Há três anos, Randall Holcombe publicou um importante livro que, creio, não chegou cá – Political Capitalism: How Economic and Political Power Is Made and Maintained. Holcombe é professor de Economia nos EUA e foi presidente da Public Choice Society.

A “Public Choice”, ou Escolha Pública, é uma teoria económica que explica o processo de tomada de decisão do governo e da administração pública. Vê-o protagonizado por actores políticos, com interesses individuais ou de grupo, que tomam decisões em nome dos eleitores.

A Escolha Pública usa as ferramentas e pressupostos comportamentais da economia, quer se trate da alocação de recursos pelos mercados, quer por decisões políticas. Segundo James Buchanan, nobel de economia em 1986, pelos seus trabalhos sobre Public Choice, mesmo que haja uma “falha de mercado”, corrigi-la por meio de intervenções políticas normalmente cria falhas ainda piores.

Diz Holcombe (tradução minha): “Ninguém defende abertamente o capitalismo político, o clientelismo e a corrupção. Mas alguns dos maiores inimigos do capitalismo são capitalistas. Defendem barreiras regulatórias para proteger os seus mercados, barreiras comerciais para se proteger da concorrência externa, incentivos fiscais e subsídios que os beneficiam. Na maioria das vezes, quando as pessoas afirmam ser pró-negócios, as políticas que defendem são anticapitalistas (ou anti-mercado livre). […] O estado social não é a maior ameaça à economia de mercado. As ameaças ao capitalismo não vêm tanto do tamanho do governo, mas do que o governo faz. O estado regulador é muito mais uma ameaça aos mercados livres do que o volume da despesa pública.

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Esta análise ajuda-nos a entender o que se passou em Portugal nas últimas décadas. O estatismo endémico do nosso regime tem sido uma montra de tudo o que é pernicioso no “Capitalismo Político”.

Portugal saiu do modelo económico Corporativista do Estado Novo para um Socialismo que nacionalizou uma parte importante da economia. Nunca existiu em Portugal um verdadeiro mercado livre, salvo em sectores onde predominam as pequenas empresas. Isto explica porque não conseguimos criar riqueza, nem nos aproximar dos padrões de rendimento dos países da Europa do Norte. Alguns destes, apesar de apresentarem níveis elevados de despesa pública, dispõem de economias das mais livres do mundo, como indicam os rankings internacionais.

Desde há décadas, com a normalização democrática, os governantes socialistas – e outros estatistas – deixaram de nacionalizar empresas (salvo casos excepcionais, como o recente episódio da TAP). Têm formas mais insidiosas de controlar a economia, através de compadrios, leis feitas à medida, regulação em conluio com os incumbentes, “portas giratórias” entre governo, reguladores e sector privado, até mesmo corrupção…

Ora o Capitalismo de Mercado não é isso. É o trabalho de milhões de pessoas, motivados pelos seus sonhos e ambições, trocando livremente o produto do seu esforço, através da “mão invisível” do mercado. Criam redes dinâmicas de especialização de oferta de bens e serviços ao longo da cadeia de valor, incluindo bens de capital necessários para a estrutura produtiva, até chegarem aos produtos e serviços finais para o consumidor – que, também ele, escolhe livremente. Tudo regulado pelo mecanismo do preço. Milton Friedman exemplificou isto brilhantemente com a parábola do lápis.

Como diz Kenneth Minogue, Professor na London School of Economics, “o capitalismo é o que as pessoas fazem quando as deixam em paz”.

Este modelo permitiu às democracias liberais, assentes na economia de mercado, construir e manter uma sociedade de bem-estar. São as escolhas livres de milhões de agentes económicos, que permitem optimizar a alocação de recursos e criar riqueza.

Todas as experiências que tentaram substituir este mecanismo de mercado por um planeamento central, falharam. Na história, não há um único exemplo duma economia de planeamento central que tenha gerado uma sociedade próspera. No entanto, burocratas e políticos, armados em aprendizes de feiticeiro, continuam a aspirar poder controlar os cordelinhos da economia, substituindo os mecanismos de preços e mercados. Mises e Hayek explicaram esta impossibilidade, conhecida como “cálculo socialista”.

Voltando ao nosso país, uma análise do PSI 20, que representa as maiores empresas da nossa bolsa, revela que apenas três delas se focalizam na exportação, concorrendo em mercados internacionais e todas elas em sectores de baixa tecnologia e diferenciação. Todas as outras dependem do sector de bens não transaccionáveis, protegido da concorrência externa – e, em muitos casos, dependentes de forte regulação, que dificulta a entrada de novos concorrentes.

Significa isto que grande parte dos lucros da nossa bolsa são obtidos na exploração do mercado interno. No seu conjunto, as maiores empresas portuguesas são fortes importadoras de bens intermédios e de tecnologia. Antes da crise de 2011 ainda era pior, pois grande parte do índice era composto de bancos e outros “campeões nacionais” com fortes ligações políticas. Desde então desapareceram uns quantos, mas só por força do choque externo. Ainda estamos a pagar muitos desses desvarios.

Se olharmos para a composição das bolsas de países europeus de dimensão semelhante ao nosso, como a Suécia, Bélgica, ou Dinamarca, vemos uma realidade completamente distinta. Aqueles índices são constituídos, em grande medida, por empresas exportadoras, que concorrem no mercado global, sem dependerem dos favores do governo.

As políticas económicas seguidas pelo nosso governo têm contribuído para agravar esta situação. A cada nova crise, Governo, Parlamento, Banco Central, passam a dispor de novos instrumentos de comando central e as pessoas aceitam-nos, persuadidos pela “situação de emergência”. Passou-se isto com a alegada “emergência climática” (que o nosso governo aproveita, não obstante nada pesarmos na escala internacional), com a pandemia, com a “bazuca” europeia, agora com a crise da Ucrânia e os seus efeitos na energia. Ora, uma vez aumentado o poder interventivo do governo, a tentação de o manter é irresistível.

Todas estas “crises” são amplificadas para esconder o facto de, muitas vezes, não passarem do alfinete que faz rebentar o balão da dívida. O governo aproveita as crises para tomar medidas ainda mais intervencionistas, vendendo-as como a solução para os problemas que ele próprio criou.

Assim, afastamo-nos cada vez mais do Capitalismo de Mercado e enredamo-nos no Capitalismo Político – que podemos também designar de Capitalismo de Estado, ou de Compadrio (crony capitalism, em inglês). Este círculo vicioso mantém o País estagnado há décadas e com uma produtividade das mais baixas da Europa.

O economista Daron Acemoglu, do MIT, demonstrou que muitos países não se desenvolvem porque as elites (um conluio entre elites políticas e económicas) mantêm um mau regime institucional para seu benefício, à custa da população em geral. Acemoglu categorizou as instituições políticas das nações como “inclusivas”, ou “extractivas”. Países com instituições inclusivas tornam-se prósperos, enquanto os que têm instituições extractivas enriquecem apenas as elites, bloqueando o elevador social do mercado livre.

Termino citando Frédéric Bastiat, um dos pais do liberalismo clássico: “Quando a pilhagem/ esbulho se torna um modo de vida para um grupo de pessoas que vivem juntas em sociedade, elas criam para si mesmas, ao longo do tempo, um sistema legal que a autoriza e um código moral que a glorifica.

Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.