A Itália de Giorgia Meloni anuncia a suspensão do Acordo de Schengen. A comunicação social, sem surpresa, foca-se na decisão da primeira-ministra italiana. Meloni é, afinal, fácil de demonizar: é de direita, conservadora, ‘nacionalista’, eurocéptica. Mas a contestação a Schengen não é fenómeno italiano, nem se limita àqueles governos que escandalizam a nossa imprensa politicamente inquinada. Pelo contrário, da França à Alemanha, à Áustria, à Noruega, à Hungria e à Polónia, multiplicam-se os Estados-membros da UE que reconhecem que, no que à livre circulação na UE diz respeito, algo está podre no reino da Dinamarca. Entre o mais perfeito silêncio mediático, com efeito, são já nove os países signatários do Acordo que o têm suspenso.

A situação tenderá a piorar no futuro. O Espaço Schengen foi criado em 1995. A guerra fria – e a vitória do Ocidente nela – era então memória recente. A Europa sentia-se confiante. A leste, o grande adversário das democracias, o bloco socialista, havia implodido; o mundo conhecia as primícias da nova unipolaridade americana. Uns anos antes, Fukuyama escrevera o seu ‘O Fim da História e o Último Homem’: o triunfo e universalização do modelo liberal-capitalista, com as suas instituições e a sua expectativa de prosperidade material, parecia uma inevitabilidade. O êxtase globalista foi o pai de Maastricht – e foi o pai de Schengen. A ninguém pareceu provável que, umas décadas passadas, o terrorismo se convertesse em ameaça permanente e total, o caos viesse a cobrir o Mediterrâneo, o Sahel saísse da órbita da França e milhões de refugiados e imigrantes económicos – afinal, muitas vezes, de impossível integração cultural nos países do Ocidente  – se dirigissem à aberta e desprotegida fronteira da Europa. Ninguém presumiu que, no Médio Oriente, a guerra levasse comunidades inteiras à fuga, ou que, em África, a sobrepopulação e a pobreza viessem a conduzir milhões a uma viagem tenebrosa rumo às praias da Itália, da Grécia e da Espanha. E, todavia, assim veio a ser.

Esta não é a realidade com que contavam os arquitectos de Schengen. É, contudo, a que temos hoje. Abdeslam Lassoued, o imigrante tunisino que pôs em marcha o recente atentado terrorista de Bruxelas, tivera de fugir da Suécia devido a acusações – como vemos, fundamentadas – de extremismo. Usufruindo das facilidades concedidas por Schengen, mudou-se para Portugal, onde viveu na Guarda, e foi cá detido pelo SEF. O tribunal libertou-o, e ele, fugindo novamente às autoridades, dirigiu-se à Bélgica. Este não é caso raro. Entre os milhões de pessoas que têm chegado à Europa – e usado Schengen para movimentar-se livremente nela –, grande parte vem de Estados em guerra. Muitos chegam radicalizados, ou tiveram ligação prévia a grupos terroristas. Exemplo pertinente: os países da União receberam um milhão de refugiados sírios desde 2011. Quantos deles são ex-combatentes – ou apoiantes – de grupos ‘rebeldes’ islamistas? E quantos têm, como Lassoued, usado Schengen como escudo para actividade criminosa?

Se os tempos são novos e de desafio, novas têm, também, de ser as soluções. Constatar a falência de Schengen nada tem que ver com ideologia. A Alemanha de Scholz, a França de Macron ou a Dinamarca social-democrata não suspendem Schengen por convicção eurocéptica – suspendem-no porque Schengen deixou de funcionar. Como eles, o governo português deve pôr a segurança dos portugueses à frente da ideologia. Este é o momento de deixar para trás o laxismo e a irresponsabilidade. Este é o momento de proteger Portugal, recuperar a fronteira e voltar a decidir soberanamente quem entra em território nacional. Façamo-lo antes que seja demasiado tarde.

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