Esta semana afigura-se desde já como um momento na História em que situações urgentes levaram a acontecimentos que eram ainda inimagináveis no início de 2022. A urgência é provocada pela guerra russa na Ucrânia, à qual se acopla a urgência climática. Contradizendo o cansaço que Putin esperava, não só dos europeus como de todos os ocidentais, as duas medidas adotadas, esta semana, pela União Europeia (UE), são um passo inédito com vista ao isolamento de Moscovo.

A 5 de dezembro, entrou em vigor o embargo europeu ao petróleo russo, assim como um limite máximo de 60 dólares para a compra do crude russo. No próximo dia 5 de fevereiro, o embargo será completado com a inclusão de produtos refinados, como o gasóleo. Estas medidas são o prenúncio de um novo mundo energético em que a Europa redireciona o seu mercado, até agora fortemente dependente dos abastecimentos russos.

A novidade é drástica porque a interdependência avultava em ordens de grandeza que afetam os dois lados da equação, europeus e russos. Sendo o segundo maior exportador mundial de petróleo, 18% do PIB da Federação Russa foi originado por este setor em 2021. No mesmo ano, 45% do gás, 26% do crude e 43% dos produtos refinados importados pela UE provinham da Rússia. Desde o início da guerra a 24 de fevereiro, a Rússia encaixou mais dinheiro com a venda do seu petróleo à UE do que a totalidade do seu orçamento anual de defesa.

Apesar de provocar incertezas no mercado mundial do petróleo, os objetivos políticos das novas medidas procuram equilibrar dois elementos centrais. Se, por um lado, os europeus querem acabar com a guerra russa de agressão através da limitação da renda do petróleo, por outro lado, existe a necessidade de amortecer a crise energética que surge como uma consequência global da guerra, arrastando consigo efeitos inflacionistas.

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Percebe-se, desta maneira, que as medidas adotadas não têm por objetivo parar completamente as vendas russas porque isso resultaria numa subida elevada de preços. O colapso da procura europeia e dos países do G7 pode ser substituído por outros compradores, apesar de ser difícil compensar a perda do mercado europeu, porque antes da guerra era o seu principal mercado. Desde 24 de fevereiro, os russos já perderam cerca de 40% deste mercado e caminha-se para a nulidade.

Assim, o teto para o preço do petróleo é uma medida concertada entre europeus e os países do G7 para limitar as rendas russas mas não para as impedir. O efeito extraterritorial conseguido será limitador para o Kremlin, porque impede as companhias marítimas e as seguradoras de transportar as cargas vendidas acima do teto fixado. No entanto, o limite imposto não fecha as portas dos compradores asiáticos, em particular da China e da Índia. O desvio do petróleo russo é, portanto, possível, uma vez que o mecanismo se destina a diminuir as rendas e não as quantidades que acabam por ser vendidas.

Pressionar Moscovo com medidas energéticas para finalizar a guerra na Ucrânia será uma missão (im)possível para a União Europeia? Não é esperado um impacto de penúria ou de subida dos preços a curto prazo porque o embargo foi decidido e preparado há meio ano. Para além de já se comprar a outros fornecedores o petróleo bruto, o preço mundial tem vindo a diminuir desde o verão (de 120 para 86 dólares por barril). No entanto, a economia de penúria não afeta apenas o petróleo mas também o gás russo e não é uma situação que possa ser suportada por muito tempo.

Persiste, assim, a questão de saber se, com as medidas adotadas, os europeus têm os meios para aguentar esta guerra. Se se ficar nesta situação de privação, o esforço terá de ser suportado tanto do lado dos consumidores como do das políticas públicas. Se já se sabe que, a partir de fevereiro 2023, o petróleo refinado será fornecido pelos Estados Unidos da América, Médio Oriente e Índia, não está definido até que ponto a necessidade de importações do gigante energético russo, no futuro, irá impactar o interesse em acabar a guerra na Ucrânia.

Neste momento, a resposta situa-se no plano “RePowerEU”, adotado em maio de 2022. O plano pretende acelerar a transição energética em resposta à disrupção do mercado, em três frentes: diversificar o abastecimento em gás (atingir um corte de 100% do gás russo em 2027), acelerar a implantação de energias renováveis ​​e gerar economias energéticas. Portugal, enquanto Estado-Membro, tem um papel potencial de relevo nos sucessivos pacotes de medidas adotados para a resposta global da UE à crise energética.

Além das suas medidas internas que estão a ser estudadas por Bruxelas como uma possível solução comum (como o “travão ibérico” para controlar os preços de mercado), Portugal apresenta-se como uma alavanca para reduzir a dependência da Rússia. Com uma instalação portuária de águas profundas em Sines, um baixo nível de gás no seu cabaz energético e uma relevante e dinâmica produção de energias renováveis, Portugal tem potencial para contribuir significativamente para os objetivos do RePowerEU. Após o abandono da construção do gasoduto MidCat, o novo acordo assinado por Lisboa, Paris e Madrid para a criação de um “corredor verde” irá não só contribuir para integrar o sistema energético português na UE como será uma alternativa à Rússia com novos gasodutos (incluindo gás verde) e redes elétricas.