É praxis celebrar um acontecimento na sua data comemorativa como o Dia da Liberdade, o Dia do Riso, o Dia da Não Violência e da Paz, o Natal, a Páscoa, entre outros. O Dia da Europa (9 de Maio) não é indiferente a isto, obviamente. Os valores e o significado que estão intrínsecos à comemoração destes dias devem ser vividos e praticados diariamente como a importância de rir, ser solidário, liberdade, viver a Europa e não apenas nas suas datas comemorativas.

Todos estes dias têm um contexto político, social e histórico e a celebração desses, uma única vez, não podem significar não os defender diariamente. Não podemos celebrar a Europa apenas a 9 de maio. A Europa celebra-se todos os dias, como o Riso, a Liberdade, a Inovação ou até a Rotação da Terra (8 Janeiro).

No caso do dia da Europa, este surge como forma de aproximar a Europa dos cidadãos por meio de dinamização de eventos um pouco por toda a União Europeia. Isto é uma data histórica que remonta a 1950 onde o ministro dos negócios estrangeiros francês, Robert Schuman, apresentou, em Paris, a conhecida “Declaração Schuman” que elenca as bases fundadoras da atual UE e representa o seu ponto de partida. Esta declaração destaca os valores da paz, solidariedade e desenvolvimento económico e social, bem como a criação de uma instituição europeia supranacional com o intuito de gerir as matérias-primas existentes em território europeu: carvão e aço. Ora, 35 anos mais tarde, no Conselho Europeu de Milão, considerou-se consagrar o 9 de Maio como “Dia da Europa”. A proposta que deu origem a este dia considerava a necessidade de “criar consciência e dar informação nas escolas, em particular, mas também na televisão e outros órgãos de comunicação social.”[1].

Acredito que a Europa se vive e reflete diariamente. Só assim podemos construir e fazer a Europa. Por outro lado, olhando para os dados da abstenção nas últimas eleições europeias (2019), 68,6% de portugueses não votaram e apontam para a “falta de confiança ou insatisfação com a política geral”, “desconhecimento relativamente à UE ou ao PE ou às eleições europeias”.[2] De lá para cá, à data que escrevo este artigo, muito se tem feito em termos comunicacionais e políticos, mas é preciso mais e melhor. Esta distância entre UE-cidadão também contribui para a falta de sentimento de pertença a um espaço, neste caso europeu, e, de certo modo, poderá alimentar o défice democrático existente atualmente na UE, que falarei adiante. A desconfiança que foi referida como uma das causas para abstenção está também relacionada com a perceção que foi sendo criada à volta da UE pelos nossos decisores e todos já ouvimos um político, quando proclama uma má noticia apresenta a UE como a culpada de todos os males, mas quando a notícia é boa o feito já é seu ou do seu executivo. Naturalmente, as pessoas voltam-se contra a UE e cultiva o sentimento negativo que tem minado a confiança das pessoas na Europa, em particular, e na política, em geral.

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Desde 2015 estou dedicado ao associativismo juvenil com foco nos assuntos europeus. Primeiro fundando o NAPEEC, em Coimbra, e depois a FNEE – Federação Nacional dos Estudos Europeus, em 2015 e 2018, respetivamente.  O meu trabalho e motivação, enquanto Presidente de uma organização e militante da Europa, tem sido aproximar os jovens da Europa e vice-versa em ambientes propícios a essa aproximação e fora dos grandes centros urbanos e de forma contínua no tempo. Já organizamos eventos no Piódão, na Lousã, no Fundão, em Leiria, em Coimbra, na Figueira da Foz, em Mira, entre outros, com vários eurodeputados e membros do governo em proximidade com os jovens e queremos continuar assim. Considero que este trabalho deverá envolver tanto os eurodeputados, como os municípios, instituições políticas nacionais e europeias, mas sobretudo todos nós enquanto cidadãos como escrutinadores e “perguntadores” da atividade política. Não apenas quando estamos próximos da data das eleições, mas de forma contínua.

Estamos a um ano das eleições europeias. Antes de mais faço uma declaração de intenções. Considero que a Presidente Ursula Von der Leyen foi (e é) a mulher certa, no local certo e na hora certa. A Presidente soube afirmar a sua liderança num contexto muito difícil e marcante para a História da UE: COVID-19 e Guerra da Ucrânia. Começou como uma incógnita da sua capacidade política, quebrando o processo de spitzenkandidaten e “substituindo” Manfred Weber (PPE) na eleição, e chega agora como uma líder. Numa União onde tem faltado visão, liderança e coragem nos seus líderes (sobretudo pós-Merkel), considero que a atual presidente tem personificado estas características no seu modus operandi à frente dos destinos europeus.

O mandato da atual Comissão Europeia foi importante e cheio de desafios. Aliás, a UE tem sido forjada pelas constantes crises e respetivas respostas às mesmas. Agora não é diferente. Duas conquistas foram conseguidas: inevitabilidade do projeto europeu e o reforço da cooperação europeia.

Começando pelas conquistas. A inevitabilidade do projeto europeu é verificável em contexto de crise: dívidas soberanas em 2011, migrações em 2015, covid-19 em 2020, guerra Ucrânia em 2022. Em cada um destes momentos surgiu uma resposta europeia, conjunta e típica das negociações de Bruxelas em busca de um consenso a 27 Estados-Membros. Não é fácil. Porventura o método de decisão não é já o adequado, mas tem sido talvez o garante da cooperação europeia. A pandemia e a guerra mostraram que o projeto europeu, apesar das suas falhas, é uma mais-valia. Avançámos bastante na integração europeia: compra conjunta de vacinas, EPI´s, mutualização de dívida pública europeia e reflexão da política comum defesa europeia. Por outro lado, acredito que temos um grande desafio: redução do défice democrático entre a UE/cidadão.

Passando aos desafios.

No que toca ao défice democrático há ainda muito por fazer. Há várias conceções deste conceito, mas, em termos globais, entende-se por défice democrático como a ausência do elemento democrático da arena política. No caso europeu, é um debate muito interessante e com vários autores notáveis como Simon Hix, Jurgen Habermas, entre outros. A meu ver, um dos fatores que contribui para o défice democrático é a falta de iniciativa do Parlamento Europeu em matéria legislativa europeia. Esse campo está destinado à Comissão Europeia, como previsto nos tratados. Como pode uma instituição tecnocrática, como a Comissão, ter a exclusividade da iniciativa legislativa? Qual a sua legitimidade considerando que não foi eleita por ninguém? Sendo o PE a única instituição que deriva diretamente do voto dos europeus, com a função de nos representar, seria importante que esta partilhasse essa iniciativa legislativa. Este défice democrático também cria a perceção que a UE é distante dos europeus, sendo vista como a “máquina burocrática de Bruxelas. É um facto que as instituições europeias, em termos comunicacionais, têm tentado adotar uma comunicação e abordagem mais apetecível aos jovens utilizando memes, redes sociais, grafismos muito didáticos e simples de ler, entre outras. Tudo o que sejam propostas/iniciativas que tragam mais jovens para a discussão da coisa europeia são bem-vindas e necessárias. A abstenção nas últimas eleições europeias foi elevadíssima e pergunto como é possível? A UE tem presença omnipresente no nosso dia a dia; quase 90% do nosso investimento público é derivado de fundos comunitários; se não fosse a UE possivelmente não teríamos EPI´s e vacinas em tempo útil ou a maior parte das nossas obras públicas… Muito do debate europeu é resumido a um comportamento binário: coisas boas – responsabilidade dos governos nacionais; coisas más: a culpa é da UE! Isso tem minado a perceção que os europeus têm da UE.

No debate do alargamento europeu precisamos antes de tudo olhar para as instituições comunitárias e perceber as suas falhas, métodos de decisão e torná-las mais ágeis, menos burocráticas e mais próximas do cidadão. Será que a unanimidade ainda se justifica numa UE a 27? Como ficará a UE depois deste conflito na Ucrânia: fortalecida ou em risco? O exército europeu é um mito ou realidade?

São questões que ainda não estão respondidas, mas que poderão encontrar uma possível resposta dependendo do andamento do conflito e das próximas eleições europeias.

[1] Relatório do Comité Ad hoc – “Europa da Pessoas”, aprovado no Conselho Europeu de Milão, em 1985 https://infoeuropa.eurocid.pt/registo/000038343/documento/0001/
[2] Observador 2019 – https://observador.pt/2019/09/24/europeias-insatisfacao-com-a-politica-e-a-principal-causa-da-abstencao-em-portugal/