O peso crescente da digitalização nas sociedades bem como o aumento da exigência de competências digitais na maioria das profissões, traduz-se desde há alguns anos numa ação persistente da União Europeia quer em termos de recomendações quer em termos do financiamento de iniciativas que promovem a capacitação digital de cidadãos e organizações. Assim, foi criado em 2013 o Quadro Europeu de Competências Digitais para os Cidadãos, referencial primeiro do que é ser digitalmente competente e que hoje se estrutura em níveis de proficiência que graduam (do básico ao altamente especializado) o nível de utilização de competências digitais por cada um de nós. Mais recentemente a Estratégia Europa 2020 também deu o seu contributo para este movimento de qualificação.

Apesar deste esforço protagonizado sobretudo pelos sistemas de educação e formação dos diferentes países, ainda hoje se verifica que um pouco mais de 40% dos cidadãos europeus não possuem ou têm lacunas acentuadas na utilização das competências digitais básicas, com impactos severos ao nível da sua vida pessoal ou profissional. Défice que ainda por cima se agrava nas pessoas mais idosas, nos desempregados em geral e nas pessoas com mais baixos níveis de escolaridade. Situação que se agudiza em países como Portugal, cujo nível global de qualificações da população ativa se situa muito abaixo dos níveis médios europeus.

O aparecimento repentino, inesperado e prolongado da pandemia tornou esta situação do acesso e utilização adequada das ferramentas digitais numa prioridade grande para todos os países, não apenas pelas exigências tecnológicas da utilização crescente e continuada do teletrabalho como também pela explosão da educação e formação a distância para milhões de alunos e pela utilização exponencial de funcionalidades relacionais de natureza digital. Em paralelo, na economia crescem as necessidades de modelos alternativos de negócio e a transformação invade todas as áreas empresariais, obrigando à reformulação de processos de trabalho e de modos de comercialização e produção e exigindo recursos humanos mais qualificados e com competências digitais especializadas.

Se numa primeira fase o FSE e programas como o Erasmus+ eram a principal fonte de financiamento das competências digitais agora, em resposta à crise provocada pela Covid-19, proliferam instrumentos vários de apoio a territórios e países como a Agenda de Competências para a Europa ou os Programas de Recuperação e Resiliência. São, em geral, iniciativas que procuram capacitar pessoas para desempenhos adaptados às exigências de uma economia de conhecimento muito competitiva a que se juntam outros instrumentos de estímulo à economia. Cresce também a consciência coletiva que entende que as pessoas mais vulneráveis socialmente, devem ser ajudadas a desenvolver a sua aptidão digital para que possam tirar melhor partido dos serviços públicos de que dispõem e para o usufruto saudável desta evolução digital, desde logo porque neste mundo global e interdependente não podemos acrescentar à desigualdade social, uma desigualdade digital que assim se torna numa dupla exclusão.

A aprovação recente pelo Parlamento Europeu de um apelo para que os países promovam o investimento nas competências digitais dos seus cidadãos parece-me ter um significado político relevante. Porque reforça uma opção já inscrita nos planos de resposta à crise lançados e valida as propostas de formação de jovens em áreas técnico-profissionais, a capacitação de ativos em processos de requalificação e reconversão para o digital ou a formação avançada para a indústria 4.0, sem esquecer a alfabetização digital de quem utiliza pouco este “novo mundo”.  Mas também, e não menos importante, porque simbolicamente enfatiza o direito de todos os cidadãos europeus às aprendizagens digitais, incluindo os mais vulneráveis, assumindo-o como fator de integração social e profissional e de qualificação dos contextos de vida e de trabalho das pessoas.

Destaco ainda o apelo ao incremento da mobilidade das qualificações, sinal positivo de uma Europa que valoriza a coesão social e territorial, com integração plena da sua enorme diversidade cultural e humana e com grande participação e respeito dos valores democráticos no exercício pleno de uma cidadania digital ativa.

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