Anos de negociações contratuais mostram-me a relevância de um acordo bem negociado.

Os Acordos constitutivos da União Europeia representam o expoente máximo da arte de concertar interesses diversos para um fim auspicioso comum. O Tratado de Lisboa, o mais recente, reconheceu que os povos europeus se inspiraram “no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito”.

Quase em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu, talvez seja altura de evidenciar algumas das maiores virtualidades desta nossa União Europeia, a maior construção política e económica voluntária, e democraticamente decidida, dos povos europeus algum dia levada a cabo.

Os europeus partilham raízes comuns em termos de cultura, sociedade, educação e tradição, mas foi neste continente que se iniciaram as guerras mais duras, destrutivas e cruéis.

A construção europeia tenta aprofundar essas raízes culturais e de tradição, esbatendo divisões e moldando uma compreensão entre os povos baseada no contacto, nas trocas e no conhecimento mútuo.

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O respeito pelas Nações e sua soberania mas o desafio da criação de um espaço supranacional exige então a criação de mecanismos que ultrapassem as desconfianças e coloquem o povo europeu a interagir como se estivessem no mesmo país.

As quatro liberdades pensadas e desenvolvidas pelos pais fundadores da então CEE são ainda hoje um instrumento fundamental para o sucesso comunitário: a liberdade de circulação de trabalhadores, liberdade de estabelecimento e de prestações de serviços, a livre circulação de mercadorias e a de capitais.

Pense-se bem: constituir e manter um território composto por vários Estados e sociedades, dantes de costas voltadas ou com alianças de geometria variável, dentro do qual se assegure a protecção do individuo e se promova a mera liberdade– sem restrições nem visas, autorizações etc – de decidir onde se vive, onde se desenvolve um negócio ou forma de viver, onde se adquirem produtos ou se aplica o dinheiro é algo puramente espectacular na sua simplicidade de base, mas principalmente na sua eficácia!

O pilar da justiça comum é outro avanço indubitável, sustentado no princípio da subsidiariedade e no primado do direito. Os tribunais comunitários ainda ajudam mais dando consistência e alcance prático àquelas liberdades, efectivamente estendendo o efeito útil das mesmas – veja-se a inicial jurisprudência quanto ao conceito prático de “medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação ou exportação”.

Em termos jurídicos, o progresso foi e é alvo de espanto e admiração. Desde o reconhecimento mútuo das decisões judiciais à aproximação de inúmeras disposições legislativas, passando pela cooperação policial e judiciária nas matérias penais com dimensão transfronteiriça e a criação da Procuradoria Europeia. Tudo com os tribunais da União Europeia como locomotivas, ampliando a aplicação do direito comunitário a cada vez mais domínios.

Por outro lado, para um maior nível de integração europeia, gizaram-se e estabeleceram-se políticas comuns a todos os Estados-membros. Entre elas, destaca-se a política comercial comum, a política agrícola comum e a política comum dos transportes. Isto, sem falar da Moeda Única, projecto assaz inovador cujos efeitos ainda não se revelaram na totalidade, mas que os Estados-membros que o adoptaram não o desejam perder.

Mas, a cereja em cima do bolo, o outro motor fundamental no aprofundamento do conhecimento mútuo europeu, tem a ver com as pessoas. Foi e é o Programa Erasmus, ou, como ironicamente dizia Umberto Eco, o programa Orgasmus, tal é a capacidade do mesmo de aproximar os povos europeus.

De facto, na Europa as guerras, dissensos e concorrência desleal sempre assentaram em um desconhecimento mútuo, ou mesmo ignorância da cultura de outras sociedades que sempre estiveram próximas, mas tão distantes entre si. O surgimento de um mecanismo para pôr os jovens europeus a contactarem-se directamente só podia ter um efeito agregador e, mesmo, curador dos antigos traumas e ideias feitas que motivaram os confrontos e as desconfianças ancestrais e ajudar a criar uma sociedade comum de convívio e progresso pacífico na Europa, de onde todo o resto do desenvolvimento emanará.

Por tudo, a última sondagem Eurobarómetro do Parlamento Europeu antes das eleições de junho revela a consciencialização dos cidadãos e a preocupação com o actual contexto geopolítico.

Mais de oito em cada dez europeus (81%) consideram que votar é ainda mais importante tendo em conta a actual situação geopolítica.

Seis em cada dez cidadãos (60%) estão interessados nas próximas eleições europeias de 6 a 9 de junho e 73% dos cidadãos afirmam que as acções da UE têm um impacto na sua vida quotidiana.

Vamos, Europa! Vamos Europeus!