Com mais um fim do mundo – financeiro, económico e social – a aproximar-se, a direita anda mais estranha do que nunca. Parece que se deixou de preocupar com o futuro do país e enveredou pelo consolo do misticismo. Para o cidadão comum, não apresenta nenhuma alternativa discernível ao projecto de poder do PS de António Costa, antes pelo contrário: apoia-o de todas as maneiras possíveis e imaginárias, mesmo que isso signifique pactuar com erros, mentiras e ilusões. Para todos os efeitos, serve-o. E isso, repito-o, com mais uma catástrofe de dimensões bíblicas à porta e já a entrar pela casa dentro. Tanto desinteresse, tanta ausência de vontade, é obra. Não sei se de Deus ou do Diabo, mas suspeito que do segundo.
Marcelo, por exemplo, discursou no outro dia em Ovar. Um dos temas foi a questão das restrições impostas por vários países europeus, em particular do Reino Unido, às visitas a Portugal dos seus cidadãos, por causa da taxa de propagação da Covid por estas bandas. E o que disse o nosso Presidente? Cito: “Nós fomos e somos um exemplo. Não precisamos das lições alheias para sermos um exemplo. Não dependemos de listas alheias para sermos um exemplo, não retaliamos contra ninguém para sermos um exemplo. Não fechamos a porta àqueles que nos fecham a porta, porque entendemos que é assim que damos um exemplo”.
Por uma vez, a conhecida obsessão de Marcelo com o facto de sermos (basta-nos querer) os melhores do mundo não é o mais lamentável do seu discurso. O mais lamentável é a curiosa mistura do Sermão da Montanha e da não-violência à Gandhi que ele julgou oportuno introduzir pelas suas palavras no coração dos portugueses, quando deveria estar a discutir um problema que é susceptível de uma análise racional: porque é que nos revelamos incapazes, apesar de um assinalável esforço colectivo, em combater eficazmente a actual pandemia? A chamada “ética da convicção” é uma coisa muito linda e respeitável, mas trazê-la para primeiro plano – “não retaliamos”, “não fechamos a porta”, etc. – quando o que se exige do primeiro magistrado da nação é antes de tudo o exercício da “ética da responsabilidade” – o que fazer para evitar a presente situação que desgraça o país, como combater eficazmente aqui o surto pandémico – não é apenas, perdoe-se a palavra, uma tontice. É uma declarada manifestação do que se poderia talvez chamar a ética da irresponsabilidade. Marcelo poderá ser uma pessoa muito inteligente, mas a sua inteligência tem por vezes, e até começa a ser a regra, efeitos deletérios para o país. O salto para a nossa suposta exemplaridade mística é um salto para o abismo. Nada daquilo se aproveita para melhorar a nossa situação. E isso, apesar de tudo, interessaria um bocadinho, não é?
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