Lemos muito nestas primeiras semanas que 2024 será o ano das grandes ou mesmo de todas as incertezas nas mais variadas frentes, nomeadamente na economia, na política e na tecnologia. Em geral, a incerteza é muito má para os negócios. De facto, quando as coisas correm bem, as empresas investem para aproveitar os ventos favoráveis, em contrapartida, quando as coisas correm mal, as empresas investem com o objetivo de resolver os seus problemas. Porém, perante a incerteza, as empresas não sabem como proceder e, normalmente, congelam tanto os investimentos como a atividade. A questão que se coloca é: como podemos lidar com a incerteza de uma forma proativa? A resposta é pensando estrategicamente.

As decisões estratégicas requerem uma compreensão profunda do contexto, uma avaliação objetiva das capacidades da empresa e objetivos simples e definidos a longo prazo.  Em caso de incerteza, as empresas precisam de rever e, por vezes, ajustar os seus objetivos e reconsiderar os investimentos, tendo em conta os pontos fortes necessários ao novo contexto. Mas em que direção? A incerteza reduz o esforço, porque esconde sob a turbulência e a indefinição as tendências para o futuro. Numa perspetiva estratégica, a análise de cenários é a ferramenta a que as empresas podem recorrer para aprofundar a sua compreensão do contexto de incerteza e assim poderem tomar decisões estratégicas. Não estou a referir-me à tradicional previsão positiva-esperada-pessimista (que é o insight útil em situações desprovidas de incerteza, apesar de atualmente poder ser muitas vezes mais bem feita através de ferramentas de previsão de crowdsourcing ou de Inteligência Artificial). Refiro-me a imaginar contextos alternativos plausíveis para o longo prazo em torno de pelo menos duas incertezas-chave. Algo difícil de imaginar e, por isso, fundamental para analisar antecipadamente.

Pensemos na Covid-19, que perturbou as cadeias de abastecimento globais e fez parar a economia mundial. Foi algo difícil de imaginar? Por incrível que pareça sim, mas várias empresas haviam contemplado os potenciais impactos nas suas empresas através da análise de cenários, analisando, para tal, as incertezas em torno da resiliência das cadeias de abastecimento globais perante diversos fatores, sendo um deles a possibilidade de uma pandemia global. Essas empresas foram, por isso, mais rápidas a reagir do que os seus concorrentes, conseguindo assim uma vantagem competitiva. Pensemos ainda no início da guerra na Ucrânia. Uma análise de cenários que examinasse a incerteza em torno da estabilidade da ligação económica da Alemanha com a Rússia teria identificado o impacto potencial que a sua indústria poderia ter sofrido se, por qualquer razão, o fornecimento de gás natural através de gasodutos fosse interrompido. Uma análise de cenário poderia ter identificado a necessidade de ter um plano B, como fábricas de GNL, como as que estão a ser construídas a toda a velocidade enquanto lê este artigo.

Atualmente, toda a gente lê e fala sobre Inteligência Artificial e geopolítica, uma vez que mais de metade da população mundial vai passar por processos eleitorais neste ano (incluindo nós, em Portugal, claro). Consideremos apenas estas duas incertezas, com um eixo em que a qualidade de vida é realmente melhorada pela Inteligência Artificial, num extremo, ou onde os conflitos sociais se multiplicam e exploram verdadeiramente devido à Inteligência Artificial, no outro extremo. Outro eixo em que o mundo se refugia em direção a um maior protecionismo e isolamento, ou um mundo que permanece resilientemente interligado a nível global e bastante aberto. As empresas deveriam refletir sobre as implicações que se lhes colocam em cada um dos quatro cenários e delinear planos de contingência em conformidade para cada cenário em termos gerais. Mais precisamente, a análise de cenários exige a definição do âmbito em termos de setor, geografia e tempo. Identificar os principais fatores de mudança, visando normalmente os pontos de inflexão ou os sinais fracos. Desenvolver as histórias de cenários distintos, de forma a facilitar a compreensão, o debate e a conversa partilhados em torno dos mesmos. Identificar os impactos de cada cenário na empresa, definir indicadores para monitorizar o progresso em cada cenário e, finalmente, delinear planos de contingência para cada cenário. Como seria uma empresa bem-sucedida? Que capacidades é necessário possuir para poder prosperar?

À medida que a realidade evolui e o nevoeiro da incerteza começa a dissipar-se, as empresas ficam equipadas com um plano de contingência e podem adaptar-se mais rapidamente à nova realidade através da revisão dos seus investimentos em competências para o futuro. Podem ajustar gradualmente as competências de que necessitam para serem bem-sucedidas no novo cenário que se aproxima. Em suma, perante um elevado grau de incerteza, a análise de cenários dá às empresas a possibilidade de atuarem e de se prepararem para futuros alternativos, avançando mais rapidamente para o novo contexto à medida que este surge do que os concorrentes que decidiram esperar para ver. A análise de cenários dá às empresas a capacidade de continuarem a ser protagonistas em vez de se tornarem observadoras em períodos de elevada incerteza como o que esperamos para 2024.

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