Desde há meses que estamos a digerir todos os problemas relacionados com a pandemia, com repercussões na saúde pública mundial e na sociedade. Ainda mal conseguimos controlar esta situação e, em menos de duas semanas, assistimos incrédulos à queda do governo afegão nas mãos dos talibãs.

Os próprios americanos, nomeadamente os serviços secretos, não estavam à espera desta derrota tão humilhante para o país, que gastou biliões de dólares em material bélico e na formação de trezentos mil soldados afegãos com o objetivo de lutarem e controlarem qualquer tentativa de avanço e recuperação territorial por parte dos talibãs.

Durante estas duas décadas milhares de afegãos ajudaram e colaboraram com os americanos e com as Nações Unidas. E o exército norte-americano, ao deixar o país, abriu praticamente as portas para os talibãs entrarem sem resistência em Cabul e tomarem o poder em poucas horas.

Ao longo destes 20 anos de regime pró-ocidental muitas crianças e mulheres habituaram-se a estudar e a praticar desporto, entre outras atividades normais e comuns a qualquer cidadão ocidental. Com a chegada dos talibãs ao poder todos estes direitos serão castrados em nome da religião, mas que se resume única e exclusivamente ao exercício do poder absoluto do homem sobre a mulher e a criança. Esta geração que nasceu e viveu em liberdade nos últimos 20 anos, nunca poderá entender e aceitar este conceito de puro machismo.

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Não é de espantar, por isso e infelizmente, assistirmos na televisão às imagens dantescas do aeroporto de Cabul, onde as pessoas até se penduraram no trem de aterragem dos aviões com a ténue esperança de poderem fazer parte da lista de passageiros em fuga para a liberdade.

Aquelas mulheres e crianças que não conseguiram entrar naquele espaço de derradeira esperança, o aeroporto de Cabul, terão, certamente, as suas vidas não só em perigo, mas também a liberdade algemada nas suas próprias casas.

Num país sem liberdade não existe presente, muito menos futuro. O regresso ao poder dos talibãs fez regredir duas décadas de conquistas na cultura, na saúde e no desporto naquele país. Quantas vidas em vão se perderam por causa da guerra e em nome de liberdade de expressão num país que num abrir e fechar de olhos voltou à estaca zero, onde o ambiente de terror passou a ser de novo o dia-a-dia daquele povo!

A saída precipitada das tropas americanas foi um erro estratégico inaceitável, com repercussões para o futuro do país e do mundo. Não nos podemos esquecer que foi sob este regime que a Al-Qaeda aumentou exponencialmente a sua atividade terrorista e que o seu maior triunfo foi o ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque.

A emigração forçada dos afegãos em fuga irá causar certamente muitos problemas de integração em diversos países, a começar pela língua e para não falar da cultura e forma de estar na sociedade, muito diferentes. Os países que estão a receber os refugiados afegãos terão de os acolher com solidariedade e respeito mútuo. Não nos podemos esquecer quão traumático e triste cada afegão se deve sentir neste momento com a queda do seu país nas mãos de talibãs famintos de vingança,  prontos para passarem à prática, sem qualquer pudor ou hesitação, o ato de humilhação das mulheres e crianças.

A questão mais importante é e será sempre dar a mão a quem precisa. Os afegãos necessitam urgentemente desse apoio e os atores a quem cabe colocá-lo em prática somos nós. Esta simbiose entre as duas partes tem de roçar a perfeição de modo a reduzir o impacto psicológico negativo causado pelo stress traumático ocorrido nestes dias de terror e incerteza.

A solidariedade mundial em plena pandemia para com o povo afegão terá de ser a nossa palavra chave. A pressão política e económica sobre o regime talibã por parte das Nações Unidas e da União Europeia terá de ser diária, com vigilância apertada sobre a atuação dos novos governantes para proteger a liberdade e os direitos das mulheres e crianças.

O mundo não pode nem deve tapar os olhos a atos bárbaros em pleno século 21! Não se trata aqui de ingerência nos assuntos internos de um país, muito menos de não respeitar a religião que seguem. Ninguém tem o direito de, em nome da religião ou cultura, humilhar e desrespeitar o seu semelhante.

Não é tolerável. É a defesa de vida que está em causa.