A National Geografic publicou um artigo onde diz que o meu filho, nascido em 2022, tem fortes probabilidades de viver até aos 100. Diz ainda que as crianças nascidas a partir de 2050 vão seguramente, viver para lá dos 100. Em bom rigor, esta premissa fundamenta-se nos mais recentes estudos feitos com a rapamicina amplamente prescrita para prevenir a rejeição de órgãos após um transplante. Sabe-se, que permite aumentar até 60% a esperança de vida de ratos de meia-idade. Basicamente consiste em enganar o processo de envelhecimento propriamente dito, reprogramando células velhas para assumirem um estado mais novo.

Os cientistas são ótimos a prolongar a vida dos ratos! E nós? Até onde pode a ciência prolongar o nosso tempo de vida? E até onde deve fazê-lo?

Entre 1900 e 2020, a esperança de vida humana mais do que duplicou: passamos dos 33 para os 73,4 anos. No entanto, esse ganho espetacular teve custos: um aumento vertiginoso das doenças crónicas e degenerativas. O envelhecimento continua a ser o maior fator de risco para o cancro, a doença cardíaca, a doença de Alzheimer, a diabetes tipo 2, a artrite, a doença pulmonar e muitas outras doenças graves.

As últimas experiências com ratos permitem desenvolver fármacos capazes de limpar os detritos moleculares e bioquímicos que estão na raiz de tantos problemas na velhice. Surge assim, a possibilidade de muito mais pessoas poderem ser octogenárias ou nonagenárias, sem experimentarem as dores e maleitas que tornam esses anos agridoces. Aumenta ainda a possibilidade de muitos alcançarem, aquilo que se crê ser o tempo de vida natural máximo dos seres humanos: 120 a 125 anos.

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Nos países industrializados, cerca de uma em cada seis mil pessoas atinge a marca de um século e uma em cada cinco milhões vive para lá dos 110.

Ora, tudo boas notícias… certo?! Ou serão estas notícias um mote importante para uma reflexão?

Se formos lineares, hoje, grosso modo, a vida organiza-se da seguinte forma: estudamos 20 anos, trabalhamos 45 e estamos na reforma uns 20 anos. Viver mais é bom? Qual a qualidade de vida que vamos dar a quem vai viver mais? As instituições estão preparadas? Vamos trabalhar mais anos?

Ficar na reforma dos 67 aos 110 anos, é um período muito extenso. Importa saber, planear e garantir condições para aceder a esta etapa da vida com qualidade. Ter um projeto de reforma ajuda a um envelhecimento saudável.

Hoje o envelhecimento em Portugal é doloroso: pouco poder de compra; pouca acessibilidade a cuidados de saúde; pouca qualidade de vida e muita solidão. Se a premissa for apenas a de aumentar a esperança média de vida por si só, iremos hipotecar o futuro das sociedades.

A sociedade ocidental edificou-se em muito na premissa do trabalho, como norteador das vivências, todavia, estamos numa época em que se fala, cada vez mais, na introdução da Inteligência Artificial no mercado laboral. O que decerto levará à extinção de vários postos de trabalho, tal como as máquinas fizer na indústria e na agricultura. Como vamos fazer esta transição?

Iremos ficar a trabalhar mais anos? Ou viveremos mais tempo sem trabalhar? Passaremos efetivamente a falar no rendimento universal de sobrevivência por forma a garantir que todos vivem com o mínimo indispensável? Será necessário regulamentar a IA e criar cotas para as empresas contratarem seres humanos?

Claro, que num mundo ideal a IA faria muito do trabalho e nós poderíamos viver mais. Semanas de três ou quatro dias, seriam o normal, tal como jornadas menos de trabalho. Agora, nós conhecemos a nossa tendência para a desigualdade…os avanços científicos ficarão apenas disponíveis para alguns o que poderá agravar as desigualdades. Isso pode conduzir a uma distopia?!

Preparar o envelhecimento é importante e enquanto sociedade temos de refletir sobre isto. Teremos nós energia para passar a trabalhar 55/60/70 anos? Que sociedade seremos nós?