Vivemos um momento de grande incerteza política. As últimas semanas foram vividas com debates entre líderes partidários que se propõe a fazer grandes alterações no país. Uns querem investir na inovação, outros falam sobre o crescimento da economia, e há também quem se dedique a abordar problemas como a corrupção e a Justiça. O país senta-se, e ouve. Ouve cada um dos porta-voz a argumentar, a deixar o seu ponto de vista, por vezes a exaltar-se — faz parte destes momentos. Vai-se contando o tempo que cada persona política tem para falar, e os jornalistas vão colocando as suas perguntas, à espera de ouvir respostas esclarecedoras. Eu também me sentei, e ouvi. E esperei ansiosamente sobre algo que, afinal, nunca chegou — o diálogo sobre a Cultura. Agora, os resultados legislativos estão “cá fora”. Não se sabe o que vai acontecer. É incerto quem vai ocupar o lugar de primeiro-ministro, que partidos se vão juntar. A sociedade está à espera. Os artistas também. Esses, que não ouviram nunca, nos debates, falar sobre medidas para o seu futuro, continuam a aguardar.

Eu quero começar por relembrar a importância da Cultura para a construção de uma sociedade democrática. É a arte que permite a expressão, a auto-expressão, a entrada num mundo diversificado, sem julgamentos. Um ataque à Cultura é um ataque à Democracia e à liberdade. Menosprezar a Cultura, numa altura tão importante, é atacá-la, de facto. Não abordar a sua relevância, não colocá-la na agenda, não debatê-la — tudo isto é um ataque. Estas palavras podem soar duras. Mas são verdadeiras. Vejamos os factos.

O Instituto Nacional de Estatística divulga, todos os anos, o seu relatório relativo à Cultura. O mais recente traz-nos um dado especialmente interessante: em 2022, os espetáculos ao vivo geraram quase 150 milhões de euros em receitas de bilheteira – o número mais elevado desde 1979. Estamos a falar de um número muito significativo. Outra estatística interessante é o facto de 4% do emprego em Portugal ser referente aos profissionais do setor cultural e criativo. Ou seja, 190,6 mil pessoas ouviram os debates e em momento algum se sentiram estimadas. Ou, visto de outro ponto, estamos a falar de 75.388 empresas do setor que não ouviram nenhuma medida sobre o futuro dos seus negócios.

Sabemos que os portugueses dão-lhe cada vez mais importância. Basta olhar para os indicadores: a assistência a espetáculos culturais — nos seus vários formatos — tem vindo a crescer. A população consome Cultura, e é muito satisfatório ver que as gerações atuais dão valor a este importante setor. Aliás, um estudo português, o Barómetro da Cultura, mostra mesmo que 75% da população inquirida acredita que o Estado deve investir mais neste setor, que é de todos nós. A mesma percentagem dos inquiridos refere que gostaria de consumir mais Cultura, mas que não tem “condições financeiras, de saúde e disponibilidade” para o fazer.

Bem sei que cada partido tem, nas suas propostas, medidas para a Cultura. Esta reflexão não é, de todo, um ataque a nenhum partido ou proposta em particular. Não é disso que se trata. Acredito que todos os atores políticos reconhecem o mérito das Artes (em todas as suas formas), e o seu valor para a construção de uma sociedade positiva, feliz, livre. O que me preocupa é mesmo a inexistência de debate. A cultura é menos do que tudo o resto? Poderemos mesmo abdicar de debater a cultura?

Faltou o contraste entre ideias e visões para um sector do qual não abdico para o futuro do meu país. Não é um acessório. A Cultura ficou de fora, durante as últimas semanas. Espero que, daqui para a frente, o cenário se altere.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR