No atual contexto da pandemia Covid-19 e do seu impacto económico e social, assistimos a situações de carência económica de muitas famílias, com dificuldades de acesso a bens essenciais como os medicamentos, que podem agravar problema já existente em Portugal.

Apesar de alguma melhoria nos últimos anos, 21,6% da população em Portugal encontra-se em situação de pobreza ou exclusão social, de acordo com os últimos dados de 2018.

Estatísticas internacionais da OCDE e da União Europeia evidenciam que temos necessidades não satisfeitas de cuidados de saúde (39,8%) acima da média (26,5%), sobretudo por motivos financeiros. Acrescem dados internacionais que colocam o nosso país com um nível elevado de copagamentos e dificuldades no acesso aos medicamentos, especificamente para os doentes mais carenciados (1 em 10 portugueses não adquirem medicamentos prescritos devido ao custo).

Foi para mitigar este drama que nasceu o Programa abem, lançado pela Associação Dignitude em 2016, um projeto solidário que apoia os grupos mais desfavorecidos da população, através de cofinanciamento na aquisição de medicamentos prescritos nas farmácias comunitárias.

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O Programa assenta numa parceria inovadora de instituições do sector social, com o sector da saúde e a Administração local e é já de âmbito nacional. Qualquer pessoa em situação de carência pode ser referenciada, tendo acesso ao Cartão abem, para poder adquirir gratuitamente os medicamentos prescritos.

Desde a sua criação e até ao final de dezembro de 2019 o programa cofinanciou 419 mil medicamentos (73% para o sistema nervoso, aparelho cardiovascular e diabetes), apoiando 6.669 famílias e mais de 12 mil beneficiários (35% idosos, 13% crianças e adolescentes, e 58% do género feminino), em todo o país.

O caminho de aprofundamento e alargamento desta rede baseia-se, igualmente, em princípios de rigor e transparência, sustentados em evidência. Neste contexto, um consórcio de três centros de investigação (1) foi desafiado a estudar o impacto do programa, avaliando os ganhos no bem-estar dos beneficiários.

A convenção seguida em ciências sociais define como situações de pobreza aquelas em que uma pessoa tenha um rendimento abaixo de um limiar crítico, a linha de pobreza. O Eurostat, define como linha de pobreza um valor correspondente a 60% do rendimento mediano. Quanto mais abaixo desta linha uma pessoa estiver, maior é a gravidade da sua situação de pobreza, sendo que há duas medidas estatísticas diferentes desta gravidade: intensidade e severidade da pobreza.

Valorizando monetariamente os benefícios concedidos pelo programa, o consórcio estimou um impacto substancial na redução da gravidade da pobreza na população apoiada, com uma diminuição média de 3,4% na intensidade da pobreza e de 5,6% na sua severidade. Isto significa que, o financiamento dos pagamentos dos doentes na aquisição de medicamentos representou um aumento do poder de compra que diminuiu a distância a que se encontram do limiar da pobreza, reduzindo o seu nível de gravidade. Este impacto, sentido na população participante no programa, está na mesma ordem de grandeza dos efeitos na população em geral de grandes alterações nas políticas sociais, como é o caso das várias mudanças ocorridas desde 2010 no rendimento social de inserção ou no abono de família.

Adicionalmente, o programa evitou que, em média, 7,5% dos utilizadores tivessem despesas catastróficas em medicamentos. Este indicador de proteção financeira, proposto pela Organização Mundial de Saúde, considera que pagamentos diretos em saúde são catastróficos quando superam 10% do rendimento disponível do agregado familiar. Há mesmo casos em que foram evitadas despesas causadoras de miséria (situação de pessoas que nem sequer tinham rendimentos suficientes para cobrir as despesas de alimentação).

Os resultados evidenciam um aumento de beneficiários apoiados e crescente ajuda financeira, sugerindo uma melhoria no acesso desta população aos medicamentos. Este apoio constitui, assim, um reforço solidário das políticas sociais e de inclusão em Portugal, procurando aproveitar o papel ativo da rede de proximidade de farmacêuticos para reduzir as privações em saúde.

Por fim, considerando a conjuntura que vivemos torna-se mais premente este apoio, sendo importante continuar a investigação, explorando impactos nos ganhos em saúde, que ajudem a corroborar o real valor de iniciativas solidárias, a bem de uma sociedade mais inclusiva.

(1)   Consórcio do CEMBE da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, do CEA da Catolica Lisbon School of Business and Economics e do CEFAR da Associação Nacional das Farmácias