Um dos deveres a cumprir pela Justiça num Estado civilizado é garantir que as decisões definitivas dos casos sejam proferidas pelas suas autoridades em prazo razoável e mediante processo equitativo. É isso mesmo que se acha estatuído no nosso texto constitucional.

A razão do temor de delonga excessiva, no que à jurisdição criminal se refere, radica na própria natureza e fins das penas, que se diluem com o passar do tempo, e com os interesses das vítimas e dos suspeitos. Importa impedir que, perante a demora, as primeiras se sintam desamparadas e lancem mão de expedientes de vindicta privada e os segundos ardam indefinidamente no purgatório da fogueira mediática sem fundamento estabelecido.

A demora excessiva, por vezes ao ponto de descaracterizar todo o sentido do processo e da decisão, radica em boa medida na dificuldade em compatibilizar o cumprimento rigoroso dos formalismos processuais com a prolixidade excessiva das peças produzidas pelos vários operadores judiciários. Nas três últimas décadas, sem que o legislador o tivesse autorizado, pois as regras vigentes não diferem das que as precederam há quase um século, passaram a ser proferidas acusações de dimensão extraordinária, a que se seguiram contestações e outros expedientes de defesa de idêntico jaez e decisões judiciais de consequente enormidade.

A comparação de qualquer dessas peças processuais com as que eram  anteriormente correntes faz ressaltar abissais diferenças de dimensão: para o que se continha em dez páginas passaram a utilizar-se cem. Nas acusações misturam-se os factos caracterizadores da infração, exigidos por lei, com a narrativa das diligências de recolha da respetiva prova, transcrevendo-se muitas vezes os relatórios policiais sem preocupações de depuramento. Nas peças de defesa imperam atitudes de excesso acautelatório, motivadas por subliminar desconfiança, que levam a repetições constantes e a conclusões caricaturais, tal a ausência de síntese. As decisões judiciais, já inquinadas à partida por esses pressupostos, são o inferno de Dante em laudas burocráticas: os relatórios alongam-se, as citações abundam e o essencial perde-se no meio de toda essa palha.

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Em prol de uma justiça mais célere e atempada, é tempo de refrear esta tendência para o excesso. Até porque não há, sem uma intrusão excessiva e quiçá indesejável de instrumentos de inteligência artificial no campo das decisões judiciárias, capacidade humana para absorver devidamente, em prazo razoável, o conteúdo de quatro ou cinco mil páginas de texto denso e minucioso e daí extrair conclusões que terão forçosamente de ser rigorosas.

Os signatários desta declaração, preocupados com o potencial erosivo do arrastar de processos de grande sensibilidade social na imagem da Justiça e do Estado de direito, convocam os Juízes, Procuradores, Advogados e Solicitadores a refletirem sobre a questão e a porem cobro a essa cultura de excesso, de desperdício de energias e de tempo, voltando a dar às petições, requerimentos, motivações e decisões que apresentem o rigor de forma e a concisão que antes eram seu apanágio. Até porque é esta a prática dominante em foros internacionais de indiscutível prestígio. E sobretudo porque, concorrendo com outros vícios, como o predomínio da forma sobre a substância e um positivismo extremado, a prolixidade e a falta de rigor expositivo e de síntese são ingrediente decisivo de fermentação dos megaprocessos em que naufraga qualquer intenção de Justiça atempada.

Simultaneamente rogam às Escolas de Direito, ao Centro de Estudos Judiciários, aos Conselhos Superiores das Magistraturas, à Ordem dos Advogados e à Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução que ativamente contribuam, com todos os meios ao seu dispor, para o alcance deste importante objetivo.

Alfredo Castanheira Neves, Ana Pais, António Francisco Martins, António Lima Cluny, António Pereira Madeira, Armindo Santos Monteiro, Eduardo Maia Costa, Euclides Dâmaso Simões, Fernando Fróis, Filipe Preces Ferreira, Francisco Espinhaço, Gabriel Catarino, João Conde Correia, João Correia, João de Castro Baptista, João Manuel Sousa Fonte, Joaquim Vicente de Matos, Jorge Quinta Leitão, José António Henriques dos Santos Cabral, José Conde Rodrigues, José Luís Trindade, Leopoldo Camarinha, Manuel Magalhães e Silva, Manuel Rascão Marques, Maria do Carmo Silva Dias, Maria José Morgado, Mário Tavares Mendes, Norberto Ferreira Martins, Orlando Maçarico, Paulo Saragoça da Matta, Raul Eduardo Raposo Borges, Ricardo Sá Fernandes, Rita Castanheira Neves, Rogério Alves, Rui Pires de Almeida, Victor Matos Franco.