Hoje o rosto da Rússia no Donbass são as milícias russas do Grupo Wagner. Apresentam-se como “músicos” que tocam uma partitura afinada, audível e potente. Apesar de serem pouco mencionadas enquanto forças paramilitares no panorama televisivo russo – porque legalmente proibidas –, gozam de uma imagem de guerreiros exímios.

Na atual fase de atolamento da guerra, o Kremlin emprega os homens sanguinários de Prigojin naquilo que aparenta ser a procura de uma vitória a todo o custo. Assim, a alegada tomada recente da cidade de Soledar, a 10 km de Bakhmut e próxima de Siversk mais a norte, pode ser um passo numa operação de maior envergadura com o objetivo de controlar definitivamente a região de Donetsk.

Em contraponto, esta elite de combatentes russos apresenta resultados mitigados, se não mesmo lentos. A nomeação do general Guerassimov para comandar a “operação militar especial” russa na Ucrânia é porventura indicadora de uma mensagem para o Grupo Wagner. A “libertação” da Ucrânia dos próprios ucranianos não deve pôr em causa o controlo centralizado do Kremlin. Esse objetivo afigura-se desde já muito comprometido, uma vez que Progojin, assim como outros atores privados, asseguram funções de segurança tradicionalmente alocadas ao Estado.

Se é certo que o nó de Bakhmut ganhou visibilidade, não deve ser minorado um jogo das aparências nesta frente mais mortífera e violenta da guerra. Afinal, uma elite guerreira russa (mercenários patrocinados pelo Estado) não provou ser um instrumento militar eficaz com resultados no terreno, apesar de ser uma máquina de comunicação e de captação de recursos nas mãos do oligarca que a dirige. Assim, Wagner participa do endurecimento da realidade paralela criada por Moscovo em que a Rússia é uma vítima do “Ocidente alargado” e que a guerra é defensiva e justa.

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No fim de semana, o bombardeamento de um prédio de habitação em Dnipro confirmou a estratégia da Rússia de aterrorizar as populações, sempre negada pela própria. Em simultâneo, a vizinha Bielorússia está cada vez mais perto de ser arrastada como cobeligerante ao lado de Moscovo, lembrando que, apesar do reconhecimento da resistência e funcionalidade dos ucranianos, a guerra nunca deixou de ser assimétrica contra Kiev.

Para que o ano novo 2023 possa ser “o ano da vitória”, tal como desejado pelo presidente Zelensky, os ocidentais são agora obrigados a encarar com seriedade os envios crescentes de material bélico. O pedido de Kiev de 300 carros de combate cifra as necessidades atuais ucranianas. As hesitações francesas e alemães contrastam com a prontidão britânica em expedir mais de uma dezena dos seus blindados Challenger 2.

O presidente francês “abriu o caminho”, ao anunciar a entrega de blindados de reconhecimento e apoio, de tipo AMX-10 RC, procurando estimular outros países como a Alemanha e os Estados Unidos da América a fazerem o mesmo. É a primeira vez que faculta este tipo de material, que se aproxima das capacidades dos carros de combate, embora mais ligeiro e dotado de rodas e não de lagartas, de que Berlim e Washington não dispõem, tendo apenas carros de combate, pesados, e viaturas de combate de infantaria, mais ligeiros e sem o poder de fogo dos AMX franceses. Em antecipação da próxima reunião dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) na base de Ramstein na Alemanha, o secretário-geral da organização confirmou a expectativa do aumento na entrega de armas pesadas.

O simbolismo do emprego de viaturas blindadas de fabrico ocidental na guerra sublinha a direção que o conflito está a tomar. Apoiar a Ucrânia, o leme fundador da posição ocidental desde 24 de fevereiro, é dificilmente alcançável sem o apoio militar. Levados num comboio a grande velocidade que dificilmente se consegue parar, os ocidentais estão hoje numa posição análoga à posição russa. Como parar a violência sem perder? A alternativa à guerra direta ainda não está à vista.