O Governo apresentou o seu Plano Ferroviário Nacional com o objectivo expresso de obter o maior apoio dos Portugueses e da Assembleia da República. Como a seguir se justifica, não tem e não terá o apoio dos subscritores desta carta aberta, que desde há vários anos se vêm batendo por sensibilizar a União Europeia e o Presidente da República, que então nos recebeu e a quem entregámos o Manifesto “Portugal – Uma Ilha Ferroviária na União Europeia” em que o País estava (e continua) a transformar-se, explicando a gravidade para a economia portuguesa da estratégia em que se baseia o PFN atualmente em discussão pública.

Igualmente, há anos que tentamos sensibilizar o Governo, a Assembleia da República e os partidos para a realidade de que a política ferroviária da última década e o PFN não cumprem, antes se opõem aos objetivos europeus de interoperabilidade ferroviária (está regulamentada a conclusão da rede principal até 2030, com inexistência de obstáculos técnicos à circulação de comboios de todas as nacionalidades em todos os Países da UE). Objetivos definidos pela União Europeia e requeridos pelas necessidades da economia portuguesa, nomeadamente dos sectores exportadores, de que destacamos as empresas representadas pela AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel) responsáveis por 6% do PIB. Note-se que 70% das nossas exportações são para a Europa e destas 80% (em valor) fazem-se por rodovia, o que é um modelo insustentável por razões ambientais e energéticas, além de condenado pela União Europeia.

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Os efeitos negativos destas políticas também são visíveis na capacidade de atração do investimento, enquanto em Espanha é bem visível o crescimento do investimento estrangeiro (mais de 30.000 milhões de euros anunciados recentemente), a captação de investimento estrangeiro na indústria portuguesa tem um ritmo menor e não criamos condições para a permanência em Portugal de centros de produção internacionais geradores de valor acrescentado ligados a setores relevantes da indústria global e cruciais no processo de reindustrialização europeu. São fatores que influenciam negativamente a riqueza produzida e o crescimento da economia, com a consequente não criação de novos postos de trabalho, perda de postos de trabalho existentes, redução do poder de compra dos salários e das pensões e dos impostos disponíveis para financiar o SNS, a escola pública e os serviços públicos em geral, ou seja, empobrece e piora as condições de vida do povo português.

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O Plano Ferroviário agora apresentado pelo Governo é um plano caseiro, não interoperável com o resto da Europa, desenhado para impedir a entrada em Portugal da concorrência ferroviária europeia, objectivo já expresso pelos anteriores ministros das Infraestruturas ao proteger monopólios ferroviários domésticos e, principalmente, ao condenar as exportações portuguesas à dependência dos centros logísticos que a Espanha tem criado ao longo da nossa fronteira e no País Basco. Trata-se de um plano que mal começou já está atrasado dois anos, e que ignora novos avanços da tecnologia ferroviária mundial, nomeadamente o transporte de camiões e semirreboques de mercadorias em plataformas ferroviárias como já há anos se vem fazendo na Europa, um plano que engana os portugueses sobre o conceito de Alta Velocidade e continua a apostar no transporte rodoviário de mercadorias com destino à Europa, que vai ser cada vez menos competitivo.

Acresce que, contrariamente ao que tem sido realizado no país vizinho e nos países do Leste Europeu, no sentido de adequar as suas ferrovias à ligação entre todos os países da União Europeia, conforme apoiado por Bruxelas com centenas de milhares de milhões de euros, o Governo português propõe-se investir na chamada modernização da nossa ferrovia do século XIX, sempre e só em bitola ibérica, com a promessa de no futuro (que agora é 2050) voltar a realizar novos investimentos, com vista, finalmente, à adoção da bitola europeia. Trata-se de uma visão egocêntrica de duplicação de investimentos, que sendo muito elevados se fazem para durarem muitos anos, provavelmente um século e não os vinte anos previstos neste plano governamental.

E, até lá, a nossa economia vai perdendo competitividade e o País vai empobrecendo. Não será preferível antecipar a nossa interoperabilidade, em vez de estar a adiá-la?

A estratégia oficial, apesar de declarações confiantes em isenções da obrigatoriedade da bitola UIC e num bónus de 3 anos para avaliação da viabilidade e elaboração de um plano de migração, conforme previsto na revisão dos regulamentos em curso, corre o risco de fazer Portugal, por falta de projetos credíveis, perder apoios da UE aos investimentos na rede ferroviária de bitola europeia (que podem atingir cerca de 70% do valor a investir).

Tais apoios são concedidos pelo novo programa CEF-2 para o período 2021-2027, que só para a área dos Transportes atinge o valor de € 25,81 bn (mil milhões) em que se inclui €11,29 bn (mil milhões) reservados para os países beneficiários do Fundo de Coesão, como é o caso de Portugal.

Não há ainda confirmação oficial, à data de 22dez2022, da obtenção de fundos comunitários para a linha Lisboa-Porto em bitola ibérica na fase de candidaturas que termina em 18 de janeiro de 2023 (ver CEF pedido info).

Note-se que no período 2014-2020 o governo português previa angariar 1.250 milhões de euros do CEF-Geral (fundos atribuídos com base na qualidade dos projetos) e nem conseguiu um oitavo desse valor. Mas o PFN confirma a estratégia anterior evidenciando a fragilidade dos projetos por serem de vias únicas de bitola ibérica nas duas linhas de tráfego internacional da rede “core”, dificultando a interoperabilidade e as exportações de mercadorias e consequentemente afetando o crescimento da economia. Quanto aos projetos para passageiros, o PFN remete para depois de 2050 a bitola UIC. Não é o que os regulamentos vinculativos dizem (2030) nem a previsível orientação de proibir voos de menos de 500km. Será que o governo português vai conseguir contornar as “guidelines” europeias e obter financiamentos para a linha Lisboa-Porto?

Em resumo, este Plano Ferroviário Nacional, na sua visão retrógrada e nacionalista é um plano fora do seu tempo, não cumpre nenhum dos objetivos definidos pela União Europeia, que são afinal objetivos globais, da Europa à China, de redução do consumo de energias fósseis, da substituição do transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros pela ferrovia, da eliminação do transporte aéreo para distâncias inferiores a mil quilómetros e a limitação em curso do transporte individual a favor do transporte colectivo, não apenas no plano nacional mas global.

Na vida raramente há duas oportunidades para fazer o que está certo. Infelizmente, os governos de Portugal insistem em fazer o que está errado, razão para a estagnação da economia portuguesa ao longo dos últimos vinte anos e do empobrecimento dos nossos concidadãos que, por alguma razão, não veem alternativas para as suas vidas em Portugal. Há anos que muitos de nós disso vimos avisando os governos e as instituições, sem que as opiniões de empresas e empresários, quem gera riqueza, tenham sido consideradas.

Terminamos com um apelo ao Senhor Presidente da República e à Assembleia da República, a quem em tempo já demos a conhecer os erros e limitações das ideias do Governo, para que promovam um debate nacional sobre o plano, um verdadeiro debate livre e consequente, em vez das habituais sessões organizadas pelo Governo e pela empresa IP destinadas aos oradores habituais, alguns dos quais defendiam no tempo de anteriores governos o uso da bitola UIC e agora defendem a manutenção da bitola ibérica.

Com os melhores cumprimentos a V. Exas

Lisboa, 23 de janeiro de 2023

Os signatários:

Amaro Reis, Presidente da APIP (Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos)
António Andrade Tavares, Eng. Eletrotécnico, Administrador da Renova-Fábrica de papel do Almonda
António Poças da Rosa, Empresário, Presidente da NERLEI (Associação Empresarial da Região de Leiria)
Carlos Cardoso, Presidente da ANIMEE (Associação Portuguesa das Empresas do Setor Elétrico e Eletrónico)
Fernando Castro, Presidente da AIDA (Associação Industrial do Distrito de Aveiro)
Jorge Pais, Presidente da NERPOR-AE (Associação Empresarial da Região de Portalegre)
Jorge Santos, Empresário, CEO da Vipex
José António Barros, Engenheiro, presidente da Assembleia Geral da AEP
José Couto, Presidente da AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel)
José Ribau Esteves, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro
Luís Miguel Ribeiro, Presidente da AEP (Associação Empresarial de Portugal)
Luís Mira Amaral, Engenheiro e economista, Presidente do Conselho da Indústria da CIP
Orlando Santos Faísca, Presidente do NERGA-AE (Núcleo Empresarial da Região da Guarda)
Rogério Hilário, Vice Presidente da CEC/CCIC (Conselho Empresarial do Centro/Câmara de Comércio e Indústria do Centro)
Tomás A. Moreira, Presidente honorário da AFIA
Vitor Poças, Presidente da AIMMP (Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal)
António Gomes Marques, Ex diretor bancário
Arménio Matias, Eng. Eletrotécnico, Ex-presidente da ADFER, Ex-administrador da CP
Carlos Sousa Oliveira, Professor catedrático jubilado do IST
Fernando Santos e Silva, Eng. Eletrotécnico
Fernando Teixeira Mendes, Eng. Eletrotécnico, Empresário, Ex Administrador Delegado da Sorefame
Francisco Batel Marques, Doutorado em Farmácia, professor universitário
Henrique Neto, Empresário
João Correia, Eng. Civil, empresário
João Luis Mota Campos, Ex-Secretário de Estado da Justiça
Joaquim Polido, Ex Presidente da Fernave , Ex Presidente da ADFERSIT, Ex quadro superior da CP
José Almeida Serra, Economista
José Augusto Felício, Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão
José Coutinho, Gestor de transporte aéreo
Luís Cabral da Silva, Eng. Eletrotécnico, especialista da Ordem dos Engenheiros  em Transportes e Vias de Comunicação
Manuel Cidade Moura, 1º Presidente da RAVE
Manuel Ferreira dos Santos, Engenheiro Físico e dos Materiais
Mário Lopes, Eng. Civil,  Professor no IST
Mário Ribeiro, Eng. Mecânico
Pedro Albuquerque, Engº Aeronáutico
Pedro Caetano, Diretor global de multinacional Farmacêutica e Bio-Tecnológica
Rui Carrilho Gomes, Professor no IST
Rui Martins, Dirigente associativo
Rui Rodrigues, Consultor de transportes
Silvino Pompeu dos Santos, Eng. Civil, Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros
Ventura Leite, Economista