Meanwhile, right next door in Spain…

O PSOE chegou, há dias, a um acordo com o partido catalão Junts (o “Acordo”), para viabilizar a recondução do socialista Pedro Sánchez como presidente do governo.

Como veremos mais abaixo, quase toda a comunidade jurídica de Espanha concorda que o Acordo inclui disposições que, a serem aplicadas, prejudicariam gravemente o Estado de direito em Espanha, além, de colidirem com o princípio da separação de poderes e da independência da Justiça.

Uma das particularidades do Acordo está no facto contraditório de ser celebrado com partidos declaradamente secessionistas do reino de Espanha para empossar o governo “central” de Espanha. Outra das particularidades é a de ter como objectivo uma amnistia de mais de 3000 pessoas envolvidas nos movimentos independentistas da Catalunha de 2012 a 2023.

Mas a “cereja no topo do bolo” é a de que o Acordo prevê a criação de comissões de inquérito parlamentares durante a próxima legislatura para investigar as actividades judiciais que alguns intitulam de “lawfare” (instrumentalização da justiça para fins políticos) em torno do referendo e da declaração unilateral de independência da Catalunha, dando potencialmente origem a acções de responsabilidade do poder judicial ou a alterações legislativas.

Portanto, com o Acordo, o Parlamento espanhol passará a inspeccionar e a controlar, casuisticamente, a actividade dos Tribunais….

Mais de 15 Colégios de Abogados em Espanha, bem como as principais instituições jurídicas espanholas emitiram declarações de repúdio ao Acordo. O Consejo General del Poder Judicial (CGPJ) (órgão que regula o sistema judiciário espanhol) manifestou a sua rejeição “frontal” do Acordo, uma vez que este implica “uma ingerência inadmissível na independência judicial e um ataque flagrante à separação de poderes“.

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Além disso, as quatro associações de juízes espanholas manifestaram, num comunicado conjunto, a sua rejeição do conteúdo do Acordo, considerando que este poderia facilitar a “interferência na independência judicial” e precipitar potencialmente a “ruptura da separação de poderes” em Espanha.

Na mesma linha, as três associações de procuradores do Ministério Público também emitiram declarações para mostrar a sua oposição ao Acordo, considerando que a possibilidade de criar comissões de inquérito em processos judiciais “representa um ataque sem precedentes à independência judicial que se traduz num desrespeito absoluto” pelo Estado de direito.

Numa iniciativa sem precedentes, numerosas sociedades de advogados de renome em Espanha emitiram também expressões públicas de apoio ao Estado de Direito e à independência do poder judicial, contestando algumas das disposições do Acordo.

Por último, mesmo a IBA (International Bar Association), emitiu um comunicado no qual subscreve inequivocamente todas as declarações acima referidas destinadas a proteger o Estado de direito em Espanha.

De facto, o que está em causa aqui é algo que não nos ocupa no dia-a-dia, mas, quando falta, muda-nos a vida.

A raiz do problema será, até, a mesma em Portugal e em Espanha: a importância e a necessidade de protecção de um Estado de direito consolidado, baseado na separação de poderes, em que o poder judicial, agindo de forma independente e exclusivamente sujeito à lei, desempenha o papel central de garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos e a aplicação de todo o sistema jurídico.

Em Espanha, o Ilustre Colégio de la Abogacía de Madrid sublinha que “a formação das maiorias parlamentares deve estar sempre sujeita ao princípio da legalidade constitucional” e que, em obediência ao princípio da separação de poderes e da independência judicial “é inaceitável a criação de comissões parlamentares de inquérito para fiscalizar a actuação dos tribunais”.

Aqui em Portugal, ao iniciar-se um período longuíssimo de espera por eleições, com um primeiro-ministro e governo demissionário, mas ainda em plenas funções, e com vários processos-crime a correrem em relação a governantes e outros próximos, e, depois das eleições, com um novo governo de geometria ainda bem indeterminada e fluída onde todos os acordos serão (pelos vistos) equacionáveis, dir-se-ia que há que manter “olho atento e reacção rápida” para se evitarem atropelos a estes princípios tão caros à nossa Constituição.

A Península Ibérica prepara-se para tempos constitucionalmente desafiantes….