Em poucos dias, surgiram no Público duas crónicas que merecem atenção. Primeiro, Manuel Soares (juiz desembargador e presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses), a pretexto de que falaria de uma situação hipotética, divagou sobre os tribunais arbitrais em Portugal, deu a entender que o regime potenciava a corrupção e acabou por colocar os advogados e os “grandes escritórios” no centro de uma teia que prejudicaria o Estado e os fundos públicos. Descontando imprecisões sobre o modo como alude ao funcionamento da arbitragem, o desembargador Manuel Soares não indicou um único caso em que tivesse havido corrupção em processo arbitral e não identificou um único advogado que aí tivesse protagonizado um caso de corrupção. Quem leu o texto, reteve o quê, afinal? Nada reteve, tão vago e genérico era o texto. Porém, o texto era bem directo num ponto: insinuava que há advogados e “grandes escritórios” que participam na “marosca” (expressão usada no texto de Manuel Soares). Pode não ter sido intuito do autor lançar um anátema sobre os advogados, mas é evidente que o resultado foi esse. Se o desembargador Manuel Soares queria questionar, e tem legitimidade para tal, o regime jurídico da arbitragem e o que a envolve, não faltariam outras formulações que, cumprindo o seu propósito, evitassem este ataque aos advogados.

Depois, Nuno Cerejeira Namora (advogado) escreveu um texto que começa por usar o método de Manuel Soares para imaginar uma situação hipotética de corrupção, desta feita envolvendo os juízes e os tribunais estaduais, também sem concretizar o que quer que seja. Daí em diante, vai comentando e criticando, com razão, aquilo que Manuel Soares escreveu.

Com a estima que me merecem Manuel Soares e Nuno Cerejeira Namora, até porque conheço ambos, julgo que estes textos (com a atenuante de o segundo surgir como resposta ao primeiro) são contraproducentes: além de não proporem uma única medida para melhorar o sistema, só servem para acentuar clivagens entre juízes e advogados.

Que sentido faz um juiz falar em cenários de corrupção na arbitragem que, cuidadosamente, diz serem hipotéticos, mas que são protagonizados por advogados? E que sentido faz um advogado falar em cenários de corrupção nos tribunais que, prudentemente, diz serem hipotéticos, mas que são protagonizados por juízes?

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Um sistema de justiça (nos tribunais estaduais e nos arbitrais) supõe mecanismos de controlo e de vigilância, como meio de garantir a integridade das respectivas decisões. Essa integridade não se obtém com insinuações ou especulações genéricas a partir de supostos casos concretos (não revelados). A opção, mais difícil, mas mais consequente, é reunir informação precisa e fazer uma denúncia sustentada. Só assim se credibiliza o sistema e gera confiança na comunidade.

É fundamental que os cidadãos deste país tenham confiança nos advogados e juízes que os servem – sim, porque os juízes e os advogados são servidores da justiça, a qual é exercida em nome do povo.

Essa confiança depende de atitudes responsáveis, concertadas e construtivas de quem melhor conhece o terreno (advogados, juízes e procuradores), mais a mais se o poder político mostra pouco interesse em investir seriamente na sempre adiada reforma do sistema de justiça.

Enquanto presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, nunca fomentei querelas com juízes e procuradores e sempre preferi o diálogo entre os profissionais forenses, até porque há tanta coisa a corrigir no sistema de justiça e isso supõe o contributo empenhado e genuíno de todos. A única exigência que coloco a mim e aos outros é a de respeito mútuo, que tanto rejeita a subserviência como dispensa a arrogância. Jamais me senti limitado no direito de falar claro quando entendi e não tive de recorrer a insinuações.

Sendo agora candidato a bastonário, manterei este critério, que me parece o mais responsável e sensato. Se vier a ser eleito, assim prosseguirei, mas tudo farei para que a Ordem dos Advogados assuma um papel activo e diligente (que não tem tido) naquilo que respeita à defesa do Estado de Direito, aos direitos humanos, às garantias fundamentais dos cidadãos e à administração da justiça, tudo devidamente ancorado numa advocacia respeitada, qualificada e vigilante. Além disso, asseguro que qualquer advogado deste país terá sempre no seu bastonário o primeiro amparo em situações de ofensa à sua dignidade profissional, protegendo-o perante actos prepotentes ou arbitrários e pugnando pelo respeito intransigente das prerrogativas e imunidades da advocacia.