Com a tomada de posse de todos os membros do novo Governo Constitucional, começou a contar o relógio político. Aquele “tic tac” voraz, silenciosamente audível, invisivelmente forte e que não desaparece dos holofotes. Aquele movimento que persegue todo e qualquer membro do governo, seja ele mais ou menos experiente nas lides políticas. Há quem se assuste, há quem o enfrente, mas todos o respeitam.

A noção que temos do tempo político é cada vez mais irracional. A pressão que o espaço mediático clássico exerce, conjugado com o receio das redes sociais, produz linhas de tempo que de linhas têm pouco, transformando-se, cada vez mais, em pontos soltos que não concedem espaço para qualquer pensamento sensato ou estruturado. Hoje é difícil planear, é difícil estudar e é difícil testar cenários antes de aprovar a política pública.

O novo Governo tomou posse, e já se ouvem os ecos da pressão, alimentada pela ilusão da campanha. Os pedidos para resolver dossiers, tomar decisões ou, simplesmente, agradar às corporações mais organizadas. Ainda nem as pastas de transição foram abertas, e já há quem queira ter os seus problemas solucionados.

É por isso que o atual Governo, ainda recém-nascido, terá cem dias de inúmeros desafios. Em primeiro lugar, terá de enfrentar duas eleições. Da Região Autónoma da Madeira ao Parlamento Europeu, os partidos da coligação governamental não se podem dar ao luxo de perder legitimidade e força política. Tudo o que seja não ganhar estes atos eleitorais, será aproveitado pela oposição para marcar território.

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Em segundo lugar, a fragmentação política concedeu à Assembleia da República uma nova centralidade. Ainda por cima, uma centralidade pouco previsível. Uma centralidade geometricamente variável, em função de cada tema, que pode obrigar a uma governação de arrasto. Também neste campo, não pode o Governo perder a agenda política, deixando-se ficar refém da legislação parlamentar.

Em terceiro lugar, o Governo terá de mostrar capacidade de decisão. Dossiers como o do novo aeroporto, o plano de emergência para o setor da saúde, as políticas de habitação ou o (eventual) orçamento retificativo, têm de ser momentos em que o elenco de Luís Montenegro mostra ao que veio e que visão tem para o país.

Por fim, e depois de uma campanha marcada por promessas mil, a Aliança Democrática terá de encontrar margem orçamental e política para satisfazer os mais insatisfeitos, conjugando ainda os ventos mais despesistas com os problemas dos efeitos de arrastamento e com a necessária prudência orçamental nas matérias de despesa estrutural.

Tudo isto, são pequenos pontos soltos que tentarão construir e ligar a linha temporal dos primeiros cem dias do XXIV Governo Constitucional. Caberá à nova equipa mostrar se tem capacidade para gerir o relógio ou se ficará sem tempo, pois longe vão os momentos em que se fazia campanha em poesia e se governava em prosa. Hoje, o tic tac não permite mudanças de estilo.