O caso que TAP que agora envolve o ministro das Infraestruturas João Galamba pode sistematizar-se em três temas: as agressões à equipa do gabinete por parte do adjunto; os documentos com as notas da reunião que envolve um deputado do PS e a ex-presidente executiva da TAP e, finalmente, a decisão de fazer esse mesmo encontro. Além disto há aquilo que se revela agora como especialmente grave: o envolvimento dos serviços de informação, o SIS. O gabinete do primeiro ministro, na sua primeira reação ao caso, na noite de segunda-feira, garante que “as autoridades agiram em conformidade no âmbito das suas competências legais”.
Mas todos estes acontecimentos antecipam que o caso tem condições para continuar a agravar-se por via dos testemunhos dos envolvidos na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, nomeadamente quando o adjunto exonerado, e depois o próprio ministro, forem ouvidos. O quadro político está num ponto tal que, da direita à esquerda, e passando até pelo próprio PS, pede-se no mínimo uma remodelação que envolva a substituição do próprio ministro das Infraestruturas. No limite podemos ter eleições antecipadas, por extraordinário que possa parecer. A acumulação de casos, mais do que o caso em si, parecem ser a principal justificação para essas posições.
Se olharmos para o conteúdo do que se passou, os acontecimentos são graves, com responsabilidades do ministro, mas é sempre possível encontrar, em cada um deles, atenuantes para João Galamba. Mas neste momento, em que ainda nem tudo está esclarecido, pode ter sido a reacção impulsiva e precipitada e, no limite, até amadora e autocrática a esses acontecimentos que merece a maior preocupação e condenação política.
No meio de tanto ruído vale a pena perceber do que estamos a falar. Não se deve desdramatizar, até porque este caso é mais um de vários exemplos do estado de descoordenação do Governo, da atitude pouco profissional com que trata os assuntos de Estado e as suas tentações para a autocracia, para o uso do aparelho do Estado para servir os seus interesses de sobrevivência no poder, e não o país.
Comecemos pelas agressões. Nessa noite foram agredidas duas pessoas das cinco pessoas que estavam no gabinete do ministro das Infraestruturas, quando tentavam evitar que o adjunto, exonerado pelo telefone por João Galamba, levasse o computador, que costumava ser seu, para casa. Uma das assessoras do ministro teve de ir ao hospital e foi submetida a exames. Sobre tudo isto o gabinete do ministro garante que tem provas. Há detalhes adicionais, revelando bem a confusão que se estava a viver, com a polícia – que não se sabe bem se foi chamada por uma das cinco pessoas do gabinete ou pelo ex-adjunto – a deixar sair Frederico Pinheiro com o computador.
O computador é depois resgatado, não sendo ainda claro quem o fez, se a Polícia Judiciária, se o SIS, o que é importante para perceber se os serviços de informação extravasaram as suas competências. Levando em conta os esclarecimentos do primeiro-ministro, a garantir que tudo foi feito no quadro da lei, podemos admitir que a questão foi esclarecida. O gabinete de João Galamba parece ter-se limitado a informar o SIS que tinha sido roubado um computador com informação classificada e fê-lo por sugestão do gabinete do primeiro-ministro. E António Costa diz agora explicitamente que fez bem.
Claro que o que se passou é grave e, pelo menos em parte, podia ter sido evitado. O adjunto agora exonerado acompanhava o dossier TAP desde o tempo de Pedro Nuno Santos, com quem trabalhava desde os Assuntos Parlamentares. Na sucessão, o novo ministro resolveu mantê-lo exatamente porque acompanhava o dossier da TAP. O que levou João Galamba a exonerá-lo foi, pelo que tem dito o ministro, a forma como actuou na preparação dos documentos a enviar à Comissão Parlamentar da TAP. O ministro pode ter toda a razão do mundo, mas manda o bom senso que não se demita uma pessoa – como não se despede – pelo telefone. Com isso não se apercebeu da reação nem, obviamente, a conseguiu controlar.
Depois há obviamente toda a reação atabalhoada que se pode compreender pelo estado de nervosismo das pessoas envolvidas, duas delas agredidas. Mas não parece ter existido bom senso fora daquela sala, com orientações de ligar para aqui e para ali, envolvendo até os serviços de informação. Não houve ninguém com serenidade para actuar sem agravar ainda mais a situação.
O segundo tema é, para simplificar, os documentos. O ministro afirma que sempre teve intenção de entregar todos os documentos, nomeadamente os que dizem respeito à reunião com a ex-presidente da TAP, à CPI. O agora ex-adjunto acusa o ministro de não o querer fazer. Facto: até ver, os documentos foram entregues e o ministro argumenta ainda que pediu a prorrogação da data para que se pudesse fazer chegar à CPI as notas que o seu ex-adjunto disse que afinal tinha. Podemos sempre acreditar mais numa parte do que na outra, mas o facto é que, até que se provem que existem outros documentos, o ministro das Infratestruturas entregou as notas dessa famosa reunião que estavam na posse do adjunto que exonerou. Não podemos avaliar o ministro por declarações de intenções realizadas por um adjunto exonerado.
Finalmente as reuniões com a presidente da TAP. Já se sabia que tinha sido João Galamba a dizer à presidente da TAP que existia um encontro com o Grupo Parlamentar do PS que tinha manifestado também vontade de reunir com ela. O que não se sabia é que João Galamba também tinha dito, nesse dia, que era bom que a presidente da TAP fosse a essa reunião. Este pode não ser o caso mais apelativo, mas para o bom funcionamento do regime é o mais problemático, para dizer o mínimo. Os deputados, incluindo os que pertencem ao partido que governa, devem escrutinar o Governo, coisa que obviamente não fazem se andarem a combinar perguntas e respostas. Sim, a TAP está sob um plano de reestruturação que o Governo tem de acompanhar de perto, até pelo dinheiro dos contribuintes que já lá injectou. Mas bastaria, no respeito pelo papel do Parlamento, o Governo artilhar-se com a TAP sem envolver os deputados.
Toda esta trapalhada é inacreditável e lamentável, não apenas em si, mas pela acumulação de casos em que se tem envolvido um Governo, com pouco mais de um ano em funções, com uma maioria absoluta, dinheiro como nunca houve para investir e uma economia pujante. Tem sido repetido até à exaustão que o primeiro-ministro tem de escolher melhor a sua equipa. Agora temos de alertar igualmente que os ministros devem escolher melhor os membros do seu gabinete para que não fiquemos todos a alimentar cada vez mais a suspeita de que a governação é tratada com leviandade e amadorismo.
O Governo, e especialmente o primeiro-ministro, vai ter de parar um bocadinho para refletir. O que se tem passado é demasiado grave. Quando pensamos que pior é impossível, há mais um caso a mostrar que sim, é possível. Depois de agressões dentro de um gabinete, um acontecimento nunca visto, é possível esperar ainda pior? Parece que sim, especialmente se o primeiro-ministro não agarrar a governação.
Como sublinhou António Costa Pinto na RTP, o facto de o Presidente não se ter, desta vez, precipitado a comentar o assunto é um dos sinais mais fortes da gravidade do tema. Pode não ter sido ainda a gota de água que fez transbordar o copo de Marcelo Rebelo de Sousa, mas estamos cada vez a aproximar-nos mais. A economia não é tudo, é preciso também a política, disse no dia 1 de Maio. Já recordou também o que tinha dito quando António Costa escolheu apenas substituir Pedro Nuno Santos em vez de fazer uma remodelação. Nós aprendemos que a maioria absoluta não garante tudo. E a partir de determinada altura o Presidente vai começar a preocupar-se seriamente com aquilo que a História dirá sobre si. E António Costa perderá uma oportunidade única de levar o país a dar um salto no seu desenvolvimento.