O PAN nasceu há uma década (embora só tenha sido reconhecido pelo Tribunal Constitucional em 2011) mas só recentemente começou a ser falado pelo seu estrondoso sucesso. Também só agora começou a ser escrutinado pela opinião pública, que muitas vezes por desconhecimento e outras vezes por desleixo nunca se dedicou a estudar profundamente as causas do sucesso deste partido que se diz ecologista e que através do nicho eleitoral da defesa dos animais de companhia está cada vez mais próximo de influenciar fortemente a vida política nacional.

Neste mesmo jornal, há não muito tempo, José Manuel Fernandes dedicou um interessante artigo a explorar as incongruência e o esoterismo ideológico do programa eleitoral do partido. Para além de uma organização deficiente, que mais depressa faz lembrar o programa de uma candidatura a uma associação de estudantes do que propriamente a umas eleições legislativas, sobressai também uma óbvia falta de preparação técnica para a responsabilidade eleitoral que os cidadãos estão prestes a entregar a este partido. Mas mais do que denunciar o radicalismo sombrio destas propostas, interessa também percebermos o porquê de um grupo de pessoas sem experiência política, aparentemente mal-preparadas, conseguirem chegar até aqui. É precisamente este o meu ponto de partida.

As origens de um partido de inspiração religiosa.

Não é caso único na história dos pequenos partidos nacionais. Já o Partido Humanista, que concorreu pela primeira vez a umas eleições em 1999 e foi extinto em 2015, por iniciativa dos seus fundadores, era herdeiro do ainda existente Movimento Humanista. Para quem não sabe, este movimento faz parte da Internacional Humanista e é herdeiro da visão política do argentino Mario Rodrigues Luis Cobos, mais conhecido por “Silo”, que é visto como um Messias que aborda questões espirituais bem mais profundas do que a mundana política. Talvez por este motivo a  Assembleia Nacional Francesa, em 1995, considerou este movimento como uma seita. Facto que os integrantes do mesmo rejeitam. Seita ou não, a verdade é que há uma espiritualidade e uma mensagem que podem facilmente serem confundidas com uma religião.

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Vão ao Facebook e vejam os seguidores de cada um dos partidos nas redes sociais. O PS tem 84 mil seguidores, o PSD tem 149 mil, o CDS 34 mil, o Bloco de Esquerda 97 mil, o PCP apenas 16 mil, a novíssima Aliança 17 mil, o Chega 22 mil e a surpreendente Iniciativa Liberal 62 mil. Então e o PAN? Recoste-se na cadeira: nada mais nada menos do que: 160 000 seguidores.

No caso do PAN esta ligação é ainda mais óbvia. Quem raio se lembraria de há 10 anos criar um partido exclusivamente focado na defesa dos animais? Os budistas é óbvio. O grande impulsionador do PAN foi o seu primeiro presidente, Paulo Borges, que aquando da fundação do partido acumulava também a presidência da União Budista Portuguesa — cargo que ocupou praticamente durante uma década.

Os primeiros resultados pouco convincentes acabariam por ditar a saída de Paulo Borges — que só este ano abandonou a filiação no partido — e a consequente subida ao poder de André Silva e da sua linha interna mais pragmática eleitoralmente. Foi aqui que tudo começou a mudar. O próprio fundador do partido, aquando da sua saída, deixou fortes críticas a André Silva e à sua direcção.

O partido que percebeu a importância das redes sociais antes dos outros

Façam um exercício simples: vão ao Facebook e vejam os seguidores de cada um dos partidos nas redes sociais. O PS tem 84 mil seguidores, o PSD tem 149 mil, o CDS 34 mil, o Bloco de Esquerda 97 mil, o PCP apenas 16 mil, a novíssima Aliança 17 mil, o Chega 22 mil e a surpreendente Iniciativa Liberal 62 mil. Então e o PAN? Recoste-se na cadeira: nada mais nada menos do que: 160 000 seguidores. Ou seja, é o partido com mais seguidores nesta rede social e tem quase o dobro dos seguidores do partido que está no governo. No Instagram são mais de 23 mil (o PSD só tem 13 mil e poucos e o PS não chega aos 10 mil). Só no Twitter é que o PAN desilude, tendo pouco mais de 4500 “followers”, mas como sabemos não é nesse campeonato que ganham votos.

Surpreendidos? É simples: enquanto os outros partidos ainda viviam na era dos blogues, já o PAN focava a sua ação no campo de batalha que se veio a verificar preponderante: as redes sociais. Às vezes na comunicação política, como na vida, a dificuldade (falta de dinheiro) aguça o engenho. Neste caso em concreto saiu-lhes o jackpot. Enquanto a lei eleitoral, ao contrário de outros países, continuar a proibir os partidos de comprarem media nas redes sociais, este continuará a ser um campeonato fértil para o PAN e eles sabem disso melhor do que ninguém.

Um dos poucos pequenos partidos que percebeu o método de Hondt

Como alguém que trabalha em comunicação política tenho que confessar que me dói a alma sempre que vejo um líder partidário de um pequeno partido a perder tempo a fazer campanha em distritos que sabe que nunca vai conseguir eleger. São recursos financeiros e tempo perdidos em locais onde são precisas votações de 10% e 20% para almejar eleger um representante. O PAN percebeu isso e em vez de andar a fazer uma campanha dispersa, focou-se antes nos sítios onde podia eleger: primeiro Lisboa e Porto, e agora Setúbal, Braga e Aveiro. Enquanto isso vemos Assunção Cristas, Santana Lopes e outros líderes a fazerem campanhas no interior. Boa sorte para eles.

No mundo em que vivemos um partido não precisa de um programa de governo, só precisa de meia-dúzia de ideias que resultem num bom sound-byte

Sejamos sinceros, tirando os políticos, alguns jornalistas e outros tantos comentadores, ninguém perde tempo a ler programas eleitorais, manifestos e moções globais dos congressos. Todos sabemos que têm que existir, mas todos sabemos também que não são capazes de conquistar um único o voto. O PAN foi inteligente ao transformar a sua maior fraqueza (falta de consistência ideológica) numa vantagem: comunicar apenas aquilo que sabiam que os seus eleitores queriam ouvir. Para quê perder tempo a explicar cenários macro-económicos, quando podemos prometer salvar todos os gatinhos e cãezinhos abandonados?

Paralelamente, o eleitorado original do partido é constituído por jovens millennials e da geração Z. Eleitores que consomem informação em posts de redes sociais curtos e em notificações push das apps que trazem consigo nos smartphones. Esta malta quer sound-bytes e ideias simples, não quer profundidade ideológica e palavras caras. O PAN sabe disso.

Os jovens votam pouco, crescem e só votam quando lhes apetece. Foi preciso saber chegar aos velhotes.

Não é impossível, mas é lento e arriscado pensar que se pode crescer eleitoralmente só com o voto jovem. É uma verdade óbvia, é certo. Como fazer do ideário animalista algo sexy para o eleitorado mais velho? Através de um sound-byte genial: um Serviço Nacional de Saúde para animais de companhia. Pensemos na velhinha com três gatos, que já tem que pagar os seus medicamentos e cuidados de saúde, que ama os seus animais mais que tudo na vida e que faz sacrifícios enormes sempre que tem que os levar ao veterinário. Simples não é? Dia 6 de Outubro vão ver o resultado eleitoral desta medida.

O vazio dos partidos ambientalistas. Um nicho que estava estupidamente por explorar. 

O PAN nem sempre foi PAN. Quando nasceu a sigla era PPA, designando-se “Partido Pelos Animais”. Só um ano depois se transformou em PAN, “Partido pelos Animais e pela Natureza”, acrescentando assim a causa ecologista ao seu branding original que apontava para um partido de nicho apenas focado nos direitos dos animais.

Mas porquê ocupar este espaço? É simples, porque esta área política crescia em toda a Europa e estava por preencher no nosso país. Até aqui existia apenas o PEV, fundado em 1982 pelo PCP e que tem a peculiaridade de ter sempre, sublinho sempre, concorrido a eleições coligado. Ou seja, uma bela tentativa do PCP de não perder votos para os partidos ecologistas que por toda a Europa roubavam eleitorado e até protagonistas (ainda se lembram do Dany “Le Rouge”?) à esquerda. Na verdade esta estratégia funcionou perfeitamente até há pouco tempo.

Tirando o PEV houve antes o PPM, que através de Gonçalo Ribeiro Telles trouxe logo depois do 25 de Abril o ideário ecologista para a mesa da discussão política nacional e também o MPT, igualmente fundado por Ribeiro Telles e muitos dos seus aliados, mas que o único sucesso eleitoral que conseguiu foi quando serviu de barriga de aluguer a Marinho e Pinto.

O ambiente estava por explorar politicamente em Portugal e o “clima” internacional ajudou. Lá de fora chegavam-nos ecos da “greve global climática”, da “emergência climática” e das inúmeras cimeiras que a ONU e outros organismos internacionais têm dedicado ao tema. O PAN soube com mestria colocar a sua bandeira em cima deste território político, que depois de ocupado dificilmente fugirá para outro lado — mesmo perante as inúmeras tentativas (muitas vezes notoriamente forçadas) dos outros partidos quer de esquerda quer de direita.

André Silva: um líder radical por dentro mas moderado por fora

André Silva é gozado por quase todos os comentadores, mas é provavelmente o mais inteligente líder partidário em Portugal. Durante muito tempo, até ao aparecimento desta personagem, o partido era visto como um aglomerado de radicais com teorias exóticas. André Silva soube polir muito bem o seu discurso público e moderar a mensagem. O tom mudou e a maneira de fazer política também: às vezes o que importa não é o que dizemos, mas a forma como o dizemos. O PAN já não é mais contra as touradas, é antes contra a utilização de animais em touradas (que é o mesmo). O PAN já não quer mais obrigar as pessoas a terem uma dieta vegetariana, quer antes limitar o consumo de carne e peixe até sermos todos vegetarianos (que é o mesmo também). O PAN já não quer que os animais tenham tantos direitos como as pessoas, quer antes que as pessoas que tratam bem os animais tenham mais direitos e que as que tratem mal os animais sejam mais punidas (que, convenhamos, é também o mesmo).

Nos debates André Silva fez o que tinha que fazer. Não falou de nada que não dominava e aproveitou todos os momentos para trazer o tema do clima para cima da mesa. Até os animais (coitados) foram relegados para segundo plano. Os votos dos fanáticos dos animais já lá estavam, era preciso conquistar agora as pessoas com preocupações ambientais – e André Silva sabia disso. Inclusive, em campanha, quando o interpelavam na rua sobre o porquê de ser vegetariano, ele argumentava que era por questões de sustentabilidade ambiental. Esperto.

O PAN gosta de dizer que não é de esquerda nem de direita. Mas será que isso não os torna de esquerda? Claro que torna. Mas no entretanto, com este discurso, há pessoas de direita com preocupações ambientais que não se importam de votar PAN. É genial ou não é? Claro que é.

Outro dado curioso é que o PAN é praticamente um partido de uma só voz. Sobre tudo e qualquer coisa quem fala é André Silva e inclusive quando foram as eleições europeias, Francisco Guerreiro, o agora eurodeputado, parecia uma réplica perfeita do seu líder: o mesmo tom, o mesmo discurso e a mesma moderação dissimulada. Na noite eleitoral, na hora de assumir a vitória, quem falou (e dançou a célebre macarena) foi André Silva. Ora aí está: o seu a seu dono.

Não ser de esquerda nem de direita dá para roubar votos aos dois lados

Não é por não comermos bifes de vaca que quando comemos um hambúrguer de vaca não estamos na mesma a comer carne de vaca. A única diferença é que estamos a comer um hambúrguer e não um bife. Eu sei que pode parecer a mesma coisa, mas em comunicação não é exactamente a mesma coisa e o PAN sabe disso.

A metáfora da carne de vaca é simples: o PAN tem um programa de esquerda, um discurso de esquerda, um estilo de intervenção de esquerda e uma agenda completamente à esquerda. No entanto, gosta de dizer que não é de esquerda nem de direita. Mas será que isso não os torna de esquerda? Claro que torna. Mas no entretanto, com este discurso, há pessoas de direita com preocupações ambientais que não se importam de votar PAN. É genial ou não é? Claro que é.

O PAN também sabe fazer spin

Em Novembro do ano passado, a TVI, através da sua jornalista Ana Leal, fez uma reportagem onde denunciava as práticas classificadas como ilegais de um grupo de resgate de animais maltratados bastante popular nas redes sociais, de seu nome “IRA” (sim, o mesmo nome dos terroristas irlandeses). Para quem não se lembra da reportagem, em resumo, o grupo era acusado de agir em anonimato e de usar intimidações físicas para invadir propriedades onde alegadamente estavam animais que sofriam maus-tratos, resgatar os mesmos e supostamente ameaçar os donos.

Verdade ou mentira, é certo que o PAN aparece envolvido com este grupo, através de Cristina Rodrigues, assessora jurídica do grupo parlamentar, dirigente do partido e ex-candidata à Câmara Municipal de Sintra. Mal saiu a notícia, André Silva fez questão de distanciar o partido do IRA, nas palavras do mesmo o PAN e o IRA não têm “qualquer tipo de ligação” e o próprio não tinha “conhecimento” dos métodos utilizados pelos extremistas. A verdade é que Cristina Rodrigues veio admitir que realmente tinha ligação, enquanto advogada, ao IRA: “Ajudo pro bono algumas associações, sendo esta associação uma delas. As queixas são feitas em nome do IRA ou com procuração. Ou seja, são em nome do IRA com uma procuração assinada em meu nome”.

Em que ficamos até agora? Em nada. O PAN soube meter outros temas polémicos em cima da mesa que abafaram por completo esta “crise mediática”. E sabem que mais? O pormenor mais delicioso é mesmo que esta Cristina Rodrigues é hoje a cabeça de lista do PAN pelo distrito de Setúbal. Distrito este onde o partido teve 6,6% nas eleições europeias, percentagem esta que a se repetida dita a eleição da ativista para a nossa grande casa da democracia.

Day after a 6 de Outubro: o que fazer com tantos deputados?

A eleição de um segundo deputado já seria uma grande vitória para o PAN, afinal, no fim de contas, estamos a falar de dobrar o número de eleitos na Assembleia da República. No entanto, as sondagens apontam que a representação poderá ser muito maior (embora nos últimos dias apareça em queda). A pergunta que se coloca agora é: e o que fazer com os novos deputados?

André Silva está habituado, como vimos em cima, a centralizar todos os holofotes em si. Ele sabe bem que tem que ser assim para que não lhe caia a capa da moderação. Mas irá conseguir fazê-lo com novos protagonistas a falarem no parlamento? Este será , sem sombra de dúvidas, o primeiro grande desafio do partido. Os restantes passam pela profissionalização do partido e pela conquista de novas agendas, que não apenas aquelas que estão ligadas ao ambiente. O PAN quer o poder e não se importa de estar num governo PS — já o disse várias vezes. Agora para governar não basta querer é preciso saber. André Silva e António Costa sabem muito bem disso. A decisão está nas mãos dos portugueses.