ficou célebre pela sua agressividade, e foi dominando outros povos instalados na região, como os hurritas (Mitani), e mesmo alguns territórios hititas. Os assírios, entre 600 e 620 a.C., foram riscados do mapa por vários invasores que incluíam povos antigos e outros recém-chegados. Entre estes, contavam-se os Medos, aparentados aos persas, antepassados dos modernos iranianos.
É muito provável que tivesse então início a formação do povo curdo, uma mistura de hurritas, hititas (em menor grau), alguns sobreviventes de assírios e principalmente dos recém-chegados medos. Os atuais curdos reivindicam ser descendentes deste povo medo, um povo indo-europeu que acabou por ser dominado pelos persas. O Império destes (simplesmente “persa”, ou dos Aqueménidas) passou a abranger, pois, o Curdistão (séculos VI, V, IV a.C.). Alguns textos referem a existência, na região dum povo a que uns chamam Carducos, outros Corduenos. Alexandre-o-Grande conquista em 331 a.C. a região, que durante séculos passa a integrar o Império Selêucida, um estado helenístico resultante da divisão do Império de Alexandre. Mais tarde, os Partos, um povo aparentado com os persas, ocupam a região oriental dos “carducos” ou “corduenos”, enquanto o Império Romano domina o ocidente. Uma dinastia persa (os Sassânidas) substituiu os Partos (428-651), enquanto o Império Romano do Oriente, ou Bizantino mantinha o domínio do ocidente.
Conversão ao islamismo
Em 651, chegam os árabes, que dominam não só o território, como muitos outros em redor. Deste modo, o islamismo acabou por ser a religião da esmagadora maioria dos curdos, que, todavia, não são árabes, mas indo-europeus, aparentados a iranianos e mesmo aos também vizinhos arménios.
No século IX, os domínios árabes dividem-se, e surgem quatro principados curdos, em luta entre si e com todos os vizinhos. Povos da Ásia Central, como os Turcos Seljúcidas, acabam por se assenhorear do Curdistão, e esse nome é aplicado a uma divisão provincial do seu Império, em 1150. A palavra, que significa “terra dos Curdos”, deve ser, todavia, de origem persa/iraniana.
Os turcos seljúcidas acabam por, enfraquecidos, perder o seu poder, e de novo o Curdistão é dividido em principados. Algumas entidades políticas maiores surgem com origem em guerreiros curdos, como foi o caso de Saladino, no século XII, que, combatendo as Cruzadas, acabou por criar um império que abrangia o Egito e a Síria.
A invasão seguinte foi a dos mongóis (século XIII). Extremamente devastadora, acabou por durar menos de um século. Os persas tornaram-se de novo independentes (Império Sefévida), enquanto tribos turcas começavam a formar a moderna Turquia (Império Otomano). O disputado Curdistão gozou de alguma independência, ainda que não de união, até ser repartido entre turcos e persas em 1639 (Tratado de Zuhab). O povo curdo passou a estar dividido, incomodando com revoltas contínuas persas e turcos.
Esperanças (frustadas) de liberdade
O fim da Primeira Guerra Mundial, com a derrota dos turcos otomanos, trouxe nova esperança. Um Curdistão independente foi proposto em 1919, com terras hoje turcas e iraquianas, mas a nova Turquia não aceitou a ideia e invadiu o território (à semelhança do que fez com a Arménia também criada em 1919), enquanto franceses e britânicos, senhores desde então da Síria (os primeiros) e do Iraque (os segundos) ocupavam algumas regiões… em algumas das quais existia petróleo. A Pérsia, em breve denominada Irão, não abdicou nunca das suas regiões de maioria curda.
Entre 1927 e 1930, os curdos da Turquia revoltaram-se, mas foram derrotados. Depois da Segunda Guerra Mundial, durante uma breve ocupação do noroeste do Irão pela União Soviética, surgiu um estado curdo de pouca duração (República de Mahabad), esmagado por Teerão.
Os curdos nunca se calaram. Na Turquia, onde a maioria se concentrava, no norte do Iraque, na Síria e no Irão, foram surgindo guerrilhas independentistas e revoltas. E na década de 1970 os curdos do Iraque conseguiram alguma autonomia, ainda que breve e intermitente. Na Turquia, a política oficial era a de negar a existência do povo curdo, apelidado “turco da montanha”.
Temos, pois, um povo de cerca de trinta milhões de habitantes (o maior povo sem estado da atualidade), dividido por quatro países (na Turquia, 20 milhões, 20 % da população; no Iraque,10 milhões, 15 % da população; Irão, 6-8 milhões, 7 % da população; na Síria, 2,2 milhões, 15 % da população; deverão chegar quase a um milhão os curdos dispersos pela Arménia, Geórgia, Azerbaijão).
Esta situação é das mais insólitas e confusas do mundo. Absurdo, mesmo, é observar, num mapa, que os curdos formam uma massa de território contíguo. Não estão dispersos, mas sim concentrados numa região homogeneamente povoada.
A bandeira curda (três faixas horizontais, de cor vermelho/branco/verde, com um disco solar raiado, dourado, no centro) é usada no Curdistão iraquiano na região norte (capital, Erbil), que dispõe de grande autonomia e que parece querer ascender à independência. As regiões curdas limítrofes (turca, síria, iraniana) têm os seus movimentos e aspiram certamente unir-se-lhe. Na Síria, os curdos controlam a região que os seus guerrilheiros conquistaram ao Daesh; no Irão, o regime iraniano vigia-os sem descanso. Na Turquia, o governo de Ancara treme ao ouvir falar dum Curdistão independente, e ameaça intervir nos territórios sírios e iraquianos de maioria curda. Aliás, já o fez.
Como se calculará, os independentistas curdos são vistos como perigosos terroristas por quem se quer opor ao seu ideal de construir a sua própria pátria. O costume nestes casos, afinal.
Conclusão (a única possível)
Na verdade, a única solução será instaurar um Curdistão independente, que, saindo de todos os quatro estados ocupantes por igual, os deixará sem motivos para desconfiarem uns dos outros. Terminarão também as insurreições permanentes em cada um deles, as desculpas para regimes ditatoriais ou de democracia “musculada”, e, claro, pelo menos no que toca ao direito, hoje universalmente aceite, de cada povo dispor de si mesmo como entender, dará a liberdade a trinta milhões de pessoas.
Eis uma tarefa de vulto para as instâncias internacionais e para todos os que lutam pela liberdade no mundo como condição prévia para uma verdadeira paz!